Sangha
Virtual
Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Aprendendo a estar sozinho
Estamos em nosso segundo dia de retiro Israelense Palestino. Nossa intenção não é lhe dar ideias, mesmo ideias de paz. Nossa intenção é oferecer a vocês uma oportunidade de reconhecer a semente de paz e alegria que já existe em você. Uma palestra sobre o Dharma é como uma nuvem, uma chuva, e a chuva pode ajudar as sementes no solo a brotar e a produzir flores e frutos. A chuva não são as sementes, mas a chuva pode ajudar as sementes a brotar e a produzir flores. As flores da compreensão, as flores da paz, as flores da alegria.
É por isso que não é minha intenção lhe dar ideias. Não é seu propósito vir aqui receber ideias e colocá-las em um caderno. Quando chove, permitimos que a chuva penetre no solo. Se a chuva for suficiente, então todas as sementes do solo serão penetradas pela chuva e terão a chance de brotar.
Durante uma palestra como essa, não precisamos fazer nada. Não precisamos tentar entender, nem tentar registrar o que está sendo dito. Numa conversa como esta, você apenas se deixa penetrar pela chuva e de repente você descobrirá que as sementes de compreensão, sabedoria e amor brotaram em você. Não há nada a fazer. Apenas sente-se aí e deixe a chuva penetrar. Você tem que acreditar que a semente da paz, a semente da alegria, a semente da felicidade, já estão em você. A semente do Reino de Deus está em você. Não está fora de você.
Se você pensa que Deus está fora de você e está procurando por ele, você nunca encontrará Deus. É como uma onda correndo em busca de água, ela nunca encontrará a água. Ela tem que voltar para casa sozinha, com a forte convicção de que a água está dentro, e então haverá uma chance. Você não está procurando por algo lá fora.
Quando os irmãos e irmãs vieram esta manhã para cantar, eles não dirigiram estas palavras a alguém fora deles. Esse alguém talvez seja o Buda, o Bodhisattva ou Deus. Não, eles não estão se dirigindo a um Deus fora deles e sabem disso. Esse canto é apenas uma espécie de chuva para regar dentro deles as sementes da compreensão, da paz. Quando nos levantamos e nos curvamos em uma direção, isso não significa que o Buda, Deus, esteja nessa direção.
Quando você se curva, toca o que há de melhor em você. Tocamos o que há de bom, de belo, de verdadeiro em nós. Isso não significa que acreditamos que não haja nada dentro de nós, e que haja algo nessa direção para fora de nós. Se você acredita que há algo nessa direção, está errado. Não há nada nessa direção. Embora haja uma estátua de Buda sentada, ela é apenas um bloco de rocha. Não é o Buda. O Buda é a capacidade de compreender e amar que existe em cada célula do nosso corpo. Portanto, não nos deixemos enganar pela forma.
O presente mais precioso que podemos oferecer à pessoa que amamos é a nossa energia de compreensão e amor. Se não tivermos compreensão e amor dentro de nós, não há nada para oferecer a ele, ou a ela, ou ao mundo. Mas como cultivar a compreensão e o amor? Você pode cultivar a compreensão e o amor quando estiver sozinho.
Estar sozinho não significa que você tenha que se isolar da sociedade, ir para uma montanha e viver em uma caverna. Viver sozinho significa que você sempre é você mesmo. Você não se perde. Você se senta no mercado e ainda assim pode ficar sozinho. Você nunca se perde. Você é sempre você mesmo. Você é o chefe, você não é uma vítima.
Quando você pratica caminhar conscientemente, você se concentra em seus passos e na inspiração e expiração. Mesmo que esteja caminhando com 200, 300 pessoas, você ainda está sozinho. Porque a atenção plena e a concentração estão em você e cada respiração, cada passo te nutre, te enriquece e te traz a energia da compreensão, do amor.
Porque se você não é você mesmo, não pode amar, não pode oferecer nada. Viver sozinho, estar sozinho, significa voltar para casa, para si mesmo, e tornar-se dono de si mesmo e não se deixar levar. A prática do caminhar consciente, da respiração consciente pode ajudá-lo a sempre voltar para casa, para si mesmo. Para que você possa obter nutrição, possa cultivar a consciência, a compreensão e o amor.
Porque a compreensão é a base do amor. Se você não entende, não pode amar. Se não consegue se compreender, não consegue amar a si mesmo. Se você não consegue entendê-lo, não pode amá-lo. Se você não consegue entendê-la, não pode amá-la. Portanto, compreensão é uma outra palavra para “amor”.
Suponha que você não entenda a sua parceira não entenda nada dela, não entenda seu sofrimento, suas dificuldades, sua aspiração mais profunda. Como você pode dizer que pode amá-la? Como você pode entendê-la? Você tem que ser você mesmo e quando você olha para ela, começa a ver. Ver o sofrimento dela, ver as suas dificuldades, ver a sua aspiração mais profunda. Se você não é você mesmo, como pode ouvir, como pode ver profundamente assim?
