Sangha
Virtual
Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Pergunta: Minha questão se refere ao aborto. Eu estava grávida no último verão, as condições não eram favoráveis para seguir com a gravidez e a única decisão possível era muito dolorosa. Eu consultei amigos, família e médicos. Aborto era uma escolha compassiva. Você fala sobre aborto em uma nota de rodapé de um livro seu. O sofrimento profundo que acompanhou minha decisão compassiva era o seguinte: Primeiro, o sofrimento era necessário para ter uma oportunidade para que eu amasse mais profundamente e segundo, era sofrimento desnecessário que me fazia sentir culpada e envergonhada. Eu me senti como muitas mulheres que mantém a dor que sofrem em silêncio devido às percepções negativas sobre o aborto. Essa dor come nossa alma viva. Eu estou te convidando a nos dar uma dimensão amorosa e espiritual sobre o aborto.
Thay: Aborto é o ato de interromper a vida, causando estrago a vida. Não apenas à vida do bebê, mas à sua própria vida porque quando você pratica aborto não é apenas o bebê que morre, mas você também de algum modo. E essa morte pode continuar por um longo tempo. A primeira coisa que deve ser dita é que nós devemos permitir que a situação se apresente claramente de forma a tomar uma decisão. O principal é a prevenção, viver nossa vida de modo a que não precisemos tomar tal decisão.
Nós deveríamos focar nossa atenção em como viver, como preparar as condições, como prevenir essas situações em que você teria que tomar decisões difíceis, de forma que elas não venham. Isto é mais importante, é um treinamento não de uma só pessoa, mas de toda a sociedade. Temos que poder ver antecipadamente o que pode acontecer e prevenirmos com todo nosso poder a situação que nos fará sofrer. Esta é uma prática básica. Praticar assim é mais fácil do que esperar até que tenhamos que tomar decisões. E talvez 80% do nosso tempo deveria ser dedicado a olhar profundamente de modo a descobrir como praticar a prevenção.
Quando a situação difícil se apresentar nós já saberemos que a decisão será dolorosa. Se você decidir deste modo ou daquele, o sofrimento já estará lá e, nesse caso, devemos olhar profundamente para reduzir o sofrimento ao mínimo e não criar mais sofrimento, e aí precisaremos de nossa sabedoria. Não é somente um problema ligado ao nosso próprio conforto, é problema de não causar sofrimento a mais, e não criar mais dor e sofrimento para nós e para as pessoas próximas de nós.
Não há resposta pronta para cada caso. O sim e o não, não podem ser ditos de forma antecipada. Devem ser vistos em cada circunstância de modo a tomar uma decisão que conclua se devemos ir adiante ou não. Nós devemos usar o melhor de nosso insight. O insight profundo da própria pessoa, o insight das pessoas que estão perto dela e dele e a Sangha. É um caso perfeito para os olhos da Sangha porque os olhos da Sangha são sempre mais brilhantes que nossos olhos individuais. Os olhos da Sangha são o insight coletivo. Portanto se você é um praticante, e se tomou refugio no Buda, no Dharma e na Sangha a decisão deve ser feita na base na prática de tomar refúgio chamando a plena consciência do Buda para antecipar o que irá acontecer no futuro, que tipo de sofrimento irá acontecer se nós formos adiante e agirmos.
Quando há compaixão real no seu ato, você se apoia no nome da compaixão e age. Você está motivado pela compaixão real. Deve praticar o Dharma e Dharma significa a prática de estar plenamente consciente do que aconteceu no passado, do que esta acontecendo agora e o que irá acontecer no futuro. Nós devemos chamar também pelo insight da Sangha. A Sangha vai olhar para nossa situação com concentração, plena consciência e você terá um insight claro do que deve fazer. Portanto se você realmente tomou refugio na Sangha, deveria procurar o insight da sanga para dizer-lhe o que fazer. Depois de ter consultado a Sangha, depois de ter seguido o conselho da Sangha, você não tem que se preocupar porque fez seu melhor, tirou o máximo do Buda, do Dharma e da Sangha. Eles se tornaram co-responsáveis. Você não esta sozinho porque sabe que fez seu melhor, tomou refúgio na essência profunda da prática.
Este é um critério que você pode seguir: Se alguma coisa vai criar mais sofrimento você não deve ir em frente e fazê-lo. Se alguma coisa pode ajudar curar o sofrimento, nós podemos fazer e essa decisão deve ser feita pelo insight coletivo da Sangha.
