Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

As seis paramitas

 

As três concentrações podem levar ao insight. Outro caminho ao insight é através das seis paramitas, seis técnicas para a felicidade. Paramita significa que a partir desta margem você vai à outra margem. A felicidade está lá na outra margem. Esta margem pode ser a margem do medo, e é possível para nós cruzarmos até a margem do destemor. Esta margem pode ser a margem do ciúme e é possível para nós cruzar até a margem da indiscriminação, do destemor, do amor. Às vezes precisamos somente de um segundo para ir de uma margem do sofrimento para a margem do bem-estar.

 

Doar

 

A primeira prática é a prática do dar, dana paramita. É maravilhoso ofertar. Quando você está com raiva de alguém, tem a tendência de punir àquela pessoa. Você quer privá-lo ou privá-la disso ou daquilo. Esta é a nossa tendência natural. Mas se você consegue ter a intenção de dar algo a ele ou a ela, sua raiva desaparecerá e você irá para a outra margem imediatamente, a margem da não-raiva. Tente. Suponha que de tempos em tempos você se enraivece com o seu companheiro e sabe que aquilo vai acontecer novamente no futuro. Então você vai, cria um presente e esconde em algum lugar. Da próxima vez que você se enraivecer com ele, não faça ou diga nada, apenas pegue o presente e dê a ele. Você deixará de ficar com raiva dele. Esta é a recomendação de Buda.

 

Buda nos ensinou muitas maneiras de lidar com a nossa raiva e esta é uma delas. Quando você está com muita raiva de alguém, dê algo a ele, dê algo a ela, pratique a generosidade. Você não precisa ser rico para praticar doação. Você não precisa ir ao supermercado para confeccionar um presente. O modo como você olha para ele já é um presente. Existe compaixão em seus olhos. A maneira como você fala é um presente, porque o que você diz é tão doce, é tão libertador. Uma carta que você escreve a ela também pode ser um presente. Nós somos muito ricos em termos de pensamento, em termos de fala, em termos de ação; podemos ser sempre generosos. Não seja econômico. Você pode ofertar a qualquer momento, e isto inspirará a felicidade das pessoas a sua volta. Pratique dana paramita. Sempre dê, e você se tornará cada vez mais rico a cada momento. Esta é a primeira ação do bodisatva, a prática da doação, da generosidade. Por favor, lembre-se que você não precisa ser rico para praticar o dar.

 

O treino da consciência plena.

 

A segunda prática é a prática da consciência plena, shila paramita. A prática da consciência plena também é uma dádiva. A prática dos treinos da consciência plena também é um presente – para você e para as pessoas que você ama. Se você persiste na prática dos treinos da consciência plena, você se protege, se torna bonito, você se torna saudável, você se torna seguro, e isto apóia a felicidade da outra pessoa. Praticando os treinos da consciência plena você fica protegido pela energia de Buda, do Darma e da Sanga, você não cometerá mais erros, você não criará sofrimento para si mesmo e para as pessoas a sua volta. É por isso que a prática dos treinos já é uma dádiva. Os Cinco Treinos da Consciência Plena lida com integridade, honestidade e compaixão.* Eles englobam proteger a vida, impedir a guerra e destruição da vida, praticar a generosidade, evitar má conduta sexual, praticar a fala consciente e amorosa e escuta profunda, e praticar o consumo consciente.

 

Os praticantes dos treinos da consciência plena têm uma energia poderosa que protege e preserva a liberdade e o destemor deles. Se você praticar os Cinco Treinos da Consciência Plena, você não mais estará sujeito ao medo, porque o corpo dos seus treinos conscientes é puro. Você não mais estará temeroso de nada. Esta é uma dádiva para toda a sociedade e não só para as pessoas que amamos. Bodisatva é alguém que está sempre protegido (a) pela prática dos treinos da consciência plena e que pode oferecer muito mesmo a partir da prática destes treinos.

 

Inclusão

 

A terceira técnica para atravessar até a outra margem é a prática da inclusão, kshanti paramita, a prática de ajudar o seu coração a crescer cada vez mais e mais o tempo todo. Como poderemos ajudar os nossos corações a crescer todo dia, para serem capazes de abraçar tudo? Buda deu um exemplo muito bonito. Suponha que você tem uma tigela com água e alguém coloca um punhado de sal dentro da tigela; a água ficaria muito salgada para você beber. Mas suponha que alguém joga um punhado de sal dentro de um límpido rio de montanha. O rio é suficientemente profundo e amplo que você ainda pode beber da água sem sentir o gosto do sal.

