Sangha
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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
BAT NHA: um koan, um convite para se olhar profundamente
Não procure apenas o que você quer ver,
Isso seria fútil.
Não procure coisa alguma,
Mas permita que o insight tenha uma chance de surgir por si mesmo.
Este insight ajudará você a se libertar.
Bat Nha é um mosteiro nas montanhas do Vietnã Central, é uma comunidade de monges e monjas sendo perseguidos pelo governo vietnamita, e é a maior crise do Budismo vietnamita no início do século vinte e um.
Um koan é um dispositivo de meditação, um tipo especial de charada zen. Os koans são resolvidos não com o intelecto, mas com a prática da consciência plena, concentração e insight. Um koan pode ser contemplado e praticado individualmente ou coletivamente, mas enquanto permanecer sem solução, um koan é perturbador. É como uma flecha perfurando nosso corpo, que não conseguimos retirá-la; enquanto ela estiver alojada ali nós não conseguimos nem estar felizes nem em paz. No entanto a flecha do koan não veio realmente do exterior, nem é um infortúnio. Um koan é uma oportunidade de olharmos profundamente e transcendermos nossas preocupações e confusões. Um koan nos força a tratar as grandes questões da vida, questões sobre o nosso futuro, sobre o futuro de nosso país e sobre a nossa própria felicidade genuína.
Um koan não consegue ser resolvido através de argumentações intelectuais, lógica ou razão, nem através de debates, tais como se o que existe é apenas a mente ou a matéria. Um koan só consegue ser resolvido pelo poder da consciência plena correta e concentração correta. Quando penetramos um koan, sentimos uma sensação de alívio, e não temos mais medos ou dúvidas. Compreendemos o nosso caminho e realizamos grande paz.
Se você pensa que Bat Nha só é um problema para 400 monges e monjas no Vietnã, um problema que simplesmente precisa de uma solução ‘sensata e apropriada’, então isto também não é um koan. Bat Nha se torna verdadeiramente um koan somente quando você o compreende como sendo o seu próprio problema, um problema que diz respeito profundamente à sua própria felicidade, ao seu próprio sofrimento, ao seu próprio futuro e futuro do seu país e do seu povo. Se você não consegue solucionar o koan, se você não consegue dormir, comer ou trabalhar em paz, então Bar Nha se tornou o seu koan.
‘Consciência plena’ significa lembrar-se de algo, sustentar aquilo no coração dia e noite. O koan deve permanecer em nossa consciência todo o segundo, todo minuto do dia, nunca nos deixando por um momento sequer. A consciência plena deve ser contínua e interrupta e consciência plena contínua traz concentração. Enquanto come, se veste, urina ou defeca, o praticante precisa se lembrar do koan e contemplá-lo profundamente. O koan está sempre na parte mais importante da sua mente. Quem é o Buda cujo nome nós devemos invocar? Quem o está invocando? Quem sou eu? Você deve descobrir. Enquanto não tiver descoberto, você não realizou um avanço, você não está totalmente desperto, você não compreendeu.
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EU SOU UM MONÁSTICO DA COMUNIDADE DE BAT NHA. Bat Nha é o meu koan e eu tenho a oportunidade de contemplá-lo profundamente em cada momento da minha vida diária. Todo dia eu contemplo o koan de Bat Nha – eu sento com ele em meditação, ando com ele em consciência plena, estou com ele enquanto cozinho, lavo minhas roupas, descasco vegetais ou varro o chão; em cada instante Bat Nha é o meu koan. Devo produzir consciência plena e concentração, porque pra mim isto é uma questão de vida ou morte dos meus ideais e do meu futuro.
Bát Nhã ontem era felicidade. Pela primeira vez em nossas vidas estivemos em um ambiente onde podíamos falar abertamente e partilhar nossos pensamentos e sentimentos profundos com nossos irmãos e irmãs – sem suspeição, sem medo de traição. Tivemos a oportunidade enquanto jovens de servir ao mundo, no espírito de verdadeira irmandade. Esta era a maior das felicidades. Então Bát Nhã se tornou um pesadelo, mas ninguém irá tirar de nós a liberdade interior que descobri lá. Eu encontrei meu caminho. Seja Bát Nha existindo ou não, eu deixei de ter medo.
