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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Meditação do Degrau da Escada

 

No dia que cheguei ao New Hamlet em Plum Village, comecei a chorar e não parei por duas semanas. Sou uma pessoa bem estável, sem altos astronômicos e nem baixos profundos, e a última da sala a ter pânico. Não tinha idéia porque estava chorando porque não me sentia triste e depois de muitos dias de lágrimas, fiquei embaraçada pelo meu comportamento. Mas eu não podia parar as lágrimas e, portanto as deixei fluir. Às vezes eu falava entre as lágrimas, esperando que outras pessoas pudessem ouvir minhas palavras.

 

Eu me sentia como se estivesse no seio da família, como se estivesse em New Hamlet por toda minha vida. Sentia-me confortável, amada e segura. Eu nunca havia meditado antes. Sentar numa almofada era algo novo para mim. Portanto quando Thich Nhat Hanh descreveu em suas palestras de Dharma para as crianças como fazer a meditação da pedrinha, eu peguei essa lição para mim. Durante a meditação caminhando, eu coletei pedras no caminho e as coloquei em uma pequena sacola de pano e as usei para apoiar as lições que ele estava ensinando sobre compaixão e solidez.

 

Um dia Thay explicou como fazer o que ele chamou da Meditação do Degrau da Escada. Era uma maneira de praticar o que ele chamou de energias de hábito. Ele disse que cada um de nós herda os hábitos de nossos ancestrais. Nosso avô pode ter sido sozinho; nossa avó pode ter vivido na dor; um ancestral pode ter vivido uma vida violenta, cheia de ódios e batalhas. Todas as ações, emoções e condições de cada um de nossos ancestrais através da história são passadas para nós. É nossa responsabilidade e nossa alegria conduzir nossas vidas de tal modo que alivie os aspectos negativos de nossas energias de hábito herdadas e desfrutar e passar adiante para nossos filhos os aspectos positivos das experiências e do caráter de seus ancestrais.

 

Thay descreveu a Meditação do Degrau da Escada da forma como ele ensina tudo, de modo claro e simples. Ele disse que se você quer aliviar a dor de seus ancestrais e reverter os efeitos de suas ações negativas, apenas ache uma escada. Decida que ancestral você deseja se conectar. Coloque um pé na escada e enquanto respira diga, “Pai, estou aqui para você.” Você pode substituir o nome por qualquer ancestral que escolher. Quando expirar, levante o outro pé e o coloque no próximo degrau. Diga, “Pai, eu estou aqui para você.” É isto. Isto é tudo o que você faz. Inspire, pise, expire, pise.

 

Eu pensei nas pessoas de minha família que precisavam de alívio da dor e do sofrimento. Meus parentes eram todos trabalhadores, pioneiros. O lado de minha mãe veio das Ilhas Britânicas e se estabeleceu nas montanhas Ozark no Missouri. Eu não conheci meus avós. Eles eram lenhadores. Minha mãe foi a primeira da família a ter educação superior. Houve tempos difíceis, trabalho duro, pouca comida, muito sofrimento. As pessoas tinham que ser fortes para sobreviver. Eu vim de uma boa matéria-prima, uma longa linha de fatalistas estóicos. Você recebe seu lote na vida e faz o melhor que pode com ele. Qual a utilidade de chorar?

 

Eu escolhi andar nas escadas com minha mãe, Martha Holland Baker. Mamãe, olhando em retrospecto, teve uma vida difícil, não acho que tenha sido feliz, apenas diligente. Mamãe e eu nunca tivemos grandes conflitos, mas certamente éramos produtos de eras diferentes. Nos primeiros dias, devido à profunda emoção por dizer diretamente para minha falecida mãe, “Mamãe, eu estou aqui para você” em cada degrau acima e abaixo, os dezoito degraus que levavam ao meu quarto no segundo andar, eu abri o berreiro.

 

Cada dia quando eu andava nos dezoito degraus, era apenas minha mãe e eu. Eu encontrei alguma confiança nessa rotina. Antes de chegar na escada, eu parava e dava poucas, lentas e suaves respirações para ficar pronta para a Meditação do Degrau da Escada. Apesar de minhas emoções, eu fazia um claro esforço para devotar para aqueles degraus aquela meditação especial.

