Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Como eu posso me perdoar e perdoar os outros

 

Pergunta: Os erros do passado causaram muito sofrimento e são muito difíceis de libertar. Esses erros criaram um fardo bastante pesado. Como posso me perdoar por essa dor que causei? E como ter certeza de que perdoei os outros? O que posso fazer se ofereço perdão e reconciliação repetidas vezes aos outros, mas as outras pessoas, não respondem positivamente e mantêm a porta fechada?

 

Thay: Esta é uma pergunta muito boa. Em primeiro lugar, podemos aprender, todos podem aprender, com seus próprios erros, inabilidades, e todos nós somos inabilidosos às vezes. Mesmo o Buda, como professor, às vezes era inábil e aprendeu com sua inabilidade. Em primeiro lugar, devemos lembrar que somos seres humanos e às vezes podemos ser inábeis.

 

A prática da atenção plena pode sempre transformar, até mesmo transformar o passado. Você pensa que o passado já se foi e você não pode fazer nada em relação ao passado, mas isso não é verdade. Você pode mudar o passado porque o passado ainda está lá no presente. A ferida do passado ainda está lá no momento presente, e você pode tocá-la.

 

Suponha que no passado você tenha dito algo indelicado para sua avó. Agora você se arrepende, e sua avó não está mais presente para você dizer “desculpe”. Você tem esse complexo de culpa te seguindo o tempo todo. De acordo com essa prática, você pode fazer alguma coisa. Você inspira e expira conscientemente e reconhece que sua avó ainda está viva em cada célula do seu corpo. Você continua sua avó, essa é a verdade. Os genes de sua avó estão em você. Sua avó não morreu de verdade, ela continua.

 

Então, tendo visto sua avó em você, você começa a dizer: “Vovó, sinto muito. Eu não era habilidoso. Eu prometo a você que, de agora em diante, nunca mais direi algo assim.” Se você for sincero, atento, determinado, poderá ver sua avó sorrindo e estará curado. Você pode transformar o passado. Você faz uma aspiração, uma forte aspiração, que de agora em diante não vai mais dizer coisas assim, não fará mais coisas assim. Essa é uma energia poderosa que pode transformar até o passado e você se sente mais leve.

 

Durante a Guerra do Vietnã, havia um soldado americano. que matou cinco crianças. Sua unidade foi destruída pelos guerrilheiros, e ele ficou muito zangado. Ele voltou para aquela aldeia procurando uma maneira de retaliar. Ele trouxe com ele um saco de sanduíches, colocou explosivos neles, deixou-os no portão da aldeia e se escondeu. Ele viu cinco crianças saindo para comer os sanduíches. Depois disso, as crianças mostraram sinais de doença e choraram. Suas mães saíram e tentaram ajudar, mas o soldado sabia que nada podia ser feito porque a aldeia ficava muito longe de uma cidade. Ele viu as cinco crianças morrendo nos braços de suas mães.

 

O soldado sobreviveu à guerra e voltou para a América, mas não conseguia mais dormir. Cada vez que se via com algumas crianças no mesmo quarto, não suportava. Ele tinha que sair correndo. Ele não podia compartilhar a história com ninguém até que um dia nós oferecemos um retiro para veteranos de guerra na Califórnia e ele veio. Depois de quatro dias de prática ele ganhou bastante confiança, e durante o compartilhamento nos contou a história, chorando muito. Eu estava no grupo e prometi dar-lhe uma consulta.

 

Eu disse a ele: “Daniel, você matou cinco crianças, essa é a verdade e você sofre. Mas agora há outras crianças que estão morrendo na África, Ásia, em muitos países. E mesmo na América, as crianças estão morrendo. Existem pessoas pobres. Há crianças que só precisam de um comprimido de remédio para ter a vida salva. Milhares e milhares de crianças assim estão morrendo em todo o mundo. Se você fizer a aspiração de ir até eles, então todos os dias você pode salvar cinco crianças. Você não precisa se deitar no canto do passado e sofrer assim. Se no passado você matou cinco, hoje você pode salvar cinco. Se você pode salvar cinco hoje, cinco amanhã, então você pode ver as cinco que você matou começando a sorrir em você, e você estará curado.

 

Ele seguiu essas instruções. Eu vi a transformação e a cura acontecendo bem na hora em que ele ouviu o conselho, porque durante o tempo que ele me ouviu, ele fez essa promessa: "Eu vou sair e tentar salvar as crianças. Eu sou jovem o suficiente para fazer o trabalho.” Essa tremenda quantidade de energia dada a ele por sua aspiração começou a curá-lo imediatamente. Depois disso, ele praticou ajudar as crianças do mundo a sobreviver. Ele foi curado. Ele se casou com um dentista na Inglaterra e levou uma vida normal. Isso é uma história real.

 

O fato é você pode se libertar do passado, da prisão do passado. Você pode fazer uma forte determinação, uma forte aspiração de ir e ajudar. Ajudar as pessoas que são abusadas, ajudar as pessoas que são vítimas de abuso sexual e assim por diante. Então você pode se curar. Esse é o poder da aspiração, o quarto tipo de alimento que chamamos de volição.

 

Se você tem transformação e cura em si, você se torna uma pessoa agradável. Você é cheio de compaixão, compreensão e, assim, sua presença é muito fresca, muito agradável para outras pessoas. Se você propuser a outra pessoa a prática da reconciliação e se a outra pessoa se recusa a fazê-lo pode ser porque você não está fresco o suficiente, não se curou o suficiente. Você tem que se mostrar como alguém que se transformou que se curou. A cura em você ajudará a iniciar a cura na outra pessoa.

 

Existem muitos caminhos. Você pode escrever-lhe uma carta de amor; você pode pedir a um amigo para falar com ela em seu nome. Existem várias maneiras de fazer isso. Se você já se reconciliou consigo mesmo, se renovou e se tornou uma nova pessoa então transformá-la, reconciliar-se com ela se torna muito mais fácil. Se você ainda acha difícil convidar a outra pessoa a se reconciliar é porque você não iniciou o processo de reconciliação a partir de dentro. Se isso aconteceu, você se curou, então seria muito mais fácil ajudá-la a se reconciliar consigo mesmo e com você.

 

(Palestra de Dharma de Thich Nhat – transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/PnXFCwmpQA8)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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