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Como ouvir o chamado da Mãe Terra - Nobre Silêncio

 

A condição básica para vocês ouvirem o chamado da Mãe Terra e responderem a ela é o silêncio. Se você não tem silêncio em si mesmo, se sua mente, seu corpo, estão cheios de ruídos e você não consegue ouvir o chamado dela. Há uma rádio tocando na sua cabeça: a rádio "Pensamento que não para". Você está cheio de ruídos em seu coração, em sua mente, e é por isso que não consegue ouvir o chamado da Mãe Terra, o chamado da vida, o chamado do amor. Seu coração está te chamando, mas você não ouve. Você não tem tempo para ouvir seu coração.

 

Com a prática da atenção plena, você será capaz de interromper os ruídos dentro de você, e isso é bastante fácil. Uma pessoa que não pratica pode ser distraída por muitas coisas. Ela pode ser distraída pelo passado, pelo arrependimento, pela tristeza em relação ao passado. Ela quer sempre voltar ao passado, para sofrer repetidamente, o sofrimento do passado. Ela está capturada na prisão do passado. Qualquer pessoa que é ansiosa, cheia de medo do futuro, é distraída pelo futuro. A ansiedade, o medo, a incerteza, impedem-na de estar presente para ouvir o chamado da Mãe Terra. Então o futuro se torna uma espécie de prisão.

 

E mesmo no momento presente você está distraído. Você sente que está vazio. Você tem uma sensação de vácuo, de vazio em si mesmo. Você anseia por algo, espera algo, espera que algo chegue para tornar sua vida um pouco mais emocionante. Você espera que algo surja para mudar a situação, porque a situação do momento presente é muito chata para você. Nada de especial, nada de interessante, mas na verdade, se você estiver realmente presente, tendo a capacidade de ouvir e de olhar, verá que a vida é cheia de maravilhas. Não é nada chato e você pode aproveitar tudo, cada momento da vida.

 

Então o praticante, toda vez que ouve o som do sino, para. Ouve o sino de atenção plena e segue sua inspiração: “Inspirando, eu sei que estou inspirando”. Ele concentra toda a sua atenção na inspiração e inspira conscientemente. Enquanto inspira conscientemente, trazendo a atenção apenas para a inspiração, ela libera tudo: o passado, o futuro, o desejo. Ele interrompe o pensamento e pode desfrutar da inspiração. Em dois ou três segundos pode despertar para o fato de que está vivo, está inspirando, está presente, ele existe.

 

O praticante toca as maravilhas da vida: “Ah, estou aqui, ó vida”. Então parando de pensar no passado, no futuro, nos projetos, parando de ansiar por algo, concentra sua atenção na respiração. Ele gosta do fato de estar respirando, de estar vivo, e então os ruídos internos simplesmente desaparecem, e surge o vazio, o vazio do som. Muito poderoso, muito elegante,

 

Ele pode responder à Mãe Terra: “Mãe, estou aqui, sou livre e pode contar comigo”. “Estou aqui”. O que significa isso? Significa: eu existo, não sou inexistente, estou realmente aqui, porque não estou perdido no passado, no futuro, no meu pensamento, nos ruídos internos e externos. Eu estou aqui. Graças à prática da respiração consciente, ele se liberta de todos os tipos de tendências e ruídos e, de repente, sente-se livre para ser.

 

Para ser, você tem que ser livre. Livre de quê? Livre dos pensamentos, livre das ansiedades, livre do medo, livre da saudade. Assim você pode ouvir o chamado da Mãe Terra e dizer: "Mãe, estou aqui. Como filho seu, como parte da maravilha, estou livre. Estou livre de todas essas coisas que me impedem de ser e me divertir e aproveitar o mundo." "Eu estou livre" é uma afirmação forte, porque muitos de nós não somos livres. Não temos a liberdade que nos permite ouvir e ver.

 

Em Plum Village falamos e praticamos um tipo de silêncio chamado Nobre Silêncio. A prática é fácil porque se tivermos o silêncio, o Nobre Silêncio, em nós somos livres, somos livres para ouvir o chamado mais profundo do nosso coração.

 

Acabamos de terminar um retiro maravilhoso. Lembro-me que naquele dia em Upper Hamlet quando almoçamos juntos ao ar livre, sentados na grama. Sentamo-nos em círculos. Um pequeno círculo, e depois outro círculo, outro círculo. Todos foram, serviram, vieram e sentaram e não falaram nada, praticamos o silêncio. Ninguém estava falando.

 

Thay foi o primeiro que se sentou, no círculo interno, e praticou a respiração consciente para estabelecer silêncio nele e ouviu os pássaros através do vento e apreciou a beleza da primavera em Upper Hamlet. Ele não estava esperando, não estava exatamente esperando que outros viessem e se sentassem para começar a comer. Ele não perdeu tempo esperando. Ele ficou sentado por cerca de 20 minutos ou mais e enquanto outras pessoas se serviam e se juntavam a ele e sentavam. Houve silêncio. Ninguém estava falando.

