Sangha
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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
As raízes da raiva
Se você sabe quais são as verdadeiras raízes de sua raiva, também pode transformá-la. A princípio você pensa que sua raiva foi causada por alguém de fora que apenas algo que ele disse ou fez causou sua raiva. Você sabe que a principal causa de sua raiva é a semente da raiva em você. Isso é muito importante. Outras pessoas, quando ouvem ou veem tal coisa, não ficam com raiva como você. porque a semente da raiva nelas é menor. A semente da raiva em você é muito grande, é por isso que você fica com raiva tão facilmente. É por isso que você tem que aceitar o fato de que a principal causa do seu sofrimento ou da sua raiva é que a semente da raiva em você é muito grande e não colocar a culpa de tudo no ambiente ou na outra pessoa.
A outra coisa a ver é que alguém que não sabe como lidar com sua raiva, seu sofrimento, irá alastrá-los para outras pessoas. Quando alguém está com raiva, sofre. Por não saber como lidar com a energia da raiva, faz as pessoas ao seu redor sofrerem, incluindo seus entes queridos. Esse é alguém a ser ajudado, e não punido. Ao ver o sofrimento daquela pessoa, você não quer mais puni-la. Você sabe que precisa ajudá-la a transformar a raiva que há nela. Mas você não pode ajudá-la a menos que saiba como fazer isso sozinho. Se você não sabe como voltar para casa com atenção plena reconhecer, abraçar e transformar sua raiva, você não pode ajudar a outra pessoa a transformar sua raiva.
É por isso que você deve se ajudar primeiro. As meditações budistas oferecem maneiras muito concretas de reconhecer, abraçar, acalmar e transformar sua raiva. Se você vai a seu filho com as técnicas que você domina, então você pode ajudá-lo. Caso contrário, qualquer conselho não ajudará. Todo mundo sabe que a raiva não é boa para nós e nem para as outras pessoas, todo mundo sabe disso. Mas o fato é que eles não podem se ajudar. Eles são oprimidos pela energia da violência da raiva. É por isso que todos deveriam aprender a arte de abraçar a raiva e transformá-la.
O primeiro passo é aprender a respirar conscientemente, sorrir para a sua própria raiva e a abraçá-la com ternura, como uma mãe abraça o seu filho. Isso é algo que eu fiz, muitos amigos meus fizeram, e nós aprendemos com o Buda. Sabemos que quando a raiva se manifesta em nós, não devemos fazer nada, não devemos dizer nada. Porque fazer ou dizer algo com raiva trará coisas negativas que nos farão arrepender mais tarde. É por isso que quando a raiva se manifesta, a melhor coisa a fazer é praticar a respiração atenta, andar atentamente para cuidar de nossa raiva, e não tentar falar ou fazer algo com a pessoa que pensamos ser a causa de nossa raiva.
A questão é se às vezes a raiva nos ajuda. Já foi perguntado tantas vezes. Na verdade, se alguém o deixa com raiva, você não deve tentar reprimir a raiva, porque reprimi-la pode ser muito perigoso. Usar a energia da atenção plena para reconhecer sua raiva e abraçá-la com ternura é o que devemos fazer. É muito mais seguro. Isso não significa que você não tenha o direito de dizer a ele que está com raiva, que sofre, que ele fez algo ou disse algo que o fez sofrer, que você está com raiva. Você pode muito bem dizer a ele ou ela com um discurso amoroso.
Em Plum Village, aconselhamos nossos amigos a fazerem o seguinte: Dentro ou antes do prazo de 24 horas, você deve dizer a outra pessoa que está zangado, que sofre e gostaria que ela soubesse disso. Você não tem o direito de guardar sua raiva apenas para si mesmo por mais de 24 horas. Não é saudável! Você deve contar a ele ou a ela, mas com uma fala calma. Se você não puder fazer isso, você pode escrever em um pedaço de papel. Nossos amigos lembram, memorizam bem as fórmulas. Você pode gostar de experimentar.
A primeira linha que você pode escrever para ele é: “Querida, eu sofro. Estou com raiva. E eu quero que você saiba disso. Não sei por que você fez tal coisa comigo. Não sei por que me disse isso. Eu sofro muito. Estou com raiva. Eu quero que você saiba.” Esse é o conteúdo da primeira frase. Se você não pode dizer isso, então você tem que anotar. Certifique-se de entregar a ela antes do prazo. Você vai se sentir melhor.
