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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

14 Treinamentos da Ordem do Interser (parte 3)

 

O SÉTIMO TREINAMENTO

Habitando feliz no momento presente

 

Consciente que a vida é disponível somente no momento presente e que é possível viver feliz aqui e agora, comprometo-me a treinar a mim mesmo para viver profundamente cada instante da vida diária. Tentarei não me deixar cair na dispersão ou ser levado por remorsos do passado, temores em relação ao futuro ou pela raiva, apego ou inveja no presente. Praticarei a respiração consciente para retornar ao que esta acontecendo neste instante. Estou determinado a aprender a arte de viver plenamente consciente tocando os elementos extraordinários, refrescantes e saudáveis que estão dentro e em torno de mim e nutrindo as sementes de alegria, paz, amor e compreensão em mim mesmo, facilitando o trabalho de transformação e cura em minha consciência.

 

Deveríamos tentar não nos perder na dispersão ou sermos levados por pesares sobre o passado, preocupações sobre o futuro, ou ganância, raiva ou ciúme no presente. O Buda nos ofereceu a prática da plena consciência para nos ajudar a voltar ao que está acontecendo no momento presente. Plena consciência nos permite tocar os maravilhosos, refrescantes e curativos elementos que estão dentro de nós e ao nosso redor e nutrir as sementes de alegria, paz, amor e compreensão em nós mesmos.

 

Como o caroço de um pêssego, este treinamento de plena consciência está no coração da vida da Ordem do Interser. Quer você viva em um centro de meditação, trabalhe em um escritório, viva com sua família ou estude em uma universidade, a prática da plena consciência é crucial. O caractere chinês para plena consciência tem dois componentes: coração ou mente, e momento presente.

 

Estar atento significa estar completamente presente no momento - não uma parte de você que lava os pratos enquanto a outra parte está desejando saber quando o trabalho terminará. Plena consciência pode ser praticada ao longo do dia. Caminhando, sentando, estando de pé, deitando, trabalhando, e descansando são todas as ocasiões para a prática. Respiração consciente é o veículo que nos devolve ao momento presente e nos mantém aqui. O Sutra da Plena Consciência da Respiração e o Sutra dos Quatro Estabelecimentos de Plena Consciência nos ensinam como estar atentos ao nosso corpo, nossos sentimentos, nossa mente e os objetos de nossa mente.

 

Plena consciência conduz a concentração e sabedoria. Nós desenvolvemos concentração e sabedoria junto com um sentido profundo de alegria e felicidade porque, como nós vemos profundamente a natureza de realidade, vemos como é maravilhoso o mundo e os seres dos reinos - animal, vegetal e mineral – que o habitam. Sem plena consciência, nós não estaremos em contato com as flores maravilhosas, a lua gloriosa, nossos filhos, nosso cônjuge ou nossos amigos. Eles são infinitamente preciosos e raros, parte da natureza de interser de todas as coisas.

 

Plena consciência faz a vida real, profunda e valendo a pena. Ajuda-nos a estar dentro do aqui e agora onde a verdadeira vida pode ser encontrada. Ajuda-nos a entrar em contato com os elementos curativos e refrescantes dentro de nós e ao nosso redor. Ao praticar assim, plantamos e regamos as sementes de alegria, paz e compreensão em nós, as sementes que têm o poder para modificar e transformar a dor e as aflições em nós. Não é somente tocando diretamente estas aflições que nós podemos as curar. Freqüentemente estas aflições e dores podem ser transformadas apenas pela presença das sementes positivas que nós plantamos e regamos em nossa vida diária pela prática de viver atentamente.

 

No Cânon de Pali, o termo dittha dhamma sukha vihari é freqüentemente usado. Significa habitar feliz no momento presente, nesta mesma vida. Se nós não estivermos contentes e alegres em nossa prática, ela ficará fraca. Alegria e felicidade nutrem nossa prática e a fazem forte. Se nossa prática não transforma nossa vida e nos traz grande alegria, se nós não pudermos trazer alegria aos outros e os entender, nós não estamos praticando corretamente. São reveladas para nós as maravilhas do universo na meditação na interdependência. Nós podemos ver que para que uma coisa exista, tudo mais também precisa existir. "Isto é, porque aquilo é."

 

O Quinto Treinamento de Plena Consciência lida com a ganância, o Sexto com a raiva, e o Sétimo com o esquecimento e a falta de entendimento. Os Quatorze Treinamentos de Plena consciência da Ordem de Interser seguem e apóiam uns aos outros como um fio de pérolas.

 

 

O OITAVO TREINAMENTO

Comunidade e Comunicação

 

Consciente que a falta de comunicação sempre traz separação e sofrimento, comprometo-me a treinar a mim mesmo na prática do ouvir compassivo e da fala amorosa. Aprenderei a ouvir profundamente sem julgar ou reagir evitando proferir palavras que possam criar discórdia ou causar ruptura na comunidade. Farei todo o esforço para manter a comunicação aberta e reconciliar e resolver todos os conflitos, mesmo os pequenos.

