Sangha
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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Os Cinco Poderes Espirituais (parte 3)
O que a maioria das pessoas chama poder, os budistas chamam desejos. Os cinco desejos são a riqueza, fama, sexo, comida refinada, e muito sono. No Budismo, nós falamos dos cinco verdadeiros poderes, cinco tipos de energia. Os cinco poderes são fé, diligência, plena consciência, concentração e insight. Os cinco poderes são a fundação da real felicidade; eles estão baseados em práticas concretas que nós aprenderemos. Nesse texto vamos estudar o último poder.
O poder do Insight
Insight, o quinto poder, é uma espada que sem dor corta todos os tipos de sofrimento, inclusive o medo, o desespero, a raiva, e a discriminação. Se você estiver usando seus poderes de concentração, o insight lhe permite ver no que você está concentrando completamente. Concentração em impermanência e não eu conduz ao insight de impermanência e não eu.
Impermanência não é uma idéia, não uma noção, mas um insight. Muitos de nós tentamos nos agarrar a alguma noção de estabilidade ou permanência desesperadamente. Ficamos ansiosos quando ouvirmos o ensinamento da impermanência. Mas impermanência não é apenas negativa; impermanência pode ser muito positiva. Tudo é impermanente, inclusive a injustiça, a pobreza, a poluição e o efeito estufa. Em nossas vidas, há mal entendidos, há violência, há conflito, há desespero, mas estas coisas também são impermanentes, e porque são impermanentes é que podem ser transformadas se nós tivermos insight em como viver no momento presente.
Porém, às vezes nos esquecemos da impermanência. Embora intelectualmente percebamos que tudo é impermanente, nos esquecemos naquele dia que nossos familiares adoecerão e morrerão. Não nos lembramos que nós mesmos temos que morrer algum dia. Temos uma tendência a pensar que sempre viveremos. E mesmo que não tenhamos o insight, precisamos viver lindamente e realmente apreciando nossos familiares. Para muitos de nós, a dor intensa que sentimos com a morte de um ente querido não é totalmente porque sentimos a falta dele. Ela existe em maior parte porque lamentamos que, enquanto nosso amado estava vivo, não tivemos tempo para ele, não cuidamos dele de todo coração. Nós podemos tê-lo tratado indelicadamente. E agora que nosso amado se foi, nos sentimos culpados. Se nós tivermos o insight da impermanência, saberemos que nosso amado morrerá um dia e que temos que fazer tudo que pudermos para fazê-lo feliz hoje. Não espere por amanhã. Amanhã pode ser muito tarde. Se nós soubermos viver de acordo com o insight da impermanência, não cometeremos muitos erros. Nós poderemos ficar felizes agora mesmo. Nós poderemos amar nossos entes queridos, cuidar deles e fazê-los felizes hoje. E não correremos para o futuro, perdendo nossa vida que só está disponível no momento presente.
Quando o Buda falou sobre impermanência, ele estava falando de insight. Ele não estava sendo pessimista, mas só nos lembrando que a vida é preciosa, que temos que entesourar todo momento de vida. Concentrando deste modo na impermanência, nos trará o insight da impermanência. Com este tipo de insight, não nos permitimos levar pelo desespero, raiva, ou negatividade, porque nosso insight nos diz exatamente o que fazer e o que não fazer para mudar a situação. Com impermanência, tudo é possível.
Sem insight, nós pensamos em poder como algo que ganhamos para nós mesmos e para nós mesmos sozinhos. Mas outro insight que nós podemos cultivar é o insight de não-eu. Não-eu não quer dizer que você não existe, significa você não é uma entidade completamente separada. Muito do nosso sofrimento nasce da discriminação entre eu e o outro e nossa noção de um eu separado.
Suponha que você seja um pai. Olhando seu filho, você verá que ele é sua continuação. Da mesma maneira que uma planta de milho é a continuação de um núcleo de milho, a criança é uma continuação do pai. O pai está lá em toda célula do filho. Pai e filho não são exatamente uma pessoa, mas eles não são exatamente duas pessoas diferentes. Se o pai pode ver isto, ele toca a natureza do não-eu. Se o filho sofre, o pai sofre, e vice-versa. Ficar bravo com seu filho é ficar bravo com você mesmo. Ficar bravo com seu pai é ficar bravo com você mesmo. Isto é muito claro. Quando você puder tocar sua natureza de não-eu, quando já não vir uma distinção entre você e seu filho, sua raiva desaparecerá. Quando você estiver em uma luta de poder, se você souber meditar no não-eu, saberá o que fazer. Você pode parar seu próprio sofrimento e o sofrimento das outras pessoas que estão na luta. Você sabe que a raiva dele é sua raiva, o sofrimento dele é o seu sofrimento, e a felicidade dele é a sua felicidade.
