Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Como amar e entender seus ancestrais se você não os conhece?

 

Pergunta: Querido Thay, temos duas perguntas sobre como compreender os antepassados que nós nunca conhecemos. Elas estão expressas na seguinte questão: Como posso curar o sofrimento dos meus antepassados quando não sei o que eles sofreram? Como podemos lidar com os antepassados no caso de sermos órfãos que cresceram sem ter qualquer contacto com a família de sangue?

 

Thay: Eu penso que estas duas questões estão interligadas. Nós não compreendemos o sofrimento dos nossos antepassados. Como podemos ajudar se nunca conhecemos fisicamente o nosso pai, a nossa mãe? Não temos nenhuma conexão com eles. Como podemos amá-los e compreendê-los?

 

Há pessoas que ainda têm o seu pai vivo, a sua mãe viva e, no entanto, não conseguem se conectar com eles. Não conseguem falar com eles, não conseguem se comunicar com eles. Há aqueles que perderam o pai, a mãe, que não souberam quem era o seu pai, quem era a sua mãe. Não há hipóteses de se conectarem porque eles já não estão entre nós.

 

Como podemos conectar com eles? Como podemos compreender o seu sofrimento, a sua alegria? Como podemos criar raízes com os nossos antepassados? Porque uma pessoa sem raízes não pode ser uma pessoa feliz. Então as duas questões estão relacionadas uma com a outra. Através da prática da meditação da observação profunda, nós podemos nos conectar com o nosso pai, com a nossa mãe, mesmo que eles já não estejam aqui, mesmo que eles se recusem a nos ver.

 

Nós temos um monástico aqui, na nossa comunidade, cujo pai ainda é vivo mas se recusa a vê-la. Ele tem uma posição elevada na sociedade. mas ele quer esquecer, negar inteiramente o passado. Ela escreveu-lhe. "Pai, sou a sua filha. Quero te conhecer, me conectar com você, Falar com você e me sentar perto de você." Ele recusou.

 

Há aqueles de nós que são órfãos, que não tiveram a oportunidade de ver o seu pai, que não sabem verdadeiramente quem é o seu pai, quem é a sua mãe. Mas com esta prática podemos nos conectar porque olhando para o seu corpo, os seus sentimentos, o seu sofrimento, você vê o corpo, o sofrimento as esperanças dos seus pais. Porque o fato é que você é a continuação do seu pai, da sua mãe tal como uma planta de milho é a continuação da semente do milho.

 

Apesar da planta de milho não ver a semente, ela sabe que é a continuação da semente de milho. Ela sabe que em todas as células da planta existe a semente de milho. Alguém que pratica plena consciência, meditação, pode tocar no seu pai, na sua mãe, muito mais profundamente do que aqueles que ainda têm os seus pais vivos e não podem falar com eles. Eles têm a impressão que sabem quem é o seu pai, que sabem quem é a sua mãe, mas de fato, não sabem nada. A conexão é impossível mesmo quando o pai ainda é vivo, a mãe ainda é viva.

 

A resposta é que se você praticar a observação profunda, pode ver o seu pai em você, a sua mãe em você. Você se parece muito com o seu pai. Você sente muito como o seu pai. Nós somos feitos de forma, sentimentos, percepções e o seu pai te transmitiu muito desta forma, de seus sentimentos e de suas percepções. Então você pode se sentir conectado de imediato. Você é a continuação do seu pai. Você é o seu pai.

 

Lembro que há muitos anos, ao caminhar nas ruas de Londres, vi em uma vitrine de uma livraria um livro com o título: "Minha mãe, eu mesma". Não comprei o livro porque tive a impressão de que sabia o que dizia o livro. Nós somos a continuação da nossa mãe, nós somos a nossa mãe, A conexão existe sempre. Só temos que ter essa consciência.

 

Por isso você pode começar a falar com o seu pai em você. "Pai, eu sei que você está aí. Estou cheio de você dentro do meu corpo. Você teve sofrimentos, teve dificuldades que se transmitiram para mim. Agora eu encontrei o Dharma e nós vamos praticar juntos e transformar as coisas negativas em nós e desenvolveremos as coisas maravilhosas em nós que você me transmitiu.”

 

“Talvez durante o seu tempo de vida você não tenha tido a oportunidade de desenvolver qualidades positivas e maravilhosas. Mas elas ainda estão aí e me foram transmitidas. Agora com o Dharma, com a Sangha. nós vamos praticar juntos, e fazê-las manifestar. Nós vamos respirar juntos, andar juntos, sentar juntos e assim teremos a paz, a cura a transformação, a alegria de que precisamos." Assim você pode falar com o seu pai, com a sua mãe, mesmo que você nunca tenha estado fisicamente com eles.

 

Acontece o mesmo com os nossos antepassados espirituais. Você não viu Jesus pessoalmente. Nunca conheceu o Buda pessoalmente. Mas recebeu os seus ensinamentos. Você colocou em prática os seus ensinamentos. Você tem o corpo do Dharma em si. Então Jesus ainda vive em cada célula do teu corpo. Buda está vivo em cada célula do teu corpo.

 

Você pode falar com eles. "Jesus, eu sei que você está aí, em mim." Você não tem que ir procurar Jesus em lugar nenhum. Ele é o seu antepassado e você é a sua continuação. Você devia saber andar como ele, partir o pão como ele e servir o vinho como ele, em plena consciência.

 

A caminho de Emaús, três viajantes não reconheceram Jesus. Mas quando chegaram ao albergue, e a outra pessoa pediu o jantar, ele partiu o pão e serviu o vinho. Ao olhar para ele reconheceram que Jesus não estava morto. ainda estava vivo. Então se você sabe comer o seu pão em plena consciência, desfrutando de cada pedaço nas suas mãos, poderá tocar no corpo de Jesus. Essa é a essência da Eucaristia.

 

Jesus está disponível para você 24h por dia se você sabe andar como ele. sentar-se como ele, respirar como ele, partir o pão como ele. Então, estará com ele todo o tempo. Essa é a conexão mais forte. Isso se aplica aos seus antepassados de sangue antepassados biológicos. e aos seus antepassados espirituais também.

 

Eu nunca me queixei de ter nascido um pouco tarde demais, 2500 anos depois de Buda. Eu nunca me queixei dessa maneira. Porque eu sei que Buda está disponível no aqui e no agora. O seu pai também, a sua mãe também. É esse o insight que você ganha quando pratica a concentração e a plena consciência.

 

(Palestra de Dharma de Thich Nhat Hanh em 21 de junho de 2014 – transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/j5F0gydFnY8) 

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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