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EU SOU UM CHEFE DE POLÍCIA NO VIETNÃ. Primeiro, eu acreditava que eram justificadas as ordens de extinguir Bát Nhã dada pelos meus superiores, e que deviam ser pelos interesses de segurança nacional. Eu confiei nos meus superiores. No entanto, enquanto levava a cabo tais ordens, eu via coisas que partiram o meu coração. Bát Nhã se tornou um koan para minha vida. Eu não consigo comer, eu não consigo dormir. Eu me debato na cama a noite inteira. Eu me pergunto: o que essas pessoas fizeram, para que eu devesse tratá-las como reacionárias e ameaçadoras à segurança nacional? Elas parecem ser tão pacíficas, mas eu não tenho paz alguma. Se eu não tenho paz no meu coração, como eu posso manter a paz na minha sociedade?
Os jovens monges e monjas não desrespeitaram lei alguma. De fato, fomos nós quem colaboramos com aqueles que se apoderaram da propriedade deles. Nós os forçamos a sair do local que eles ajudaram a construir, onde eles estiveram vivendo pacificamente por anos. Nós tentamos de tudo para forçá-los a sair, mas eles se mantiveram. Eles pareciam ter tanto amor um pelo outro – pareciam ter algo que os unia. Eles viviam com tanta integridade. Embora eles fossem jovens, nenhum deles foi levado a fumar, abusar de drogas ou sexo vazio. Eles viviam de forma simples, eram veganos, sentavam em meditação, ouviam os sutras, partilhavam uns com os outros e não causavam danos a ninguém. Como podemos dizer que eles são perigosos? Eles nunca disseram ou fizeram coisa alguma contra o governo. Nós não podemos dizer verdadeiramente que eles sejam reacionários ou estejam envolvidos em política. No entanto nós os acusamos disso e os expulsamos: nós os ameaçamos, cortamos a eletricidade e água, por muitos meses fomos lá toda noite molestá-los, exigir documentos de identidade, muitas e muitas vezes; nós fizemos tudo o que podíamos para romper o espírito deles. Mas eles nunca disseram uma palavra injuriosa, eles sempre nos ofereciam chá, cantavam para nós e nos pediram para que tirássemos fotos com eles.
Minhas ordens vieram de cima e eu tive que obedecer; mas eu me sinto profundamente envergonhado. Primeiro eu pensei que aquelas eram apenas medidas temporárias, por algo mais benéfico para o país, pela preservação da unidade nacional. Agora eu sei que toda a operação foi enganosa, cruel e ofensiva à consciência humana. Eu sou forçado a guardar estes pensamentos para mim mesmo. Eu não ouso partilhá-los com os funcionários da minha unidade, quanto mais com os meus superiores. Eu não posso avançar e não posso voltar atrás; eu sou uma peça na engrenagem e não consigo cair fora. O que devo fazer para ser verdadeiro comigo mesmo?
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EU SOU UM MEMBRO DA IGREJA BUDISTA DO VIETNÃ. Bát Nhã me assombra noite e dia. Eu sei que estes jovens monásticos estão praticando o verdadeiro Darma. Todos os que tiveram contato com eles confirmam isso. Então porque nós somos tão impotentes para protegê-los? Por que temos que viver e nos comportar como empregados do governo? Quando irei realizar o meu sonho de praticar religião sem interferência política?
