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Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

A atenção plena na respiração

"A atenção plena na respiração é o grande veículo usado pelos Budas para salvar os seres que estão à deriva e afundando no oceano do sofrimento."

Esta é a frase de abertura de um texto que foi estudado em um curso para professores de Dharma em treinamento no Instituto Europeu de Budismo Aplicado (EIAB) em abril passado. O texto é muito antigo, pertencente ao terceiro século AEC. É o Prefácio do Sutra da Consciência Total da Respiração e foi escrito pelo pai do Zen Budismo Vietnamita, Mestre Tang Hoi. Em nossa época, a atenção plena na respiração está se tornando cada vez mais universal. Não é apenas uma prática budista. Pode ser ensinado a qualquer pessoa e praticado por qualquer pessoa de qualquer caminho espiritual ou nenhum caminho espiritual com um nome.

Você já passou por uma crise sem saber o que fazer? Seu coração pode estar batendo muito rápido. Sua mente pode estar confusa. Você pode estar com muito medo do que vai acontecer. Só há uma coisa que você pode fazer: respirar e concentrar toda a sua atenção na respiração. A princípio, você percebe que sua respiração é irregular, curta e não muito agradável, mas continua consciente disso e ela se torna mais profunda e tranquila e, ao mesmo tempo, sua mente fica mais tranquila.

Quando a respiração consciente continua assim por cerca de vinte minutos, ela o levará para a costa e você não precisa se afogar no oceano de medo, confusão ou desespero. Nós o chamamos de grande veículo porque ele pode transportar qualquer pessoa, em qualquer condição social, até a costa da segurança. Levou empresários, policiais, prisioneiros, adolescentes e políticos, para citar apenas alguns, para a costa da segurança e da calma. No EIAB não há curso em que não nos treinemos na prática da respiração consciente.

Você não precisa esperar por uma crise para praticar a atenção plena na respiração plena. Em sua vida diária, ela pode nutri-lo e curá-lo a qualquer hora que você quiser. Você pode aprender a desfrutar da sua respiração. Quando você se deita na cama sem conseguir dormir, pode refugiar-se na respiração consciente para acalmar e relaxar o corpo e a mente. Você pode desfrutar tanto de sua respiração que não importa mais se consegue dormir ou não.

Digamos que seu filho ou filha adolescente esteja sofrendo ou zangado com você. Você pode sentar-se com ele ou ela e ouvir sem julgar ou reagir? Se você seguir sua respiração, não será tão difícil. Você mantém a respiração durante todo o tempo em que sua filha compartilha o sofrimento dela. Você olha para ela com compaixão e a consciência de que ela está sofrendo, e se você for capaz de sentar-se solidamente e olhar com olhos bondosos, ela sofrerá menos.

É claro que precisamos nos treinar para respirar. Não devemos esperar até que sejamos apanhados por uma emoção forte ou que nosso filho esteja com raiva de nós para praticar a respiração consciente. Hoje, agora mesmo, precisamos aprender a reconhecer uma inspiração ou expiração quando inspiramos e expiramos. Podemos nos treinar para desfrutar a sensação de nossa respiração em nosso corpo. Agora, enquanto você se senta para ler esta página, olhe para cima por um momento longe da página e inspire, sinta seu abdômen subindo, expire e sinta seu abdômen cair. Você voltou para casa, para o seu corpo. Você está em contato com seu corpo.

Todas as manhãs, ao acordar, esteja ciente de sua inspiração e expiração antes de sair da cama. Antes de dormir, preste atenção à sua respiração. Toda vez que você tiver que dirigir para algum lugar, antes de girar a chave na ignição, lembre-se de inspirar e expirar três vezes. Cada vez que você ouvir o telefone, inspire e expire profundamente. Todos esses são momentos de renovação para o seu corpo e mente.

"A percepção errada penetra na mente dos seres vivos como os rios entram no oceano. A mente é como uma pessoa que tem muita fome e, por mais que coma, não fica satisfeita. A mente contém tudo. "

Esta citação vem do segundo parágrafo do Prefácio do Sutra da Consciência Plena da Respiração. Em nossa própria época, com o desenvolvimento da neurociência, as pessoas estão se tornando mais conscientes e mais interessadas em como suas mentes funcionam. Quando começamos a ter consciência de nossa respiração, também nos damos conta de nossa mente. Antes, sempre que algo desagradável começava a acontecer em nossa mente, ligávamos a televisão ou comíamos um pedaço de chocolate, pegávamos um livro ou íamos às compras. Agora não tentamos mais fugir. Reconhecemos aquela sensação desagradável acontecendo em nossa mente e permitimos que nossa respiração ajude a cuidar dela. Sabemos que o sentimento vem de uma percepção e que a percepção é apenas parcialmente correta. Em outras palavras, é uma percepção errada.

