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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
14 Treinamentos da Ordem do Interser (parte 5)
O DÉCIMO TERCEIRO TREINAMENTO
Generosidade
Consciente do sofrimento causado pela exploração, injustiça social, pelo roubo e pela opressão, comprometo-me a cultivar a bondade amorosa e a aprender meios de agir para o bem estar das pessoas, animais, plantas e minerais. Praticarei a generosidade compartilhando meu tempo, minha energia e meus recursos materiais com aqueles que são necessitados. Estou determinado a não roubar e a não possuir qualquer coisa que deveria pertencer a outros. Respeitarei a propriedade alheia, mas tentarei evitar que outros tirem proveito do sofrimento humano ou do sofrimento de outros seres.
Ao levar para nossa consciência a dor causada pela injustiça social, o Décimo Terceiro Treinamento nos impele a trabalhar por uma sociedade mais suportável. Este treinamento é proximamente relacionado com o Quarto (Consciência do sofrimento), o Quinto (Modo de vida simples e saudável), o Décimo Primeiro (Modo de vida correto) e o Décimo Segundo (Reverência pela vida). De forma a entender este treinamento profundamente, precisamos meditar nesses outros quatro treinamentos.
Exploração, injustiça social, roubo e opressão vêm em muitas formas e causam muito sofrimento. No momento que nos comprometemos em cultivar a bondade amorosa, ela nasce em nós e fazemos cada esforço para parar aquelas coisas. Bondade amorosa (maitri em sânscrito) é a intenção e a capacidade de trazer alegria e felicidade para outra pessoa ou ser vivo. Mas mesmo com maitri como fonte de energia em nós, ainda precisamos aprender a encontrar formas de expressá-la. Temos que trabalhar como indivíduos e nos juntar como uma comunidade para examinar nossa situação, exercitando nossa inteligência e habilidade para olhar profundamente de forma que possamos descobrir maneiras apropriadas de expressar maitri no meio de nossos problemas reais.
Suponha que queiramos ajudar aqueles que estão sofrendo sob uma ditadura. Sabemos que enviar tropas para derrubar seu governo causará mortes de muitos inocentes. Olhando mais profundamente, com bondade amorosa, podemos perceber que a melhor hora para ajudar é antes do país cair nas mãos do ditador. Oferecendo aos jovens desse país oportunidade de apreender maneiras democráticas de governar seria um bom investimento para a paz no futuro. Se esperarmos até que a situação fique ruim, pode ser tarde demais. Se praticarmos juntos com os políticos, soldados, homens de negócio, advogados, legisladores, artistas, escritores e professores podemos achar a melhor maneira de praticar compaixão, bondade amorosa e entendimento.
O sentimento de generosidade e a capacidade de ser generoso não são suficientes. Precisamos praticar nossa generosidade. Isto leva tempo. Podemos querer ajudar os outros a serem felizes, mas somos capturados pelos problemas da nossa vida diária. Às vezes uma pílula ou um pouco arroz podem salvar a vida de um doente ou de uma criança com fome, mas podemos pensar que não temos tempo para ajudar. Custa somente cerca de 20 centavos de dólar para prover almoço e jantar para uma criança pobre em muitos países. Há muitas coisas simples como esta que podemos fazer para ajudar as pessoas, mas não fazemos nada porque pensamos que não podemos nos libertar do nosso estilo de vida ocupado.
Desenvolvendo maneiras de evitar que outros lucrem do sofrimento humano é o dever primário dos legisladores, políticos e líderes revolucionários. Contudo cada um de nós também pode agir nessa direção. Em algum grau, podemos ficar próximos de pessoas oprimidas e ajudá-las a se defender contra a opressão e exploração. Os votos de bodisatva são imensos e cada um de nós pode fazer votos de sentar com os bodisatvas na navegação de sua vida.
O DÉCIMO QUARTO TREINAMENTO
Conduta Correta
Consciente que relações sexuais motivadas por apego não podem dissipar o sentimento de solidão, mas apenas criar mais sofrimento, frustração e solidão, estou determinado a não me engajar em relações sexuais sem compreensão mútua, amor e compromisso de longo prazo. Nas relações sexuais devo estar consciente do sofrimento futuro que posso causar. Eu sei que para preservar minha felicidade e a dos outros, devo respeitar tanto meus direitos e compromissos quanto os das outras pessoas. Farei de tudo que estiver ao meu alcance para proteger as crianças do abuso sexual e proteger os casais e famílias da má conduta sexual. Tratarei nosso corpo com respeito e preservando minhas energias (sexual, respiratória e espiritual) para a realização do meu ideal de bodhisatva. Serei plenamente consciente da responsabilidade de trazer novas vidas a este mundo e meditarei sobre o mundo para o qual estamos trazendo novos seres.
Muitos indivíduos, crianças, casais e famílias foram feridos pela má conduta sexual. Praticar esse treinamento é prevenir que nós mesmos e os outros sejam feridos. Nossa estabilidade e a estabilidade de nossas famílias e da sociedade dependem disso. Praticar o décimo quarto treinamento é nos curar e à nossa sociedade. Quando estamos determinados nesse esforço, a energia que nasce nos ajuda a transformar em bodisatvas. Isto é o viver consciente.
No budismo, falamos em unicidade do corpo e do espírito. Seja o que for que aconteça ao corpo, também acontece ao espírito. A sanidade do corpo é a sanidade do espírito. A violação do corpo é a violação do espírito. A união de dois corpos pode apenas ser positiva quando há também entendimento e comunhão no nível do espírito.