Quando meu braço esquerdo dói por causa do reumatismo, eu tento tomar conta dele: eu faço massagem nele e tudo o mais para trazer alívio a meu braço esquerdo. Eu não fico bravo com meu braço esquerdo. Quando tenho um estudante que sofre, que está em dificuldade, tento praticar assim. Eu não fico bravo com ele. Tento tomar conta dele como se tomasse conta de meu próprio braço; porque ficando bravo com meu estudante estaria ficando bravo comigo e não ajudaria a situação. Mas nós só podemos agir com este tipo de sabedoria depois que alcançarmos o insight de não-eu.
No Budismo há um tipo de sabedoria chamado a sabedoria da não discriminação. Não discriminação é um elemento do verdadeiro amor. Eu sou destro, assim eu faço a maioria das coisas com minha mão direita: escovo meus dentes, convido o sino a soar, escrevo caligrafia. Eu escrevi todos os meus poemas com a minha mão direita. Mas a minha mão direita nunca está orgulhosa de si mesma. Nunca diz, “Mão esquerda, você não é boa para nada! Eu tenho que fazer tudo sozinha." E minha mão esquerda não tem um complexo de inferioridade. Nunca sofre, é maravilhoso. A mão direita e a mão esquerda sempre estão em paz entre si. Elas colaboram de um modo perfeito. Esta é a sabedoria do não-eu que está viva em nós.
Um dia eu estava martelando um prego na parede para pendurar um quadro. Eu não estava muito hábil, e em vez de bater no prego, bati no meu dedo. Imediatamente, minha mão direita largou o martelo e tomou conta de minha mão esquerda. A minha mão direita nunca disse: "Mão esquerda, você sabe, eu estou tomando conta de você. Você deveria se lembrar disso." E minha mão esquerda não disse: "Mão direita, você me fez sofrer. Eu quero justiça, me dê aquele martelo!" Minha mão esquerda nunca pensa assim. Assim a sabedoria de não discriminação está lá em nós. E se nós fizermos uso disto, haverá paz em nossa família, em nossa comunidade.
Se os hindus e muçulmanos da Índia usassem a sua sabedoria de não discriminação, haveria paz. Se os israelitas e palestinos perceberem a sabedoria de não discriminação, não haverá mais guerra. Se os americanos e iraquianos vissem que são irmãos e irmãs, duas mãos do mesmo corpo, eles não continuariam se matando uns aos outros. Todos nós precisamos cultivar este tipo de sabedoria. Com este insight, podemos nos desfazer do nosso próprio medo, sofrimento, separação, e solidão, e podemos ajudar os outros a fazerem o mesmo.
Insight vem do entendimento. Podem já haver elementos de entendimento em nós, mas se não tivermos tempo para estarmos atentos e concentrados, o insight não se manifestará em nós. Precisamos criar o tipo de ambiente onde a plena consciência e a concentração fiquem fáceis. É como preparar a terra de forma que a flor que plantamos possa brotar. Insight é o tipo de entendimento que se obtém depois que você está atento. Se você se permitir se perder em lamentações sobre o passado e preocupações sobre o futuro, é difícil o insight crescer e será mais difícil de saber qual a ação certa para tomar no presente.
É por causa da ignorância que nós sofremos. Quando começarmos a tocar o insight, estaremos profundamente em contato com realidade e não há mais qualquer medo. Há compaixão. Há aceitação. Há tolerância. É por isto que nós falamos sobre insight como um tipo de super-poder. Se você tomar algum tempo para olhar para realidade usando os insights de impermanência e não-eu, terá um progresso que o liberará de seu sofrimento e suas dificuldades. Todos os primeiros quatro poderes conduzem a este quinto super-poder. E com o insight vem uma tremenda fonte de felicidade.
(Traduzido Do livro The art of power – Thich Nhat Hanh)
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