Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

O Caminho do Meio

 

O Caminho do Meio significa não ser pego em pares de opostos como “existe” ou “não existe”. O Caminho do Meio poderia ser erroneamente interpretado como se significasse que “existe” e “não existe” são ambos possíveis, e que o caminho do meio está entre eles. Mas, na verdade, significa que “existe” e “não existe” são ambos idéias que precisamos ultrapassar, ir além. Nosso insight da Visão Correta é baseado nas nossas observações da existência condicionada.

 

Eu ouvi estas palavras do Buda uma vez quando ele estava ficando em uma hospedaria em uma floresta no distrito de Nala. Naquele tempo, o Venerável mKaccayana veio visitá-lo e perguntou, “O Tathagata tem falado sobre a Visão Correta. Como o Tathagata descreveria a Visão Correta? (Sutra do Caminho do Meio)

 

O Venerável Kaccayana era um monge sênior na Sangha do Buda. Sua pergunta é sobre a Visão Correta e o Buda responde falando sobre o Caminho do Meio. O Caminho do Meio evita visões extremadas e pensamento dualístico. Como temos visões errôneas, temos percepções erradas. Percepções erradas são a base de todas as aflições: medo, raiva, discriminação, desespero. Todos esses tipos de aflição nascem das percepções errôneas. Olhar profundamente para as percepções errôneas, ideias e noções que estão na base de todo sofrimento, é a prática mais importante na meditação budista.

 

Nossa felicidade e sofrimento e a felicidade daqueles à nossa volta dependem do grau de Visão Correta. Mas Visão Correta não é uma ideologia, um sistema ou mesmo um caminho. Não pode ser descrita; podemos apenas apontar na direção correta. Mesmo um mestre não pode transmitir a Visão Correta. Um mestre pode nos ajudar a identificar a semente de Visão Correta que já está presente no nosso jardim e nos ajudar a ganhar confiança e nos mostrar a prática e confiar essa semente ao solo da nossa vida diária.

 

A consciência armazenadora é o lugar onde todas as nossas experiências podem ser encontradas. É como um disco rígido em um computador. Tudo o que já ouvimos e vimos, cada experiência da nossa vida foi armazenada lá. A consciência mental – nossa mente consciente – representa o papel do jardineiro. Cultivamos o solo com nossa paciência diária da plena atenção, ajudando a semente da Visão Correta a se manisfestar e crescer.

 

Portanto a consciência mental é o jardineiro, cultivando o solo e nutrindo a semente da Visão Correta com nossa prática diária de plena atenção. A meditação budista é uma tentativa de integrar a consciência mental a cada momento da vida diária de forma que estejamos conscientes do que está acontecendo dentro de nós e ao nosso redor, de forma que possamos ser verdadeiramente nós mesmos. Caso contrário, estaremos no piloto automático e não estaremos realmente vivendo nossas vidas.

 

O Caminho do Meio não é capturado em pares de opostos, tais como ser e não-ser, indo e vindo, nascimento e morte, igual e diferente, existente e não-existente. Estas são ideias que precisamos ultrapassar. Shakespeare disse, “Ser ou não ser, eis a questão”. Mas no budismo, vamos além da ideia de ser e não-ser. Como temos visões errôneas, temos percepções erroneas e, devido a essas percepções errôneas, pensamos que este mundo seja real ou que este mundo não seja real.

 

A frase “visão errônea” não é em si mesma acurada. Falando relativamente, há visões corretas e visões erradas. Mas se olharmos mais profundamente, veremos que todas as visões são erradas. Nenhuma visão pode jamais ser correta. É apenas a visão de um ponto, e é por isso que é chamado de “ponto de vista”. Se formos para outro ponto, veremos as coisas de modo diferente e perceberemos que nossa visão não estava inteiramente correta. Budismo não é uma coleção de visões. É uma prática que nos ajuda a eliminar as visões erradas. A qualidade de nossas visões pode sempre ser melhorada. Do ponto de vista da dimensão última, Visão Correta é a ausência de visões.

 

Na base de nossas visões estão nossas percepções. A parte superior do caracter chinês para percepção significa “marca”, “sinal” ou “aparência” e a parte inferior significa “mente” ou “espírito”. Uma percepção é sempre uma “marca” e em muitos casos uma marca ilusória. O Buda nos alertou para não sermos enganados pelo que percebemos.

 

No Sutra do Diamante, o Buda disse ao monge Subhuti: “Em um lugar onde há algo que pode ser distinguido por sinais, neste lugar há uma decepção.” O Buda ensinou em muitas ocasiões que a maioria de nossas percepções são errôneas e que a maioria de nosso sofrimento vem das percepções errôneas. Temos que perguntar repetidamente para nós mesmos, “Eu tenho certeza?” Até vermos claramente, nossas percepções errôneas evitarão que alcancemos a Visão Correta.

 

Perceber sempre significa perceber alguma coisa. Acreditamos que o objeto de nossa percepção esteja separado do sujeito, mas isso não é correto. Quando percebemos a montanha, a montanha é o objeto de nossa percepção. Quando percebemos a lua, a lua é o objeto de nossa percepção. Quando dizemos: “Eu posso ver minha consciência na flor”, significa que podemos ver a nuvem, o brilho do sol, a terra e os minerais nela. Mas como podemos ver nossa consciência numa flor?

 

A flor é a nossa consciência. Perceber significa a vinda à existência do que percebe e do que é percebido. A flor que estamos vendo é parte de nossa consciência. A ideia que nossa consciencia está fora da flor é ilusão. É impossível ter um sujeiro sem um objeto. É impossível remover um e manter o outro.

 

(Do livro “Beyond the self” – Thich Nhat Hanh)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

Comente esse texto em http://sangavirtual.blogspot.com

 

Caso queira obter esse texto em formato PDF clique aqui