A comunhão sexual deveria ser um ritual performado em plena consciência com grande respeito, carinho e amor. O verdadeiro amor contém carinho e respeito. É profundo, bonito e inteiro. Na minha tradição espera-se que o marido e a esposa se respeitem como convidados e quando eles praticarem esse tipo de respeito, seu amor e felicidade continuarão por um longo tempo. Na relação sexual, respeito é um dos elementos mais importantes.
O verdadeiro amor inclui o senso de responsabilidade, aceitando a outra pessoa como é, com todas as suas forças e fraquezas. A expressão “compromisso de longo-prazo” ajuda a entender a palavra “amor”. Um compromisso de longo prazo entre duas pessoas é apenas o início. Para uma árvore ser forte, precisa penetrar profundamente muitas raízes no solo. Se uma árvore tem apenas uma raiz, pode ser derrubada pelo vento. A vida de um casal também precisa ser apoiada por muitos elementos – famílias, amigos, ideais, prática e Sangha. Entender esse treinamento no contexto da comunidade é muito importante.
“Responsabilidade” é a palavra chave. Precisamos de plena consciência de forma a ter responsabilidade. Em uma comunidade de prática, se não há má conduta sexual, se a comunidade pratica bem esse treinamento, haverá estabilidade e paz. Vocês se respeitam, apóiam e protegem como irmãos e irmãs de Dharma. De outra forma, você pode se tornar irresponsável e criar problemas. Evitamos a má conduta sexual porque somos responsáveis pelo bem estar de muitas pessoas. Se formos irresponsáveis, podemos destruir tudo. Praticando esse treinamento podemos manter a Sangha bonita.
Precisamos discutir problemas relacionados à prática desse treinamento, tais como solidão, propaganda e mesmo a indústria do sexo. O sentimento de solidão é universal na nossa sociedade. Quando não há comunicação entre nós e os outros, mesmo na família, o sentimento de solidão pode nos empurrar para termos relações sexuais. A crença que ter relações sexuais nos ajudará a sermos menos solitários é um tipo de superstição. De fato, seremos mais solitários ao final. Quando não há comunicação suficiente com outra pessoa no nível do coração e do espírito, uma relação sexual apenas alargará a distância e destruirá a ambos. Nossa relação será tempestuosa e fará ambos sofrer.
Na prática do décimo quarto treinamento, deveríamos sempre olhar para a natureza de nosso amor pela outra pessoa de forma a ver e não sermos enganados pelos nossos sentimentos. Às vezes sentimos que temos amor pela outra pessoa, mas talvez este amor seja uma tentativa de satisfazer necessidades egoístas. Talvez não tenhamos olhado profundamente o suficiente para ver as necessidades das outras pessoas. Ele ou ela não deveria ser olhado como um objeto de nosso desejo ou algum tipo de item comercial. Sexo é usado difusamente em nossa sociedade como forma de vender produtos. Há também a indústria do sexo. Estas coisas são obstáculos para nossa prática. Você deve lembrar de olhar para o outro como um ser humano com a capacidade de se tornar um Buda.
Depois de muitos anos de prática ascética, Shakyamuni Buda percebeu que maltratar seu corpo era um erro e ele abandonou essa prática. Ele viu que ambos, indulgência dos prazeres sensuais e maltratar seu corpo eram extremos a serem evitados, que ambos levavam a degeneração da mente e corpo. Como resultado, ele adotou o Caminho do Meio entre os dois extremos.
Na Ásia dizemos que há três fontes de energia – sexual, respiração e espírito. A energia sexual é o tipo de energia que gastamos durante o ato sexual. Respiração vital é a energia que gastamos quando falamos demais e respiramos pouco. Espírito é a energia que gastamos quando nos preocupamos muito.
Precisamos saber como manter o balanceamento ou poderemos agir irresponsavelmente. De acordo com a medicina oriental, se essas três fontes de energia forem consumidas, o corpo irá enfraquecer, doenças irão aparecer. Então será mais difícil de praticar. No Taoísmo e também nas artes marciais, há práticas para preservar e nutrir essas fontes de energia.
Quando praticamos a respiração consciente – contando a respiração ou seguindo-a – não desperdiçamos a energia vital da respiração, e ao contrário a fortalecemos. Concentração e o desfrutar da meditação não gastam o espírito, mas o fortalecem. Você pode aprender modos de canalizar sua energia sexual em profundas realizações nos domínios da arte e da meditação. (...)
Devemos ter clareza da responsabilidade que temos em trazer uma nova vida para o mundo. A resposta não é parar de ter filhos, mas fazer do mundo um lugar melhor. O futuro da Terra e dos nossos filhos depende do modo como vivemos hoje. Se continuarmos a explorar e destruir nosso ecossistema, se permitirmos que a corrida armamentista continue, se não limitarmos o crescimento da população mundial, a Terra e a humanidade não terão futuro. Cada um dos nossos modos de vida pode ser um tijolo para a construção de um futuro de paz. O décimo quarto treinamento é vasto e sua observância é ligada a todos os outros treinamentos. Para entender e praticar este treinamento em profundidade, temos que ver a relação entre nossa prática diária de meditação, as Quatro Nobres Verdades e os ensinamentos budistas sobre renascimento.
(Traduzido do livro “Interbeing” – Thich Nhat Hanh)
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