 

Mas esse silêncio não é profundo o suficiente porque pode haver pensamentos acontecendo enquanto você serve, enquanto você anda, segura seu prato e depois anda. Thay estava sentado lá, e o silêncio que ele observava, não era o melhor, porque algumas pessoas pensavam enquanto serviam, caminhavam e sentavam.

 

Então, quando todos estavam sentados, começaram a convidar o sino da atenção plena e, como passaram uma semana juntos praticando ouvir o sino e inspirar e expirar conscientemente, todos praticaram muito bem. Logo após o primeiro toque do sino da atenção plena o silêncio foi bem diferente.

 

É o verdadeiro silêncio, porque todos pararam de pensar, apenas focaram a atenção na inspiração e na inspiração, respiramos juntos e ninguém mais pensava. Esse tipo de silêncio é um Nobre Silêncio, esse é um silêncio coletivo. É muito poderoso. Você pode chamá-lo de Silêncio Trovejante porque é muito elegante, muito poderoso. Silêncio, mas poderoso como um trovão.

 

De repente você ouve o vento e os pássaros, com muita clareza contra esse fundo de silêncio, você ouve. Antes você podia ouvir os pássaros e o vento, mas não da mesma forma porque não havia o silêncio mais profundo. Muitos de nós que estamos aqui hoje lembramos daquele momento tão maravilhoso. Todos fomos capazes de tocar a beleza da primavera e ouvir a voz da Mãe Terra chamando e dizendo “eu te amo”.

 

Portanto, a prática do silêncio para esvaziar todos os tipos de sons dentro de você não é uma prática difícil. Com algum treinamento você pode fazer isso e quando podemos fazer isso juntos, é realmente poderoso, é realmente curativo. Com o silêncio você pode andar, você pode sentar, você pode desfrutar da sua refeição. Quando você tem esse tipo de silêncio você tem liberdade suficiente para desfrutar estar vivo, desfrutar as maravilhas da vida. Com esse tipo de silêncio, você é mais capaz de se curar mental e fisicamente.

 

Você tem a capacidade de estar, de estar vivo. Você responde à Mãe Terra: "Estou aqui e sou livre", porque você é realmente livre: livre do seu arrependimento, do seu sofrimento em relação ao passado, livre do medo, da incerteza sobre o futuro, livre de todos os tipos de ruídos de pensamento em sua mente.

 

Portanto a prática do Nobre Silêncio é possível através de algum treinamento, principalmente quando você é apoiado por irmãos e irmãs na prática. O silêncio não é um som, mas também é um som muito poderoso.

 

Este inverno não está tão frio na França, mas ouvi dizer que está muito frio na América do Norte. Lá houve tempestades de neve e às vezes descia para 20 graus centígrados negativos e Thay via a imagem das Cataratas do Niágara. As quedas pararam de cair, não é mais queda, está congelada. Thay viu aquela imagem —impressiona mesmo, ele está muito impressionado. A queda para de cair junto com o som e seja qual for a árvore ou arbusto que esteja por perto, pela primeira vez ouvem um novo som: silêncio e perguntam "que som é esse?!" Silêncio.

 

Mas há 50 anos, Thay estava em Chiang Mai, nordeste da Tailândia, num retiro para jovens. Era localizado numa área chamada Doi Suthep, perto de um templo muito famoso chamado Wat Palad. Thay estava hospedado numa cabana perto de uma cascata de um grande riacho, e sempre havia o som da água caindo! Thay gostava de tomar banho, de lavar a roupa e de tirar uma soneca nas pedras grandes do riacho, mas sempre tinha aquele som de água caindo dia e noite, o mesmo tipo de som.

 

Thay olha os arbustos, as árvores ao redor e disse: "Bem, desde o nascimento eles ouviram esse som, suponha que esse som pare e então eles ficarão surpresos e pela primeira vez não ouvirão nenhum som, silêncio." E eu escrevi um poema "The Sound of No Sound". Infelizmente o poema está perdido e não é possível recuperar. Isso foi em 1960 e não consigo me lembrar do poema, exceto o título: "The Sound of No Sound".

 

Então Thay imaginou que se de repente a água parasse de correr, toda essa vegetação que existia desde o seu nascimento até aquela época que ouvia sempre o tipo de som da água ficaria muito surpresa porque é a primeira vez em suas vidas que eles ouvem o som de nenhum som e perguntam: "que som é esse?!" É por isso que o silêncio é uma espécie de som. Muito estranho e pode ser muito poderoso.

 

(Palestra de Darma: em 17 de abril de 2014– transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/tR_JBhnV5Eo)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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