Sangha
Virtual
Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Consciente do sofrimento causado pela má conduta sexual, eu me comprometo a cultivar a responsabilidade e a aprender maneiras de proteger a segurança e a integridade dos indivíduos, dos casais, das famílias e da sociedade. Estou determinado a não me engajar em relações sexuais sem amor e sem compromisso duradouro. Para preservar a minha felicidade e a dos outros, estou determinado a respeitar os meus compromissos e os compromissos dos outros. Farei tudo que estiver a meu alcance para proteger as crianças do abuso sexual e para impedir que casais e famílias sejam desfeitos pela má conduta sexual.
Muitos indivíduos, crianças, casais e famílias foram destruídos pela má conduta sexual. Praticar o terceiro treinamento para a mente alerta é curar a nós mesmos e nossa sociedade. Isto é viver com mente alerta. (...)
Na tradição budista falamos da unidade do corpo e da mente. O que quer que aconteça com o corpo também acontece com a mente. A sanidade do corpo é a sanidade da mente; a violação do corpo é a violação da mente. Quando estamos zangados, podemos achar que estamos zangados em nossos sentimentos, não em nosso corpo, mas isto não é verdade. Quando amamos alguém, queremos estar perto dele ou dela fisicamente, mas quando estamos zangados com alguém, não queremos tocar ou ser tocados por essa pessoa. Não podemos dizer que corpo e mente estão separados.
Uma relação sexual é um ato de comunhão entre corpo e espírito. Este é um encontro muito importante, que não deve ser feito de maneira casual. Você sabe que em sua alma há certas áreas, memórias, dor, segredos - que são privadas, que você só compartilhará com a pessoa que você mais ama e em quem mais confia. Você não abre seu coração e o mostra a qualquer um. Na cidade imperial há uma área em que ninguém pode entrar, chamada de cidade proibida; apenas o rei e sua família têm permissão de circular por ali. Há um lugar como este na sua alma, em que você não deixa ninguém entrar, exceto aquele que você mais ama ou em quem mais confia.
O mesmo vale para nosso corpo. Nossos corpos têm áreas que não queremos que ninguém toque ou das quais ninguém se aproxime, a não ser a pessoa que mais respeitamos, que mais amamos e em que mais confiamos. Quando somos abordados de forma grosseira, sem um mínimo de consideração, sentimo-nos ultrajados em nosso corpo e em nossa alma. Alguém que nos aborda com respeito, carinho e fina educação está nos oferecendo uma comunicação profunda, uma comunhão profunda. É apenas nestes casos que não nos sentimos nem um pouco machucados, ultrajados ou violados. Não podemos conseguir isso sem que haja amor e comprometimento verdadeiros. O sexo casual não pode ser descrito como amor. O amor é profundo, bonito e completo.
O amor verdadeiro contém respeito. Na minha tradição espera-se que marido e mulher respeitem um ao outro como convidados e, quando se pratica este tipo de respeito, seu amor e sua felicidade vão durar por longo tempo. Nas relações sexuais, o respeito é um dos elementos mais importantes. A comunhão sexual deveria ser como um rito, um ritual feito com mente alerta, com grande respeito, cuidado e amor. Se você é motivado por algum tipo de desejo, isto não é amor. Desejo não é amor. O amor é algo muito mais responsável. Há solicitude nele.
Temos de restaurar o significado da palavra "amor". Estamos acostumados a usá-la de forma vulgarizada. Quando dizemos: "eu amo hambúrgueres", não estamos falando de amor. Estamos falando do nosso apetite, do nosso desejo de hambúrgueres. Não deveríamos dramatizar nosso modo de falar e usar de forma errada palavras como essas. Dessa forma enfraquecemos palavras como "amor". Temos de fazer um esforço para curar nossa linguagem, usando com cuidado as palavras. A palavra "amor" é uma palavra linda. Devemos restaurar seu significado.
Estou determinado a não me engajar em relações sexuais sem amor e sem compromisso duradouro. Se a palavra "amor" é compreendida em sua forma mais profunda, por que precisamos dizer "compromisso duradouro"? Se o amor é real, não precisamos de compromissos curtos ou duradouros, ou mesmo de uma cerimônia de casamento. O amor verdadeiro inclui o senso de responsabilidade, aceitar a outra pessoa como ela é, com todas as suas forças e fraquezas. Se gostamos apenas do que há de melhor na pessoa, isto não é amor. Devemos aceitar suas fraquezas e trazer nossa paciência, compreensão e energia para ajudá-la a se transformar. O amor é maitri, a capacidade de trazer alegria e felicidade, e é karuna, a capacidade de transformar a dor e o sofrimento. Este tipo de amor só pode ser bom para as pessoas. Não pode ser descrito como negativo ou destrutivo. Ele é seguro. Ele é garantia de tudo.