P: Minha questão se refere a integração do meu treinamento espiritual anterior e a prática budista ensinada em Plum Village. Minhas raízes cristãs estão em uma tradição espiritual que dá importância à contemplação solitária, e até mesmo a viver em uma comunidade onde se tenham períodos para se viver sozinho, para refletir profundamente e praticar silêncio sozinho. Seus ensinamentos sobre Sangha estão tocando profundamente em mim e eu estou explorando a proximidade com a Sangha, mas também honrando minha raiz. Eu pergunto se você pode dar alguma luz para mim?
Thay: Há um ensinamento do Buda que diz como praticar solidão, viver sozinho. A prática da solidão, a prática de viver solitário faz você aprofundar seu insight, traz a você muitos elementos positivos, os quais você poderá oferecer à sua comunidade, à sua Sangha. Mas viver em solidão não significa que você vai viver separado da comunidade, da Sangha.
Há um sutra onde o Buda define solidão como a capacidade de ser único, de ser realmente você mesmo, não se permitindo levar pelas outras pessoas, pelas emoções, pelo futuro, pelo passado. Não deixe que o passado o deixe perdido nas lamentações e tristezas. Não permita que o futuro, o medo e a ansiedade sobre o futuro o levem embora. Você deveria ser capaz de se estabelecer no momento presente e observar profundamente o que está acontecendo agora no seu corpo, sentimentos, percepções e ambiente.
Por meio disso você aprofunda a sua plena atenção. A concentração vai te trazer insight e você cresce como praticante. Se você permitir ser carregado pelo passado, pelo futuro, pelas preocupações pelas pessoas, você não é absolutamente nada, não tem nada a contribuir para sua Sangha. A definição feita pelo Buda de como viver sozinho é não se perder no passado, não ser levado pelo futuro. Volte ao momento presente, se ancore profundamente no que está acontecendo, olhe profundamente para o que ocorre no momento presente e terá concentração e insight.
Você pode fazer isso mesmo que esteja no mercado, pode fazer mesmo no meio de uma multidão. As pessoas acharão que você não está sozinho, mas você está verdadeiramente vivendo sozinho. Não precisa ir para a floresta ou ao cume das montanhas para estar realmente sozinho. Pode estar sozinho aqui e agora, mas não solitário. Sozinho não significa ser solitário. Você é você mesmo, totalmente você mesmo. Você está no controle, porque está consciente do que está acontecendo no seu corpo, nos seus sentimentos, nas suas percepções. Você faz o papel do rei no território do seu corpo, das suas emoções, das suas percepções, das suas formações mentais e da sua consciência. Esse território é muito vasto. Você é um rei muito responsável, sabe o que está acontecendo realmente e está no controle porque tem plena consciência do que está acontecendo.
Portanto se você praticar assim, tem muitas coisas a contribuir. Apenas a proximidade com a Sangha não significa que você contribua. Você tem que contribuir para ser um bom membro da Sangha. Se cada célula do corpo está contribuindo, ela é capaz de substituir a totalidade das células do corpo muito bem. É por isso que você deve contribuir da melhor forma para o corpo. Se a célula não é nada, o corpo não é nada. Cada momento da nossa vida diária deveria nos enriquecer e esta é a nossa contribuição para a Sangha. Portanto, as duas coisas não se contradizem absolutamente: você está na Sangha e está próximo da Sangha. Você está sempre a cada momento fazendo seu melhor o seu melhor é estar sempre plenamente consciente, sempre concentrado, sempre produzindo insight. Por isso você é muito valioso para a Sangha. A Sangha precisa de você da mesma maneira que você precisa da Sangha. Você será o melhor para a construção da comunidade se produzir plena atenção, concentração e insight. Esses elementos produzem solidez, liberdade e alegria para você e para a Sangha.
P: Eu gostaria de saber se você pode me dar algum conselho de como eu poderia ajudar minhas crianças a não fumarem cigarros, maconha e a não beberem álcool. Eles são ambos bons garotos, adolescentes e estão fazendo o que seus colegas estão fazendo. Eu tentei dizer que não gostaria que eles fizessem isso, mas eles dizem “Pai você costumava fazer isso”. Isto também é verdade. Eu me sinto sem forças para ajudá-los. Você poderia me ajudar?
Thay: Quando os pais fumam ou bebem álcool, as crianças irão fazer isso também. Eu lembro um dia em Londres uma amiga perguntou: “Thay, eu tenho bebido uma taça de vinho cada semana nos últimos 10 anos e não me fez nenhum mal. Porque eu deveria me privar desse prazer? Eu não vejo nenhum dano”. Eu perguntei se ela tinha filhos e ela respondeu: “Sim”. “Talvez no seu caso você nunca se torne uma alcoólatra, mas seus filhos podem ter a semente do alcoolismo neles. É por isso que se abster de beber não é um ato apenas por você.”