 

A Meditação do Degrau da Escada convergiu com a meditação dos Toques da Terra, comandada pela irmã Chan Khong. Neste dia, enquanto eu andava lentamente em direção ao salão de meditação com um grupo de monjas, eu disse para irmã Eleni, “Eu realmente não quero ir para essa meditação.” Ela perguntou “Por quê?” Eu disse, “Eu não sei.” Ela disse, “Bem, então apenas siga e tente.” Assim, eu entrei na sala de meditação, reverenciei, e coloquei meus colchonetes para meditação. Enquanto irmã Chan Khong nos guiava através do relaxamento total e Tocando a Terra, toda minha emoção surgiu no peito. Eu fui encorajada a deixar todo sofrimento de meus ancestrais fluir pela Terra. Eu senti um enorme alívio enquanto um profundo lamento e dor realmente pareciam fluir para a Terra. Eu penso que fui dormir.

 

Andando lentamente da sala de meditação para a casa, de repente, a voz da minha mãe me parou. Ela disse, “Oi Carole, eu estou aqui para você. Obrigado por andar comigo e aliviar minha dor.” Eu parei no caminho, obrigando a várias pessoas ajustar sua meditação caminhando. Eu parei e declarei, “Oh, estas são suas lágrimas!” Minha mãe disse, “Sim, sou eu.”

 

Depois do almoço, eu me aproximei dos dezoito degraus com minha habitual parada obrigatória. Minha mãe tomou minha mão! E ela disse, “Venha e ande comigo, é por isso que você está aqui.” Eu subi os dezoito degraus com minha mãe ao meu lado. A felicidade superou meu nervosismo inicial. Foi uma coisa tão feliz estar andando de mãos dadas com minha mãe em total comunicação espiritual, para cima e para baixo naquelas escadas comuns. Depois de alguns dias, todo meu estado emocional mudou. Minhas emoções começaram a se assentar e eu comecei a sentir profunda alegria e satisfação em ajudar minha mãe a se curar de seus lamentos. Minha companheira de quarto, Kim Nguyen, disse que eu floresci e me tornei uma flor.

 

Um dia eu fiquei com preguiça e pensei que poderia faltar ao Compartilhamento do Dharma e tirar uma soneca. Enquanto subia as escadas para meu quarto, na sua forma de dizer, minha mãe disse, “É melhor você ir para esse Compartilhar do Dharma!” Eu ri e mentalmente respondi, “Às vezes você pode ser muito chata”, mas eu obedeci assim como acontecia quando ela estava viva. Eu voltei e desci para o grupo de discussão. Depois rimos, muitas e muitas vezes desde então. Agora, sinto que minha mãe está sempre comigo, e ela está feliz.

 

(Prática compartilhada por Carole Baker, Alegria do Coração, na revista Mindfulness Bell edição 32 – 2002)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

 

Amor

 

Durante o retiro de verão de 1996 em Plum Village, fiquei em contato semanal por telefone com minha companheira, Elisabeth, além de constantes cartas. Perto do fim do retiro comecei a ficar na defensiva, sentindo-me invadido ao ouvir os planos de Elisabeth para o que faríamos depois da minha volta. Por sorte, tive a oportunidade de compartilhar essa experiência com a irmã Jina. Depois de ouvir silenciosamente à minha ansiedade, irmã Jina disse, “Richard, pela minha experiência, defensividade é um sinal que você não está conseguindo o amor que precisa.” Eu concordei e ela continuou, “Mas Richard, há apenas uma pessoa que sabe o amor que você precisa e pode te dar e essa pessoa é você mesmo. Portanto, se você se der o amor que precisa, será capaz de aceitar com gratidão o amor que Elisabeth te oferece.”