Deveríamos riscar a frase "compromisso duradouro" ou mudá-la para "compromisso breve"? "Compromisso breve" quer dizer que podemos ficar juntos alguns dias e depois disso o relacionamento acaba. Isto não pode ser descrito como amor. Se temos este tipo de relacionamento com outra pessoa, não podemos dizer que esta relação brota do amor e da solicitude. A expressão "compromisso duradouro" ajuda as pessoas a entender a palavra amor. No contexto do amor real, o compromisso só pode ser duradouro. "Eu quero amá-lo. Quero ajudá-lo. Quero cuidar de você. Quero que você seja feliz. Quero trabalhar pela felicidade. Mas apenas por alguns dias." Isto faz sentido?
Você tem medo de se comprometer - com os treinamentos, com o seu parceiro, com qualquer coisa. Você quer liberdade. Mas, lembre-se, você tem de estabelecer um compromisso duradouro de amar profundamente seu filho e ajudá-lo a vida toda, enquanto você viver. Você não pode simplesmente dizer: "Eu não te amo mais." Quando você tem um bom amigo ou amiga, você também estabelece um compromisso duradouro. Você precisa dele ou dela. Quanto mais com alguém que quer compartilhar sua vida, sua alma e seu corpo. A expressão "compromisso duradouro" não consegue expressar a profundidade do amor, mas devemos dizer alguma coisa que as pessoas consigam entender.
Um compromisso duradouro entre duas pessoas é apenas um começo. Também precisamos do apoio de amigos e de outras pessoas. É por isso que, na nossa sociedade, temos a cerimônia do casamento. As duas famílias se unem a outros amigos para testemunhar o fato de que vocês se uniram para viver como um casal. O sacerdote e a certidão de casamento são apenas símbolos. O importante é que o seu compromisso é testemunhado por muitos amigos e por ambas as famílias. Agora vocês terão o apoio deles. Um compromisso duradouro é mais forte e mais perene se feito no contexto de uma Sangha.
Os fortes sentimentos de um pelo outro são muito importantes, mas não são suficientes para sustentar sua felicidade. Sem outros elementos, o que você descreve como amor pode rapidamente transformar-se em algo amargo. O apoio de amigos e a união da família tece uma espécie de rede. A força dos seus sentimentos é apenas um dos fios desta rede. Com o apoio de muitos elementos, o casal será sólido como uma árvore. Se uma árvore quer ser forte, precisa de muitas raízes enterradas profundamente no solo. Se uma árvore tem apenas uma raiz, pode ser facilmente arrancada pelo vento. A vida de um casal também precisa ser apoiada por muitos elementos - família, amigos, ideais, prática e Sangha.
Em Plum Village, a comunidade de prática onde vivo na França, cada vez que temos uma cerimônia de casamento, convidamos a comunidade inteira para celebrar e trazer apoio ao casal. Depois da cerimônia, em cada dia de lua cheia, o casal recita as Cinco Consciências juntos, lembrando que os amigos em toda parte estão apoiando sua relação para que seja estável, duradoura e feliz. Quer o seu relacionamento seja legalizado ou não, ele será mais forte e mais duradouro se realizado na presença de uma Sangha - amigos que amam você e que querem apoiar você em espírito de compreensão e gentileza amorosa.
O amor pode ser uma espécie de doença. No Ocidente e na Ásia, temos a expressão "doente de amor". O que nos torna doentes é o apego. Apesar de ser um bloqueio interior, este tipo de amor com apego é como uma droga. Ele nos faz sentir maravilhosos, mas assim que estamos viciados não conseguimos ter paz. Não conseguimos estudar, fazer nosso trabalho diário ou dormir. Só pensamos no objeto do nosso amor. Estamos doentes de amor. Este tipo de amor está ligado à nossa propensão de possuir e monopolizar. Queremos que o objeto do nosso amor seja inteiramente nosso e apenas para nós. Isto é totalitário. Não queremos que ninguém nos impeça de estar com ele ou com ela. Este tipo de amor pode ser descrito como uma prisão, onde trancamos nosso ser amado e só lhe criamos sofrimento. A pessoa amada nós a privamos da liberdade - do direito de ser ela mesma e de aproveitar a vida. Este tipo de amor não pode ser descrito como maitri ou karuna. É apenas a nossa propensão de fazer uso da outra pessoa para satisfazer nossas próprias necessidades.
Quando você tem uma energia sexual que o deixa infeliz, como se estivesse perdendo sua paz interior, deveria saber como agir para não fazer coisas que trazem sofrimento a outras pessoas e a você mesmo. Temos de aprender sobre isto. Na Ásia, dizemos que há três fontes de energia - a sexual, a da respiração e a do espírito. Tinh, a energia sexual, é a primeira. Quando você tem mais energia sexual do que precisa, vai haver um desequilíbrio no seu corpo e no seu ser. Você precisa saber como restabelecer o equilíbrio ou poderá agir irresponsavelmente. De acordo com o taoísmo e o budismo, existem práticas para ajudar a restabelecer esse equilíbrio, como a meditação ou as artes marciais. Você pode aprender as formas de canalizar sua energia sexual para realizações profundas nos domínios da arte e da meditação.