Aja como o bodhisattva, para ajudar outros seres vivos. Aja com compaixão e terá alegria suficiente para parar de beber. Ela entendeu e tomou os 5 treinamentos de plena consciência, pelo desejo de agir como um bodhisattva para proteger seus próprios filhos e para proteger a sociedade e, assim,ela foi forte o suficiente para parar.
Duas coisas devem ser inicialmente ditas sobre isso: primeiro, o ambiente e segundo, um tipo de sentimento de solidão. Alguns fumam ou bebem álcool quando estão muito sozinhos ou deprimidos. Procuram coisas para comer e continuam a comer de forma a esquecer da sua solidão, da sua depressão. Ficam gordos, ganham 10 Kg a cada 10 dias, a cada mês e não conseguem parar, não têm coragem para parar. Você sabe que comer, beber e fumar assim tem raízes na nossa solidão, na nossa depressão. É por isso que você tem que resolver o problema na raiz.
Tem que oferecer a você mesmo o tipo de alimento, o tipo de alegria que será capaz de te ajudar a parar facilmente. Por não ter algo para desfrutar profundamente, você terá que recorrer a essas coisas. De tempos em tempos pessoas trazem a Plum Village adolescentes e crianças. Eles têm esperança que as crianças fiquem melhores. Quando as crianças vêm elas não podem assistir nada de televisão e outras coisas assim. Quando um garoto percebeu que não havia televisão, ele queria ir embora. “Como posso sobreviver sem televisão?”. Sugerimos que a mãe dissesse a ele: “Tente um dia apenas e se amanhã você não gostar, pode ir embora”. Houve esta negociação entre a mãe e o garoto.
Na Sangha temos programação para os garotos, tentando deixá-los felizes e identificando coisas interessantes e agradáveis a fazer. Ele esqueceu sobre a televisão e sobreviveu. No outro dia sua mãe estava feliz em saber que seu filho não queria mais ir embora. Ele consentiu em ficar.
Portanto a resposta é que deveríamos oferecer a essas pessoas algumas coisas agradáveis, nutritivas, gratificantes. Deveríamos saber como preencher o vácuo nele ou nela para oferecer alegria verdadeira e um sentimento de bem estar. Esta é a primeira condição.
A segunda condição é como oferecer a estas pessoas o tipo de ambiente onde eles possam parar com essas coisas facilmente. Você tem que dar o exemplo para protegê-los. O problema do ambiente é muito importante. Há coisas que não somos capazes de fazer quando estamos em casa, como sentar por 2 horas, mas com a Sangha, em um ambiente apropriado você consegue. É por isso que criar um ambiente é crucial. Viver de forma saudável e alegre depende do ambiente que você será capaz de criar. Uma vez que você tenha criado, o problema foi resolvido porque o bom ambiente é capaz de oferecer às pessoas elementos para sua nutrição e alegria.
É por isso que ameaçar, usar de autoridade, dar lições de moral, não irá ajudar. Você tem que prover esses tipos de elementos: primeiramente nutrição, boa nutrição, alegria e depois bom ambiente. E todos nós deveríamos aprender como fazer essas duas coisas por nós mesmos e pela sociedade.
Usar todo o exército para resolver o problema das drogas não significa que vá resolver. Organizamos a sociedade de tal forma que são criadas pessoas solitárias aos milhares cada dia. Essas pessoas carregam com eles um tipo de desespero, solidão, vácuo, que os impelem a ir e procurar meios de esquecer: drogas, álcool, sexo e outras coisas que vão destruir seu corpo e mente. De que adianta usar o exército e armas para resolver o problema das drogas e do álcool? O único meio é criar um ambiente onde as pessoas jovens possam viver com alegria, com boas motivações.
Se você não vive com alegria e boas motivações, não pode ajudar suas crianças. Você tem que fazer isso primeiro e depois provê-las com um bom ambiente onde possam fazer isso também. Pais e professores têm que se juntar e discutir sobre isso. Dessa forma vocês poderão ajudar o governo mostrando os meios mais efetivos de lidar com drogas, álcool, delinqüência e como não encher mais e mais as prisões. Porque construir mais prisões requer mais fundos e dá trabalho. Usar o exército para procurar drogas também requer dinheiro, energia e esforço. Essa energia e esforço poderiam ser usados de forma a recriar o ambiente e trazer a aspiração de alegria das pessoas. È isso que você deveria fazer.
(Transcrito de palestra em retiro em Plum Village em 06/06/2002)
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