A segunda linha, a segunda coisa que você gostaria de dizer a ele ou ela é que você está fazendo o seu melhor. “Querida, estou fazendo o meu melhor.” Significa: “estou praticando de acordo com os ensinamentos de Buda. Estou praticando a respiração atenta e a caminhada atenta, gerando a energia da plena consciência para cuidar da minha raiva, para trazer alívio, e então examinarei profundamente a minha raiva para ver qual é a raiz da minha raiva. Isso é para ver se é minha percepção errada que criou raiva, ou talvez por causa de alguma falta de habilidade sua.” Olhar profundamente é encontrar a raiz de sua raiva. Geralmente ela nasceu de nossa falta de compreensão e compaixão. Portanto, a segunda linha que você escreve é: “Querida, estou fazendo o meu melhor.”
Quando a outra pessoa ler a frase, ela terá muita admiração por você. Você é uma pessoa que sabe como lidar com sua raiva. Você é um praticante. Você não reage com raiva como as outras pessoas. Isso a inspira a praticar o mesmo. “O que eu fiz com ela? O que eu disse para fazê-la sofrer assim? Eu tenho que olhar para trás.” Isso é um convite para a outra pessoa fazer o mesmo. Muito gentil, muito não violento: “Querida, estou fazendo o meu melhor.”
A terceira linha, é muito difícil de dizer ou escrever: “por favor, me ajude.” Porque geralmente quando você fica com raiva dele ou dela, você quer mostrar que não precisa dele ou dela. Você quer provar que pode muito bem sobreviver sozinho. Esse é o orgulho que sempre acompanha a raiva. Se você é capaz de escrever: “Querida, eu sofro. Eu preciso de sua ajuda.” Você sofrerá muito menos imediatamente. Mesmo que ele ou ela não tenha feito nada, o fato é que você pode se obrigar a escrever essa frase para diminuir sua raiva. “Querida, preciso de sua ajuda.” Tenho certeza de que, quando ela receber a mensagem, pensará muito profundamente a respeito. “O que eu fiz para deixá-lo com raiva daquele jeito? O que eu disse para deixá-lo com raiva?” Então você a convidou para meditar com você.
Sempre aconselho meus amigos a escrever essas três frases em uma pequena folha de papel, do tamanho do seu cartão de crédito e guardar na carteira. Cada vez que a raiva se manifestar, volte para si mesmo, inspire e expire atentamente, pegue aquele papel e leia. Você sabe exatamente o que fazer e o que não fazer, você é um verdadeiro praticante. Se você puder ajudar seu filho, seu parceiro, seu marido, sua esposa, sua filha a fazer o mesmo, isso seria maravilhoso. Vocês dois estão juntos no caminho da transformação e da cura. Você pode transformar a energia da raiva e da violência na energia da compreensão e da compaixão.
Quando estamos com raiva, não ficamos muito lúcidos. É por isso que agir com raiva trará sofrimento. Às vezes, você pode fingir que está com raiva, mas se você estiver realmente zangado, não faça nada, não diga nada. Você pode dizer a ele ou ela, sem raiva, que você sofre, que está com raiva, que deseja que ele saiba disso. Isso é muito melhor do que usar sua raiva para provar algo.
Alguns de nós pensam que a energia da raiva pode ser muito poderosa que se você fizer uso dessa energia, fará muitas coisas. Se as pessoas são capazes de explodir porque têm muita raiva, a raiva é um tipo de energia tremenda. É verdade que os terroristas têm muita raiva em si mesmos. É por isso que eles podem fazer qualquer coisa para punir. Se estamos com raiva e se usamos a raiva como energia para puni-los de volta, estamos nos comportando exatamente da mesma maneira. O ensinamento do Buda é que a raiva nunca pode remover a raiva. A raiva só pode promover mais raiva. Somente a compreensão e a compaixão podem apagar a chama da raiva em nós e na outra pessoa.
Compreensão e compaixão são o único antídoto para a raiva. Usando isso, você cura a si mesmo e ajuda a curar as pessoas que são vítimas da raiva. É por isso que não podemos acreditar no benefício da raiva, porque a raiva sempre traz mais raiva. A violência sempre trará mais violência. Em um relacionamento pessoa a pessoa, isso também é verdade. Em uma relação entre um grupo de pessoas com outro grupo, um país com outro país, a mesma coisa é verdadeira.
(Palestra de Dharma de Thich Nhat Hanh em 31 de janeiro de 2004 – transcrito do vídeo do YouTube
https://youtu.be/cz5oA2Q0EM0)
Traduzido por Leonardo Dobbin)
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