 

Quando o seu coração é pequeno, você sofre muito. Mas quando o seu coração se torna maior, muito grande, então a mesma coisa não lhe faz sofrer mais. O segredo, portanto, é saber como ajudar o seu coração a crescer. Se o seu coração é pequeno, você não consegue aceitar àquela pessoa, você não consegue tolerá-la com os defeitos dela. Mas quando o seu coração é grande, você tem muita compreensão e compaixão, e assim não há problema, você não sofre e a abraça porque o seu coração é bem grande.

 

Sofremos porque o nosso coração é pequeno. Reclamamos que a outra pessoa deveria mudar para ser aceita por nós. Mas quando o nosso coração é grande, nós não ditamos algumas condições, nós aceitamos as pessoas como elas são, e elas têm uma chance de se transformarem. O segredo é como fazer crescer nossos corações. A prática da compreensão ajuda a energia da compaixão a surgir. Quando a compaixão está presente, deixamos de sofrer. Sofremos porque não temos compaixão suficiente. No momento em que temos muita compaixão não existe mais sofrimento. Encontramos os mesmos tipos de pessoas, encontramos as mesmas situações, mas não sofremos mais porque nosso amor é tão grande.

 

Ajudar o nosso coração a crescer, kshanti paramita, é a capacidade de abraçar todos e tudo, você não exclui ninguém. No amor verdadeiro, você não mais discrimina. Qualquer que seja a cor, a religião ou crenças políticas da pessoa, você aceita todas elas sem qualquer tipo de discriminação. Inclusão aqui significa não discriminar. A prática de kshanti paramita tem sido compreendida como a prática da tolerância. Mas o termo tolerância pode ser enganoso. Quando você tenta tolerar você sofre. Mas quando o seu coração é muito grande, você não parece sofrer de jeito algum. Imagine que você tem uma cesta de sal e você a sacode dentro do rio – o rio não sofre porque o rio é tão grande. As pessoas continuam retirando água para cozinhar e beber, e tudo bem. Portanto, você sofre somente quando o seu coração é pequeno. É por isso que o bodisatva consegue continuar a sorrir. Praticar kshanti paramita, você não tem que suprimir ou tentar fazer um esforço, porque se você estiver suprimindo, tentando suportar aquilo, isto pode ser perigoso. Se o seu coração for pequeno e se você fizer um esforço demasiado, o seu coração pode partir. A prática da inclusão consiste em ajudar o seu coração a se tornar maior e maior e maior, e isto é graças à prática da compreensão e compaixão.

 

Diligência

 

Diligência, a próxima paramita, é virya paramita. Quando estudamos consciência no budismo, compreendemos o significado da diligência em termos de consciência armazenadora, em termos de sementes.  Em nossa consciência armazenadora existem sementes de sofrimento e sementes de felicidade, sementes saudáveis e doentias. A prática da diligência consiste em aguar as sementes saudáveis. Esta é uma prática quádrupla. Em primeiro lugar, organize sua vida de modo que as sementes maléficas não tenham chance alguma de se manifestarem. Isto requer um pouco de organização. Temos que organizar nossa vida, nosso ambiente de tal modo que a semente da violência, a semente da raiva, a semente do desespero dentro de nós não tenham chance alguma de serem aguadas. Existem pessoas entre nós que moram no tipo de ambiente onde as sementes negativas são aguadas todo dia. Isto não é diligência. Temos que organizar, nós temos que decidir, nós temos que usar nosso livre arbítrio para organizar nossa vida, incluindo nossos padrões de consumo. Sabemos muito bem que existe uma semente de desespero, de violência, de medo dentro de nós. Não é saudável que permitamos que ela seja aguada e se manifeste. Se nós vivemos no centro de prática, muitas coisas que ouvimos e vemos nos ajuda a tocar os aspectos saudáveis da nossa consciência. Assim as sementes negativas têm menos chances de crescer. Você pode discutir com os outros como criar o tipo de ambiente, o estilo de vida que lhe ajuda a impedir que estas sementes negativas sejam aguadas e se manifestem.

 

E se por acaso as sementes negativas forem aguadas e se manifestarem o que devemos fazer? Organize para que elas retornem às suas formas de sementes o mais rápido possível. E podemos fazer isto de muitas formas. Suponha que, através da prática da yoniso manaskara, atenção apropriada, nós prestamos atenção a outros objetos da consciência, coisas interessantes, pacíficas e bonitas. Quando estamos em contato com coisas boas, as manifestações doentias retornarão para seus lugares originais enquanto sementes. Entre os métodos prescritos por Buda está o método de mudar o pino. Nos tempos antigos, o carpinteiro usava um pino de madeira para conectar dois blocos de madeira. Ele fazia um buraco e conduzia um pino para dentro do buraco, segurando juntos os dois blocos de madeira. Se o pino se decompuser, você pode mudar o pino conduzindo um novo pino no mesmo buraco, assim você substitui um pino velho por um novo. Esta é uma analogia para a técnica de mudar formações mentais. Quando por acaso a formação mental da raiva é aguada e se manifesta dentro da sua consciência mental, você sofre, e agora você tenta usar outra formação mental para vir e substituí-la. Nos tempos de hoje nós não usaríamos a expressão “mudar o pino”, mas “mudar o CD”. Se o CD que está tocando não for bom, você simplesmente o interrompe e coloca outro CD, porque nós temos muitos CDs para escolher lá embaixo da nossa consciência armazenadora. Então a segunda prática é mudar o CD porque se permitirmos que o CD anterior, ou a formação mental, permaneça por muito tempo, então esta continuará a aguar as coisas negativas e trazer à tona novamente estas coisas. A segunda prática da diligência é organizar para que estas manifestações negativas voltem a ser sementes o mais rapidamente possível.