Nossa mente consome e sofremos os resultados do que nossa mente consumiu. Isso fica claro no ensinamento dos Quatro Alimentos. O quarto alimento é chamado de “Alimento da Consciência”. O que isto significa? Como podemos comer a consciência? A consciência é o conteúdo da consciência armazenadora - todas as memórias e experiências que foram armazenadas em nossas vidas e nas de nossos ancestrais. Especialmente quando essa é uma experiência ruim, nossa consciência continua trazendo essa experiência à tona, e toda vez que ela surge, nós a consumimos e sofremos.

É como se você tivesse um filme sobre algum acontecimento desagradável de sua vida e continuasse entrando em um quarto escuro para vê-lo. Então agora você diz a si mesmo que este é um filme que você não quer mais assistir. Você quer dar atenção a algo diferente. Se por acaso esse filme é trazido por algo que alguém diz ou faz, ou por algum acontecimento que você vivencia, você diz a si mesmo que se trata apenas de um filme. Você é um adulto agora. Você não está em perigo. Você pode ir até a tela e ver por si mesmo que é apenas um filme. É a sua respiração consciente que permite que você veja claramente assim.

Reconheça que sua mente está sempre querendo consumir. Não pode enfrentar o vazio de não fazer nada. Um dia, quando você permitir que sua mente não faça nada, apenas sente e desfrute, como nos primeiros momentos de um novo dia ao amanhecer, você verá que sua mente também pode parar e se satisfazer com um estado de completo repouso. Esta é uma transformação não só para você, mas para toda a sua linha ancestral, que não soube ficar quieta e não fazer nada. "A mente é muito profunda e maravilhosa. Se formos capazes de encontrar um lugar tranquilo para praticar, de modo que nossa mente possa se acalmar e nossos pensamentos não sejam levados por desejos errados, então seremos capazes de ouvir claramente dez mil palavras e não perderemos uma única. "

Esta citação do terceiro parágrafo do texto mencionado acima mostra o que o meditador experimenta em sua própria mente. Não precisamos de ressonâncias magnéticas para sabermos como nossa mente é maravilhosa. Basta acalmar nossa mente respirando atentamente e sentar-se em silêncio, caminhar pacificamente ou mesmo fazer uma refeição em plena consciência, para poder ver que instrumento flexível e maravilhoso é a mente. No Anguttara Nikaya, o Buda diz: "Há uma coisa, ó monges, além da qual nada pode trazer tanto sofrimento, que é uma mente indomada. Há uma outra coisa além do que nada pode trazer tanta felicidade e essa é uma mente domesticada." Se soubermos como dominar nossa mente, podemos trazer muita felicidade para nós mesmos e para os outros.

Domamos nossa mente ao darmos atenção ao que pode nos nutrir e curar e ao desviarmos nossa atenção daquilo que rega as sementes do desejo, do ódio e da raiva em nós. Precisamos reconhecer quais sementes estão sendo regadas e regar propositalmente o que pode nos nutrir e curar. Portanto, não nos colocamos em um ambiente onde as sementes negativas são facilmente regadas até que tenhamos domesticado nossa mente e ela seja flexível o suficiente para não regarmos essas sementes, mesmo que o ambiente não seja positivo. O melhor é o ambiente da Sangha, e mesmo que não possamos viver em uma Sangha vinte e quatro horas por dia, podemos fundar ou participar de uma Sangha local e encontrar amigos espirituais todas as semanas por algumas horas para respirar e andar conscientemente juntos e compartilhar nossa experiência da prática.

O Budismo Aplicado, que é ensinado no EIAB, trata de manter os antigos ensinamentos de Buda e seus sucessores, os professores ancestrais, atualizados para que possam ser aplicados em todas as esferas da vida na sociedade em que vivemos. A atenção plena na respiração e a domesticação de nossa mente são coisas de que todos precisamos neste tempo para que possamos proteger a nós mesmos e aos outros do dano causado pelo medo e pela raiva.

A atenção plena na respiração abre um novo mundo para o praticante, onde qualquer momento pode ser um momento profundo de alegria e felicidade. Portanto, encontre algo que possa ajudá-lo a voltar a respirar com frequência durante o dia, como o bipe do relógio, a campainha do computador, um avião no alto ou o som de um telefone tocando; e sempre que puder, fique em um centro onde a atenção plena é praticada para que você possa treinar.

(palestra de Dharma da Irmã Annabel, True Virtue, que foi a primeira mulher ocidental a ser ordenada monja por Thich Nhat Hanh. Reimpresso do EIAB Newsleller, agosto de 2014 - traduzido por Leonardo Dobbin)

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