A segunda fonte de energia é khi, a energia da respiração. A vida pode ser descrita como um processo de queima. Para queimar, cada célula do nosso corpo precisa de nutrição e oxigênio. Em seu Sermão do Fogo, o Buda disse: "Os olhos estão queimando, o nariz está queimando, o corpo está queimando." Na nossa vida cotidiana, temos de cultivar nossa energia praticando a respiração adequada. Nós nos beneficiamos do ar e do seu oxigênio, e por isso precisamos estar certos de ter à disposição ar não poluído. Algumas pessoas cultivam seu khi parando de fumar e de falar, ou praticando respiração consciente depois de falar muito. Quando você fala, tome tempo para respirar. Em Plum Village, cada vez que ouvimos o sino da mente alerta, cada um pára o que estiver fazendo e respira conscientemente três vezes. Praticamos isto para cultivar e preservar nossa energia khi.
A terceira fonte de energia é thân, a energia espiritual. Quando você não dorme à noite, perde um pouco desse tipo de energia. Seu sistema nervoso fica exausto e você não consegue estudar ou praticar meditação bem, ou tomar boas decisões. Você fica sem a mente clara devido à falta de sono ou por preocupar-se demais. Preocupação e ansiedade secam esta fonte de energia.
Portanto, não se preocupe. Não fique acordado até muito tarde. Mantenha seu sistema nervoso sadio. Previna a ansiedade. Esses tipos de práticas cultivam a terceira fonte de energia. Você precisa dessa fonte de energia para praticar bem a meditação. Uma conquista espiritual requer o poder da sua energia espiritual, que surge através da concentração e de saber como se preserva esta fonte de energia. Quando você tem uma energia espiritual forte, você precisa apenas focá-la em um objeto e você terá uma conquista. Se você não tem thân, a luz da sua concentração não vai brilhar com intensidade, porque a luz emitida é muito fraca.
De acordo com a medicina asiática, o poder de thân está ligado ao poder de tinh. Quando gastamos nossa energia sexual, leva tempo para restaurá-la. Na medicina chinesa, quando você quer ter um espírito e uma concentração fortes, você é aconselhado a abster-se de relações sexuais ou de comer demais. Você toma ervas, raízes e remédios para enriquecer sua fonte de thân e, durante o período em que estiver tomando remédio, é aconselhável abster-se de relações sexuais. Se a sua fonte de espírito é fraca e você continua a ter relações sexuais, diz-se que você não consegue recuperar sua energia espiritual. Aqueles que praticam a meditação deveriam tentar preservar sua energia sexual, porque precisam dela durante a meditação. Se você é um artista, pode querer praticar a canalização de sua energia sexual, junto com a sua energia espiritual, para a sua arte. (...)
"Responsabilidade" é a palavra-chave no terceiro treinamento para a mente alerta. Em uma comunidade de prática, se não houver má conduta sexual e se a comunidade praticar bem este treinamento para a mente alerta, haverá estabilidade e paz. Este treinamento para a mente alerta deveria ser praticado por todos. Vocês se respeitam, se apóiam e se protegem uns aos outros como irmãos e irmãs de Dharma. Se não praticarem este treinamento para a mente alerta, vocês podem tornar-se irresponsáveis e criar confusão na comunidade local e na comunidade mais ampla. Todos já vimos isso. Se um(a) professor(a) não consegue abster-se de dormir com um de seus alunos, ele ou ela vai destruir tudo, possivelmente por várias gerações. Precisamos da mente alerta para ter este senso de responsabilidade. Abstemo-nos de uma má conduta sexual porque somos responsáveis pelo bem-estar de muitas pessoas. Se formos irresponsáveis, podemos destruir tudo. Praticando este treinamento para a mente alerta, manteremos a Sangha bela.
Nas relações sexuais as pessoas podem sair machucadas. Praticar este treinamento para a mente alerta é uma forma de impedir que nós mesmos e os outros sejamos feridos. Normalmente achamos que é a mulher que sai machucada, mas o homem também fica profundamente ferido. Devemos ter cuidado, especialmente nos compromissos de curta duração. A prática do terceiro treinamento para a mente alerta é uma forma eficaz de restaurar a estabilidade e a paz dentro de nós mesmos, na nossa família e na nossa sociedade. Deveríamos tirar um tempo para discutir problemas relacionados à prática deste treinamento, como a solidão, a propaganda e até mesmo a indústria do sexo.
O sentimento de solidão é universal em nossa sociedade. Não existe comunicação entre nós e as outras pessoas, mesmo em família, e o nosso sentimento de solidão nos impele a ter relações sexuais. Acreditamos ingenuamente que ter uma relação sexual vai nos fazer sentir menos sozinhos, mas isto não é verdade. Quando não há comunicação suficiente com a outra pessoa em termos de coração e espírito, uma relação sexual só vai aumentar a distância e destruir ambos. Nossa relação será tempestuosa e de sofrimento mútuo. A crença de que ter uma relação sexual vai ajudar a nos sentir menos sozinhos é uma espécie de superstição. Não nos devemos deixar enganar por ela. Na verdade, nos sentiremos mais solitários depois.
(Do livro “Os cinco treinamentos para a mente alerta” – Thich Nhat Hanh)
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