 

Os Oitavo e Nono Treinamentos de Plena Consciência tratam da fala. A essência do Oitavo é a concórdia. Vida em comunidade só é possível com concórdia. O Buda prescreveu Seis Acordos, seis princípios de vida em comunidade: morar juntos em um lugar, compartilhar recursos materiais, observar os mesmos treinamentos de plena consciência, praticar juntos e compartilhar a compreensão do Dharma, reconciliar pontos de vista discrepantes e praticar a fala amável para evitar todas as disputas. Estes Seis Acordos foram praticados por comunidades budistas desde o tempo do Buda e ainda são relevantes. Embora o Oitavo Treinamento trate da fala, se relaciona diretamente com todos os Seis Acordos. Quando os primeiros cinco acordos são praticados, é fácil de observar a fala amorosa. Quando houver boa comunicação relativa a idéias e interesses, não é provável que disputas aconteçam.

 

Fala amorosa nasce do entendimento e da paciência. Praticando o Sexto Treinamento, nós descobrimos que culpar não ajuda. Só o entendimento e o amor podem provocar mudanças. Reconciliação é uma arte, nos exigindo que entendamos ambos os lados de um conflito. Não é apenas fazer com que ambos os lados suportem parcialmente a responsabilidade, mas que mesmo nós que não estamos no conflito, suportemos um pouco dessa responsabilidade. Se vivêssemos em plena consciência, poderíamos ter visto as fases do conflito mais cedo quando ele começava a surgir e poderíamos ter ajudado a evitar.

 

Reconciliar é não julgar, ficando fora de um conflito. É assumir um pouco de responsabilidade pela existência do conflito e fazer todo esforço para entender o sofrimento de ambos os lados. Então poderemos comunicar a cada lado o sofrimento experimentado pelo outro lado, e oferecer alguma solução baseada em um ideal comum a ambos os lados. O propósito da reconciliação não é para salvar as aparências ou por interesse próprio, mas para realizar compreensão e compaixão. Para ajudar a reconciliar, nós mesmos temos que encarnar a compreensão e compaixão.

 

Nossa consciência da necessidade de reconciliação e o nosso dever para trabalhar por ela nos autorizará a agir e o sucesso de nossos esforços dependerá do grau de nossa compreensão e compaixão, não só pelos dois lados, mas por nós mesmos também.

Toda verdadeira comunidade é uma comunidade de concórdia. Antes que uma comunidade budista comece uma atividade como recitar os Treinamentos de Plena Consciência, tomar uma decisão, ou executar a cerimônia de transmissão dos Treinamentos de Plena Consciência, o Mestre de Sanghakarman sempre começa perguntando:

 

"A comunidade está reunida?"

"Sim, a comunidade está reunida."

"Há harmonia na comunidade?"

"Sim, há harmonia na comunidade."

 

Se esta não for a resposta, a reunião não pode se realizar. Esta prática é chamada de Procedimento de Sanghakarman, estabelecido durante o tempo do Buda, e foi praticado por comunidades de monges e monjas ao longo dos últimos vinte e cinco séculos.

 

O NONO TREINAMENTO

Fala verdadeira e amorosa

 

Consciente de que as palavras podem criar sofrimento ou felicidade, comprometo-me a aprender a falar com sinceridade e de maneira construtiva, usando somente palavras que inspirem esperança e confiança. Estou determinado a não mentir por interesse pessoal ou para impressionar pessoas e nem proferir palavras que possam causar divisão ou discórdia. Não divulgarei noticias se não estiver seguro de que sejam verdadeiras, e nem criticarei ou condenarei atos dos quais não esteja seguro. Farei o melhor para denunciar situações de injustiça, mesmo quando elas possam ameaçar minha segurança.

 

Este é o segundo Treinamento de Plena Consciência que lida com a fala. As palavras são simples e claras. Quando falarmos, podemos criar um mundo de amor, confiança, e felicidade, ou um inferno. Deveríamos ter muito cuidado sobre o que dizemos e como dizemos. Se nós tivermos o hábito de falar muito, deveríamos praticar falando menos. Temos que nos dar conta do que nós dizemos e os resultados de nossa fala. Até mesmo dentro de templos budistas, falamos freqüentemente muito, fazendo comentários sobre tudo. Todos nós experimentamos como a fala negativa pode criar um inferno.

 

Durante retiros, temos a oportunidade de praticar silêncio, reduzindo nossa fala em pelo menos noventa por cento. Esta prática pode ser extremamente benéfica. Não só aprendemos a controlar nossa fala, mas também podemos refletir e nos ver, ver as pessoas ao nosso redor e a vida mais claramente. Quando tivermos a oportunidade de estar em silêncio, poderemos olhar profundamente e sorrir para as flores, a grama, os arbustos, as árvores, os pássaros e aos seres humanos amigos. Vocês que observaram períodos de silêncio completo sabem os benefícios de tal prática. Com silêncio, um sorriso, e fala correta, desenvolvemos paz dentro de nós mesmos e no mundo ao nosso redor.

 

Fala correta está livre da mentira, fofoca, exagero, linguagem severa e do murmurar tolo. Fala correta constrói a compreensão e a reconciliação. O Nono Treinamento não só requer de nós franqueza, mas também coragem. Quantos de nós são valentes o bastante para falar sobre situações de injustiça, até mesmo quando agindo assim nossa própria segurança pode ser ameaçada?

 

(Traduzido do livro “Interbeing” – Thich Nhat Hanh)

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