Nós somos irmãos e irmãs, filhos de Buda. Seria porque nossa prática de irmandade não é suficientemente sólida que eles foram capazes de nos dividir, e passamos a nos acusar e odiar uns aos outros? Será que esta animosidade surgiu porque nossa prática ainda está fraca? Será que isto aconteceu porque nosso poder espiritual ainda não é suficientemente grande? Mas nós certamente aprendemos uma lição: se nós pudermos nos aceitar mutuamente e nos reconciliar, ainda poderemos ressuscitar nossa irmandade, inspirar confiança de nossos companheiros cidadãos e sermos modelos exemplares para todos. Embora tenhamos deixado para quando já era tarde demais, a situação ainda pode ser salva. Apenas um momento de despertar já basta para mudar a situação. Se nós da Igreja Budista estivemos sendo acossados ao ponto de trair nossos irmãos e irmãs, isto se deu porque nossa integridade espiritual ainda não está suficientemente forte. Como podemos ser sinceros e determinados o suficiente em nossa prática diária para alcançar a força espiritual que precisamos?
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EU SOU UM MEMBRO DO ALTO ESCALÃO DO GOVERNO COMUNISTA DO VIETNÃ. Bát Nhã e uma oportunidade para eu olhar a verdade profundamente e encontrar paz no meu próprio coração e mente. Se eu não tiver paz, como posso ser feliz? Mas como posso ter paz, quando não acredito realmente no caminho que estou andando, e especialmente quando eu não tenho fé ou confiança naqueles a quem chamo de meus camaradas? Porque não posso partilhar os meus reais pensamentos e sentimentos com aqueles a quem chamo de camaradas? Tenho medo de ser denunciado? De perder a minha posição? Porque todos nós temos que dizer exatamente as mesmas coisas quando nenhum de nós acredita nelas.
Eu apenas sigo os falsos relatórios e casualmente permito as pessoas que estou supervisionando que mintam, enganem e oprimam estas pessoas gentis que nunca causaram qualquer perturbação à sociedade. No final eu me coloco numa posição onde me torno o inimigo daquelas mesmas coisas que um dia apreciei. Os meus verdadeiros inimigos estão realmente fora de mim? Meus inimigos estão dentro de mim. Eu tenho coragem e inteligência suficientes para enfrentar minha própria fraqueza? Esta é a questão fundamental.
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EU SOU UM CHEFE DE ESTADO OU MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Meu país é ou não um membro do Conselho de Segurança ou da Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Eu sei que eventos como Bat Nha, Tam Toa, Praça da Paz Celestial e a incorporação do Tibete são violações sérias dos Direitos Humanos. Mas devido ao interesse nacional, como nosso país quer continuar a fazer negócios com eles, como queremos vender armas, aviões, trens velozes, plantas de poder nuclear e outras tecnologias, como queremos um mercado para os nossos produtos, eu não posso me expressar francamente e tomar decisões verdadeiras que possam gerar pressão naquele país para que eles parem de violar os direitos humanos.
Eu me sinto envergonhado. Minha consciência não está em paz, mas como eu quero o sucesso do meu partido e do meu governo, eu digo a mim mesmo que estas violações não são suficientemente sérias para o meu país tomar uma posição. Parece que eu também estou aprisionado num sistema, num tipo de engrenagem, e eu realmente não consigo ser eu mesmo. Eu não sou capaz de expressar os meus sentimentos reais ou protestar contra a situação. O que tenho que fazer para conseguir a paz que tanto necessito? Bát Nhã, é claro, é um evento no Vietnã, mas se tornou um koan para um líder político de alta categoria como eu. Que caminho eu devo tomar para realmente ser eu mesmo?
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O koan “Bát Nhã” é um koan de todos; é o koan de cada indivíduo e cada comunidade. O koan pode ser praticado por um monástico de Bát Nha, por um monge ou monja estudando em um Instituto Budista no Vietnã, um Venerável na Igreja Budista do Vietnã, um policial, um Chefe de Departamento, um padre católico, um ministro protestante, um membro Politburo, um Presidente do Comitê Popular de uma cidade, um Secretário do Partido Provincial, um membro do Comitê Central, o editor de um jornal ou revista, um líder político internacional ou embaixador. Bát Nhã é uma oportunidade, porque Bát Nhã pode ajudar você a ver claramente o que você não podia – ou não queria – ver antes.
