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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Como lidar com a raiva quando não temos estabilidade

 

Pergunta: Caro Thay, nossa amiga perguntou sobre situações em que há raiva. Ela já ouviu Thay dizer que quando estamos confrontando ou enfrentando alguém que está muito zangado, a resposta para nós é praticar. Mas o que fazer quando ela não sente que tem estabilidade suficiente para realmente enfrentar isso Se há muito mal-entendido, muitas percepções erradas e ela mesma sente ressentimento e raiva na situação em relação à outra pessoa. Ela pediu para a outra pessoa escrever algo sobre isso para tentar trazer mais calma, olhar junto mas não deu certo. Ela se sente levada ao limite e incapaz de praticar com sucesso com o grau de raiva que existe. Há uma espécie de situação de conflito em curso. Como ela pode lidar com isso?

 

Thay: Em qualquer tipo de relacionamento, quando sofremos, temos a tendência de pensar que esse sofrimento nos foi trazido pela outra pessoa. A tendência é culpá-la por nosso sofrimento. Esperamos que a outra pessoa mude para que a gente não sofra mais. Mas, na verdade, não ajudamos a outra pessoa a mudar. Esperamos que ela mude, mas não conseguimos ajudá-la a mudar porque não mudamos a nós mesmos. Se você puder efetuar a mudança interior, poderá ajudar o outro a mudar. Sentar lá e esperar que ela mude, isso não é muito realista. Temos que mudar por nós mesmos.

 

Você não deve esperar até que a situação se torne difícil para tentar fazer alguma coisa. Praticar assim é muito difícil. Há momentos em que você está um pouco mais tranquilo. Você tem que aproveitar esses movimentos para praticar, para se preparar, para mudar a si mesmo. O que devemos lembrar é que não posso ajudá-la se não mudar a mim mesmo. Esta é a primeira coisa a lembrar.

 

A maneira de mudar é entrar em contato com nosso próprio sofrimento. Não tenha medo de voltar ao seu sofrimento. Não tente encobrir seu sofrimento com entretenimento. Você deveria ter a coragem de voltar para casa, para o seu sofrimento e abraçá-lo, reconhecê-lo e olhar profundamente para ele. Você deve tentar entender seu próprio sofrimento.

 

Compreender o seu próprio sofrimento. é o início da prática budista. A Primeira Nobre Verdade, a Segunda Nobre Verdade Sofrimento e compreensão do sofrimento. Desse tipo de compreensão surge a compaixão. em nós mesmos, para nós mesmos. Você sabe como ser compassivo consigo mesmo e obtém um alívio. Se você entender seu próprio sofrimento, poderá entender melhor o sofrimento dela. Se você não entende seu sofrimento, não pode entender o sofrimento dela. Então o primeiro passo é entender o seu sofrimento e o segundo passo é entender o dela. Entendemos por que essa pessoa continua se comportando assim. Entendemos por que essa pessoa continua fazendo coisas assim.

 

Como há muito sofrimento nela, ela não é capaz de lidar com esse sofrimento. Ela é vítima de seu próprio sofrimento e você se torna a segunda vítima. Quando você olha para ela e vê o sofrimento do qual ela se tornou vítima, seu coração se abre, e você não fica com raiva, você não responde mais com raiva. Você vê que ela é uma vítima, e você se motiva por fazer algo, ou dizer algo que possa ajudá-la a sofrer menos. A compaixão nasce em seu coração e agora você é capaz de dizer algo bom para ela que você não conseguiu dizer antes.

 

Lembro-me de um retiro no norte da Alemanha. Ofereci uma prática para as pessoas no quinto dia do retiro, a prática de usar a fala amorosa para reconciliar-se com a outra pessoa. Estávamos no quinto dia do retiro e muitas sementes de compaixão e compreensão foram regadas durante os primeiros cinco dias. Eles fizeram meditação andando, meditação sentada, ouviram palestras de Dharma compartilhamento do Dharma, cujo único propósito é voltar e regar as boas sementes em nós, a semente do insight, a semente da compreensão, a semente da compaixão.

 

É por isso que no quinto dia foi pedido a todos que colocassem em prática a fala amorosa para se reconectar com outra pessoa. Se a outra pessoa estava no retiro era mais fácil porque ela também foi exposta à rega das raízes das boas sementes. Mas se a outra pessoa não estava lá, podiam usar um telefone celular para praticar. Você tinha até meia-noite para terminar sua prática. Isso aconteceu na noite do quinto dia do retiro.

 

Na manhã seguinte, após a meditação sentada, quatro cavalheiros foram para Thay, praticantes alemães. Todos relataram que na noite anterior usaram o telefone para praticar a fala amorosa. Todos eles foram capazes de se reconciliar com seus pais. O que os surpreendeu é que eles conseguiram falar usando uma linguagem amorosa. Antes do retiro, eles não podiam acreditar que podiam falar com seus pais dessa maneira. No entanto, após cinco dias de prática, seu coração ficou sensível. A visão deles sobre o sofrimento era clara. Eles podiam ver o sofrimento de seus pais. É por isso que eles foram capazes de usar a linguagem amorosa. Ao falar assim, a porta do coração da outra pessoa está aberta.

 

Eles puderam conversar e se reconciliaram por telefone. Esses senhores relataram que depois disso, iriam visitar seus pais. Sabemos que muitos de nós são tímidos. Mesmo que tenhamos sucesso em nossa prática, não viemos relatar. Mas muitos casais conseguiram se reconciliar porque estão usando um discurso amoroso. Isso acontece sempre em nossos retiros, um pouco por toda parte, na Coréia do Sul, na China, em Hong Kong, no Japão, em Macau, no Vietnã. Após cinco dias de prática a semente da compaixão e compreensão em você é regada o suficiente. e você se descobre capaz de usar uma linguagem amorosa.

 

Eles diziam algo assim "Sei que nos últimos cinco anos ou três anos, você sofreu muito. Eu vi mas não pude ajudá-lo, pai. Na verdade, eu respondi com violência, com irritação. não te ajudei e piorei a situação. Sinto muito porque não entendi o seu sofrimento. Agora vejo o seu sofrimento, e começo a entender, mas preciso que você me ajude mais. Preciso que me conte mais sobre o seu sofrimento, suas dificuldades, para que eu não reaja como no passado. Ajude-me, pai."

 

Falar assim abre a porta do coração da outra pessoa. Cinco dias de retiro já podem trazer esse tipo de milagre. A comunicação é possível novamente, e você pode fazer as coisas que não podia fazer no passado antes da prática. Se precisarmos, podemos ir a um retiro. Nos permitimos o espaço de cinco dias ou algo assim para fazer meditação andando, meditação sentada e olhar profundamente para o nosso sofrimento e o sofrimento da outra pessoa. Depois disso, podemos sentar e escrever uma carta dizendo que lamentamos ter respondido com irritação. Não entendíamos seu sofrimento.

 

Tenho certeza de que depois de ter escrito essa carta você já se sente melhor, mesmo que a outra pessoa não tenha lido a carta. Isso é trabalhar consigo mesmo. Quando você se sente mais leve, mais livre, mais compassivo, então você tem a capacidade de ajudá-la a mudar, mas não antes. Não peça para ela escrever uma carta, você escreve uma carta sozinho. Se sua carta for cheia de compreensão e compaixão, isso abrirá o coração dela e ela poderá fazer o mesmo. Funciona para muitas pessoas.

 

(Palestra de Dharma de Thich Nhat Hanh em 18 de julho de 2010 – transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/Z4h5l_MQRf0)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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