Quando existe compreensão, o amor é possível. O amor é a água que brota da fonte da compreensão. O relacionamento só tem sentido quando cada pessoa é ela mesma. Se você está vazio, se a outra pessoa está vazia, vocês não têm nada a oferecer um ao outro. Vazio de quê? Vazio de compreensão, vazio de amor, vazio de beleza, vazio de verdade.
É por isso que temos que nos nutrir, é por isso que temos que ser nós mesmos. Quando nos conhecemos, adoramos conversar um com o outro. É um prazer conversar com o outro, eu sei. Mas se não praticarmos plena atenção, falar é apenas ser levado pelo falar. Você não tem muito a oferecer e a outra pessoa não tem muito a oferecer a você. Claro que quando você tem algo dentro de você, muito precioso, você pode compartilhar, você pode oferecer.
Conversar é uma das formas de se oferecer, de se expressar. Mas se você só tem ideias vazias, isso não é um verdadeiro presente. Você pode ter opiniões e ideias sobre tudo, mas não é disso que a outra pessoa precisa. O que a outra pessoa precisa é da sua compreensão, do seu amor, do seu insight. Seu insight não são ideias, mas são como uma realidade viva. Você incorpora o insight. Você incorpora compaixão e alegria.
É por isso que os relacionamentos se tornam significativos. Se conhecermos a arte de viver sozinhos, significa que se soubermos ser nós mesmos, para cultivar em cada momento a energia da paz, a energia da compreensão, a energia da compaixão, então o nosso relacionamento se tornará significativo. Cada um de nós tem que ser nós mesmos, para que o relacionamento seja significativo. Isto é bastante simples.
É por isso que quando você tem cinco minutos, quando você tem dez minutos para você, você aproveita esses cinco ou dez minutos. a fim de se enriquecer para se tornar mais sólido, mais livre, mais compreensivo, mais compassivo. Porque quando amamos alguém, queremos oferecer-lhe o que temos. O que temos é alegria, compreensão, compaixão.
Essa oferenda é a melhor coisa que você pode dar aos nossos entes queridos. Deveríamos nos perguntar: o que posso oferecer a ela? O que posso oferecer a ele? Tenho muito a oferecer? Se você quer ter algo a oferecer, cultive isso e você cultiva isso estando sozinho, trabalhando sozinho, cultivando sozinho. A prática da respiração consciente, do caminhar consciente pode ajudá-lo a voltar para casa e começar a obter a energia da alegria, da paz.
Imagine uma árvore parada ali. Como a árvore está sempre ali, ela continua a obter nutrientes da terra: água, os minerais e assim por diante. Com esse tipo de alimento, ela pode nutrir seus galhos, suas folhas, ela pode fazer flores, ela pode fazer folhas, e assim por diante. Ela tem tantas coisas para oferecer ao mundo, mas se movermos a árvore, a raiz da árvore não terá chance de entrar em contato com o solo e não consegue obter os nutrientes de que necessita para produzir flores e frutos.
Somos como uma árvore. Se não soubermos como voltar para casa, para nos tornarmos totalmente presentes, para ter a oportunidade de cultivar, de praticar olhar profundamente e ouvir profundamente, então não poderemos obter os nutrientes para nós mesmos. Não teremos muito para oferecer à pessoa que amamos.
Nos nossos retiros sempre temos tempo para discussão. Isso chamamos de “compartilhamento do Dharma”, o tipo de discussão em que podemos oferecer nosso insight, nossa alegria, nossas experiências. É muito significativo, mas há quem sinta que não deve dizer nada porque o que gostaria de partilhar ainda não está muito claro. Não precisamos falar. Nós só precisamos ouvir para permitir que os insights de outras pessoas penetrem em nós. Mesmo que não digamos nada, estamos lucrando com as percepções de todos. O que aproveitamos não são as ideias, mas as experiências vividas que outras pessoas do grupo têm.
É nosso dever compartilhar. Se você tem alguma coisa, alguma experiência de vida, você deveria compartilhar com a sangha. Isso é a Fala Consciente. Este é um verdadeiro compartilhamento sobre o Dharma, enriquecendo a todos. Você é incentivado a compartilhar quando tiver algo para compartilhar. Cada um de nós é como uma árvore. A cada minuto de nossa vida diária, obtemos o alimento. Claro que temos algo que podemos florescer, podemos oferecer as flores e os frutos e essa é a nossa contribuição, um presente que podemos dar ao mundo.
(Palestra de Darma realizada no retiro entre Israelenses e palestinos: em 21 de outubro de 2003– transcrito do vídeo do YouTube
https://youtu.be/QSZGu5Z7ZN0)
Traduzido por Leonardo Dobbin)
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