 

A sabedoria da irmã Jina me penetrou, mas me deixou perplexo. “Existem práticas para me dar o amor que preciso?” eu perguntei. Irmã Jina começou a descrever uma prática de dois estágios. No primeiro estágio, eu seguraria no colo a mim mesmo quando era uma criança de 5 anos, enquanto meditava e o inundaria com todo o amor que precisava. Depois de muitas semanas fazendo isso, eu deveria trocar, e ser o menino de 5 anos sentado neste grande colo e receber todo esse amor. Eu comecei imediatamente. Era profundamente satisfatório para mim cobrir minha necessitada criança com amor. Mas quando chegou a vez de receber esse amor, eu achei impossível. Tentei essa prática muitas outras vezes, sempre com o mesmo resultado.

 

Durante o retiro de 21 dias do Thay em 2000, eu experimentei uma grande dose de negatividade e dúvida sobre mim mesmo. Desta vez foi minha amiga Eveline que veio em minha ajuda. Ela descreveu uma experiência meditativa onde ela deixava suas emoções negativas rodopiarem em volta dela como um redemoinho. Ela sentava no olho desse redemoinho, no seu calmo centro, respirando e sorrindo. Com Eveline segurando minha mão, eu tentei sua prática. Primeiramente eu senti meu stress recente. Então veio a dor que eu havia experimentado muitas vezes antes em minha vida. Finalmente eu vi que os momentos de sofrimento não eram as únicas coisas rodopiando ao meu redor. Eles estavam misturados com muitas outras experiências de vida. Depois de respirar e sorrir para toda minha vida por um tempo, eu abri meus olhos com um novo sentimento de calma.

 

Voltando para casa, eu me achei constantemente sobre forte influência de um redemoinho de emoções negativas. Às vezes conseguia lembrar de achar um caminho para o centro calmo. Isso ajudava, mas só por um instante. Então, uma noite antes de dormir, eu li um artigo de Leslie Rawls sobre como transformou a profunda angústia mental causada pela morte de seu pai. No seu artigo ela descreve que experimentou sua angústia como um redemoinho com sua criança interior dentro dele. Ela falava sobre repetidamente tentar fazer isso sem sucesso. Finalmente, ela entendeu que ela tinha que abraçar a criança, o redemoinho e tudo. Quando li isso, eu percebi que ao sentar no olho do redemoinho, estava criando uma falsa separação entre eu e minhas emoções. A calma estava presente, mas não havia transformação.

 

Na manhã seguinte, enquanto meditava, recordei as práticas de auto-amor da irmã Jina. De repente eu vi que ao tentar ser a criança no grande colo, minha atenção ficou totalmente em tentar receber amor. Eu nunca senti os medos e as necessidades de minha criança interior. Desta vez eu penetrei nos medos, necessidades e tudo mais da minha criança interior de 5 anos. Deste lugar eu era capaz de sentir o abraço do amor pela primeira vez. Mesmo assim, não ficou fácil para mim lidar com as feridas da infância.

 

Enquanto meditava, eu podia pensar sobre as emoções da minha criança, mas não realmente experimentá-las. Eu achei dois caminhos para acessar essas emoções. Quando eu havia experimentado uma emoção negativa forte como a raiva, eu tentava me remover da situação da qual ela surgiu e ir sentar quietamente com meus sentimentos. Quando fazia isso, eu era capaz de experimentar as emoções da infância sob minha experiência atual. Também em muitas ocasiões enquanto meditava me tornei consciente das tensões no meu corpo, e por simplesmente observar as sensações físicas no corpo, ter contato com velhos medos e angústias. Eu não expulsei estas emoções, mas as aceitei incondicionalmente. Esta aceitação não apenas permitiu que elas ficassem presentes, mas também se intensificassem. O que quer que acontecesse, eu apoiava com amor e me sentia apoiado com amor.

 

Este é um processo lento. Eu ainda fico na defensiva, mas agora posso compartilhar essa defensividade com Elisabeth e trabalhar comigo mesmo. Eu me tornei muito melhor em comunicar minhas necessidades para Elisabeth e responder com amor às necessidades dela, em parte porque sou mais capaz de ver ambos como oportunidades de crescimento. Com gratidão eu agradeço a minhas irmãs de Dharma Elisabeth, Jina, Evelyn e Leslie por tudo que me deram.

 

(Prática compartilhada por Richard Brady, Verdadeira Ponte do Dharma, na revista Mindfulness Bell edição 32 – 2002)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

 

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