Na tradição Zen, existem retiros de sete, vinte e um e quarenta e nove dias. Durante estes retiros, o praticante investe todo o coração e mente no koan. Cada momento da vida diária deles é também um momento de olhar profundamente: enquanto estão sentando, andando, respirando, comendo, escovando os dentes ou lavando as roupas. Em cada momento a mente está concentrada no koan. O retiro mais popular é o de sete dias. Todo dia o praticante tem a chance de interagir com o mestre Zen na sessão de orientação direta. O mestre Zen oferece orientação para ajudar o praticante a direcionar a concentração deles no caminho correto, abrindo a mente deles e ajudando eles a ver, mostrando-lhes a situação para que a verdade possa se revelar claramente.
Nas sessões de orientação direta a verdade não é transmitida do mestre ao praticante. Os praticantes devem realizar a verdade por eles mesmos. O mestre Zen pode dar orientação por cerca de dez minutos, para abrir a sua mente e salientar coisas, e depois todos retornam aos seus assentos para continuar a contemplar profundamente. Às vezes há centenas de praticantes, todos sentando juntos no salão de meditação, olhando para a parede. Depois de um período de meditação sentada, tem um período de meditação andando. Os praticantes andam vagarosamente, cada um e todos os passos os trazem de volta ao koan. Durante as refeições, os praticantes podem comer sentados em suas almofadas de meditação. Enquanto comem eles contemplam o koan. Urinando e defecando também são oportunidades de olhar profundamente. O Nobre Silêncio é essencial para a investigação meditativa, e é por isso que fora do salão de meditação tem sempre uma tabuleta dizendo “Nobre Silêncio”.
Se você quer ser bem sucedido em sua prática de koans, você deve ser capaz de abrir mão de todo conhecimento intelectual, de todas as noções e de todos os pontos de vista que você atualmente sustenta. Se você estiver aprisionado a uma opinião pessoal, ponto de vista ou ideologia, você não tem liberdade suficiente que permita ao insight do koan romper dentro de sua consciência. Você tem que largar tudo o que encontrou antes, tudo o que você tinha previamente tomado como sendo a verdade. Enquanto acreditar que já detém a verdade nas mãos, a porta para sua mente está fechada. Mesmo que a verdade chegue batendo, você não será capaz de recebê-la. Conhecimento atual é um obstáculo. Budismo requer liberdade. Liberdade de pensamento é a condição básica para o progresso. Este é o verdadeiro espírito da ciência. É precisamente neste espaço de liberdade que a flor da sabedoria pode desabrochar.
Na tradição Zen, comunidade é um elemento muito positivo. Quando centenas de praticantes estão juntos olhando silenciosamente e profundamente, a energia coletiva de consciência plena e concentração é muito poderosa. Esta energia coletiva nutre sua concentração a cada minuto e cada segundo, dando-lhe a oportunidade de avançar na sua prática do koan. Este tipo de ambiente é muito diferente do de uma conferência, discussão ou reunião. A firme disciplina de sua prática de meditação, o ambiente favorável para concentração, assim como a orientação do mestre Zen e apoio silencioso dos companheiros praticantes, tudo lhe proporciona muitas oportunidades de sucesso.
As sugestões dadas acima podem ser vistas como orientações diretas para ajudar vocês na prática da contemplação profunda. Vocês devem compreender as palavras como um instrumento, não como a verdade. Elas são a jangada que pode lhe levar para outra margem; elas não são a própria margem. Uma vez que vocês tenham alcançado a outra margem, devem abandonar a jangada. Se tiverem êxito na contemplação profunda, vocês terão liberdade, serão capazes de ver seu caminho. Então vocês podem simplesmente queimar estas palavras, ou jogá-las fora.
Eu desejo a todos vocês sucesso no trabalho de contemplar profundamente o koan de Bát Nhã.
(Thich Nhat Hanh – Publicado na revista Mindfulness Bell n.54)
(Traduzido por Maria Goreti)
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