 

A terceira prática é aguar as sementes que são saudáveis e belas dentro da consciência armazenadora, ajudando-as a ter chance de se manifestar: a semente de compaixão, do amor, a semente da esperança, a semente da bondade amorosa, a semente da alegria; você possui sim estas sementes. Então organize sua vida e pratique de tal modo que estas sementes possam ser aguadas muitas vezes ao dia para que elas se manifestem. Nós podemos fazer isto enquanto pessoa, nós podemos fazer isto enquanto casal, nós podemos fazer isto enquanto sanga, ajudando um ao outro a aguar as sementes benéficas, para que elas possam se manifestar na tela da consciência mental. Quando as sementes benéficas se manifestam, alegria, liberdade e felicidade são possíveis.

 

A quarta prática é manter as sementes positivas manifestas por tanto tempo quanto possível. É como quando você tem visitas agradáveis lhe visitando, você as encoraja a ficar o tanto quanto possível, porque elas lhe trazem muita alegria.  Por isso, mantenha as manifestações positivas o tanto quanto possível. Quanto mais tempo elas ficarem conosco, tanto mais oportunidades nós teremos para que estas sementes se desenvolvam no nível inferior da nossa consciência. Enquanto elas estão se manifestando, elas funcionam como a chuva que água as sementes do mesmo tipo que estão lá embaixo, e estas continuam a crescer e crescer. É como quando você continua a assistir a programas violentos na televisão, a semente da violência continua a crescer dentro de você. Se você continuar a ouvir a palestras do Darma, então as sementes benéficas da compreensão e liberdade dentro de você continuam a serem aguadas. Por isso a diligência deve ser compreendida à luz dos ensinamentos sobre a consciência.

 

Meditação

 

A quinta técnica é meditação, dhyana paramita. Meditação significa gerar a energia da consciência plena e manter concentração. Com consciência plena você pode entrar em contato com os maravilhosos eventos da vida para seu sustento e cura. A concentração lhe ajuda a olhar para tudo profundamente para descobrir a natureza da impermanência, da inexistência do eu, e da interexistência. Existem muitos tipos de concentração, incluindo a concentração da impermanência, a concentração da inexistência do eu, a concentração da vacuidade e concentração da interexistência.

 

 

 

Sabedoria

 

Prajña paramita, atravessando com o barco da sabedoria, é a sexta paramita. Nós cultivamos a consciência plena, nós cultivamos a concentração e a compreensão, e sabedoria é o fruto do nosso cultivo. A sabedoria é o fruto e também é o meio de se alcançar libertação. A libertação é encontrada na outra margem. Mas não é uma questão de tempo, nem uma questão de distância para alcançar a outra margem – é uma questão de insight, de realização. Ao soltar a margem da ignorância, das delusões, do apego, das percepções errôneas, nós já estamos tocando a margem da liberdade, da felicidade. Não é uma questão de tempo.

 

Quando você vive profundamente cada momento com consciência plena e concentração a sua compreensão, o seu insight sempre cresce. É a nossa compreensão que traz compaixão, que nos libera das aflições como o medo, a raiva. Então, uma bodisatva vive a vida dela de tal modo que os seis elementos da prática crescem a cada dia. E da margem do sofrimento, da margem do temor, a bodisatva pode cruzar para a outra margem do bem estar e destemor muito rapidamente. Porque ela tem instrumentos poderosos para fazer isto.

 

Enquanto Sanga, cada um de nós tem a obrigação, tem a alegria de cultivar a consciência plena. E a nossa mente, o nosso corpo, é o jardim. Quando tocamos o chão diante de Buda, diante dos bodisatvas, nós somos encorajados a tocar Buda dentro de nós mesmos, os bodisatvas dentro de nós mesmos. Temos que saber que Avalokiteshvara, o bodisatva da compaixão, não é uma entidade fora de nós. Temos a capacidade de ser compassivos.

 

(Do livro Buddha Mind, Buddha Body: Walking toward Enlightenment, de Thich Nhat Hanh)

(Tradução para o português: Tâm Vân Lang)

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