Sangha
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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
As Quatro Nobres Verdades
A palavra chinesa e vietnamita para religião é jiao, o que significa uma tradição de ensinamentos. Nas culturas orientais, religião não implica em uma crença em Deus. Tao é a palavra chinesa para caminho. Os Ensinamentos sobre Mindfulness ou Plena Consciência são um largo caminho para nos livrar do sofrimento, não necessariamente ligados a uma religião em particular. O budismo foi desenvolvido como um caminho de ensinamentos e não uma religião. O primeiro ensinamento que o Buda deu foi para os seus cinco amigos que costumavam praticar a auto-mortificação com ele. Esse ensinamento, chamado de pôr em movimento a roda de Dharma, se tornou a base de uma nova ética e moralidade que consiste nas Quatro Nobres Verdades e no Nobre Caminho Óctuplo. Ética são princípios de ação que irão reduzir o sofrimento e nutrir a felicidade.
Em seu primeiro ensinamento, o Buda falou sobre as Quatro Nobres Verdades. Trata-se do mal-estar, o caminho que leva ao mal-estar, bem-estar e o caminho que leva ao bem-estar. A Quarta Nobre Verdade, o caminho que conduz ao bem-estar, é chamado de Nobre Caminho Óctuplo. Este é o caminho das oito práticas corretas: visão correta, pensamento correto, fala correta, ação correta (do corpo). modo de vida correto, esforço correto, plena atenção correta e concentração correta. Se olharmos profundamente o suficiente, veremos que estas quatro verdades contém tudo o que precisamos saber sobre a natureza do ser humano e da natureza do mundo que nos rodeia. Se virmos a verdadeira natureza das Quatro Nobres Verdades, veremos a verdadeira natureza do cosmos.
Uma coisa que você sempre pode ter certeza é que há sofrimento em nós e no mundo. O Buda construiu seu ensinamento e prática com base nessa verdade. Nós sabemos que se o sofrimento estiver presente, algo mais deve estar lá, a felicidade. Apenas compreender e aceitar esta verdade pode nos trazer algum alívio. O nosso mal-estar, o nosso sofrimento, não é exatamente culpa nossa. É o resultado de muitas causas e condições, tanto coletivas como individuais, tais como percepções erradas, confusão e emoções fortes, que levam a ações inábeis de corpo, fala e mente. Isso não significa que a felicidade não possa existir. Nós não temos que destruir o sofrimento a fim de ter a felicidade.
Quando aceitamos a Primeira Nobre Verdade (há mal-estar), podemos praticar duas coisas. Primeiro, podemos reconhecer o sofrimento real em nós e ao nosso redor. Em segundo lugar, podemos aprender a lidar com o sofrimento que reconhecemos. Reconhecer o sofrimento não significa que vamos ter que ver tudo como sofrimento ou que seja suficiente ver intelectualmente que existe sofrimento. Identificar o sofrimento como é significa que nós não fugimos dele e que vamos tomar medidas para sermos capazes de transformá-lo. Para transformar o sofrimento, temos de olhar profundamente para ele e encontrar suas raízes. Se há tensão no corpo, podemos identificá-la e descobrir as suas raízes a fim de aliviá-la. Se soubermos que o estresse vem do fato de que trabalhamos muito duro, por exemplo, e estamos muito distraídos para viver no momento presente, podemos encontrar uma maneira de trazer tranquilidade e descanso para o nosso dia.
Se, ao contrário, ignoramos o nosso estresse, e acharmos que apenas trabalhando mais poderemos cuidar de tudo, então a cada adicionamos mais estresse em nosso corpo. Se continuarmos assim, ficaremos doentes. Se começarmos a ser gentis conosco mesmos, dando-nos tempo para voltar a nós mesmos no momento presente, poderemos começar a nos curar. Quando olhamos para a Primeira Nobre Verdade, a Segunda Nobre Verdade aparece. A Segunda Nobre Verdade indica as causas do nosso mal-estar. Quando olhamos para o mal-estar profundamente, podemos ver como ele se desenvolveu. A Segunda Nobre Verdade ilumina o caminho que nos tem levado ao sofrimento. Uma das causas mais profundas do nosso sofrimento é a nossa insistência em ver a realidade de uma maneira dualista e o nosso apego às nossas crenças.
Ética é a capacidade de distinguir entre o certo e o errado. Muitas vezes ficamos presos nas nossas crenças sobre o que é certo e errado. Ficamos presos em visões erradas e perdemos o nosso caminho. Nós podemos pensar, por exemplo, "Essa pessoa quer nos matar. Se não a matarmos primeiro, ele certamente vai nos matar. Então temos que encontrar uma maneira de matá-la antes." Mas esse tipo de pensamento pode ser inteiramente baseado em suspeita, medo e percepções erradas. Visões erradas levam ao pensamento errado e o pensamento errado leva à fala errada e à ação corporal errada onde trazemos violência a nós mesmos e aos outros. Com a visão errada, poderemos ter um modo errado para ganhar a nossa vida, destruindo o ambiente natural, privando os outros da oportunidade de viver ou mentindo para convencer os outros a comprar a nossa mercadoria embora saibamos que ela seja prejudicial para a saúde.
Visão errada também leva à diligência errada pela qual podemos trabalhar muito duro dia e noite pensando que isso irá nos trazer sucesso e felicidade mas não nos deixa tempo para nossas famílias e nós mesmos. Desta forma, acumulamos estresse em nossos corpos e ansiedade em nossas mentes.
Visão errada leva à atenção errada. Por exemplo, podemos gastar os nossos dias preocupados em como ganhar mais dinheiro ou ter mais poder e fama. Nós nunca estamos presentes no aqui e agora, porque estamos sempre correndo atrás do objeto de nosso desejo. Visão errada também pode levar à concentração errada, o que significa que nos concentramos em idéias e noções que nos causam mal-estar e que pensamos nos outros como sendo completamente separados de nós.
Quando pensamos na Segunda Nobre Verdade, as causas do sofrimento, muitos de nós pensam nas causas externas e estruturas da pobreza, da doença, do desemprego, da injustiça social, da escravidão e da discriminação. Estas são as causas reais que geram enorme sofrimento. Se olharmos profundamente, veremos que este tipo de sofrimento não está separado do sofrimento individual. Mesmo se não houvesse pobreza, doença, desemprego e injustiça social, não significaria que não haveria mais estresse, preocupação, medo e violência. Ainda haveria sofrimento. Mas se nós soubéssemos como lidar com nosso estresse, preocupação, medo e raiva então a violência iria diminuir.
Temos que olhar profundamente para saber as verdadeiras raízes do nosso sofrimento. Algumas pessoas vêm da pobreza e violência e encontram o sucesso financeiro. Mas se ainda houver preocupação, estresse e medo, elas continuarão a sofrer mesmo que sejam bem sucedidas no sentido mundano.
As nossas sociedades são organizadas de forma tal que a cada dia o estresse se torna maior. A maioria do nosso sofrimento vem por causa do estresse. Quando não há estresse podemos resolver as coisas de uma forma pacífica, sem irritação. O estresse é um elemento que pode ser encontrado onde quer que haja pobreza, medo, ansiedade, violência, famílias desestruturadas, divórcio, suicídio, guerra, conflito e poluição ambiental. O estresse também é muito ligado ao sofrimento humano no coração das pessoas, incluindo as nossas relações com os nossos antepassados, nossos descendentes e nossos entes queridos, que é um sofrimento tão grande que não é possível descrever.
O sofrimento tem muitas faces. Se descobrirmos as raízes de um sofrimento, estamos ao mesmo tempo descobrindo as raízes de outro sofrimento e vamos começar a ver que cada sofrimento tem muitas causas e não apenas uma causa raiz. Quando reconhecemos as origens de nosso sofrimento, somos capazes de transformá-lo.
A Terceira Nobre Verdade é que há um fim para o mal-estar. Isto significa que o sofrimento pode ser transformado em alegria. A Terceira Verdade é a confirmação de que o bem-estar é possível, a felicidade é possível, a paz é possível. A Terceira Nobre Verdade implica que há um caminho que leva ao bem-estar. Isso por si só é uma declaração muito significativa. Transformação e felicidade são possíveis. Não temos que ficar presos.
A Quarta Nobre Verdade é o caminho que conduz ao bem-estar, Quando olhamos para a natureza do mal-estar, começamos a ver não só o caminho que levou ao nosso sofrimento, mas também o caminho que conduz para longe dele, o caminho que leva ao bem-estar. Você só precisa olhar para uma Verdade a fim de ver todas as outras três Verdades. Na tradição budista, o caminho que conduz ao bem-estar é chamado de Nobre Caminho Óctuplo. É nobre porque nos leva à paz, compaixão, amor e felicidade. A prática do Nobre Caminho Óctuplo pode transformar mal-estar em bem-estar.
(Do livro “The mindfulness survival kit”– Thich Nhat Hanh)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)
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