Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

A consciência como combustível para nossa vida

 

Para recapitular, esta semana, aprendemos sobre os diferentes combustíveis que alimentam o rio do nosso corpo e mente. Esses combustíveis têm algo a ver com o que sentimos.

 

Aprendemos que existem quatro tipos: um é comida e bebida, também os chamamos de "alimentos comestíveis", mas era muito longo para escrever no quadro-negro. Então eu vou colocar "Alimentos e bebidas". O segundo são as impressões sensoriais, portanto as telas, a música, mas também o barulho da cidade. Aqui no monastério nós nos permitimos uma pausa de tudo isso. O terceiro combustível é a volição, ou a intenção. Esta semana fomos expostos a um tipo diferente de volição e intenção, a intenção de viver de forma diferente para construir um futuro diferente, de estar com os outros de uma maneira diferente.

 

O outro combustível, do qual eu quero falar agora, é a Consciência. Temos nos exposto a diferentes tipos de Consciências. Mas as fontes essa semana foram outras, e é por isso que agora nos sentimos diferentes. Este é o seu poder e sua liberdade. Quando você chegar em casa, você será responsável por escolher como explorar essas diferentes fontes.

 

Como você vai se proteger? Como você vai se curar? Como você vai resistir? Queremos que a sociedade vá em uma direção diferente. Todas as nossas escolhas sobre esses combustíveis são uma oportunidade para resistir. Incorporam uma nova direção em nossas vidas para reivindicar nossa liberdade. Isso requer um bom treinamento, temos hábitos para mudar.

 

Portanto, quando deixarmos este retiro cheio de boas intenções encontraremos a realidade absoluta de nossos hábitos. A maneira que normalmente passamos nossas noites, como costumamos passar nossas manhãs, como passamos nosso tempo livre. Portanto, há uma necessidade de um pouco de organização. Como podemos nos comprometer com a organização de nossas vidas para que comamos de maneira diferente, de modo a usar nosso tempo de uma maneira diferente?

 

Quando nos encontramos conosco esta semana muitos de vocês tocaram um medo profundo por dentro ou raiva profunda. Parte do entendimento budista sobre a Consciência é que a Consciência é ao mesmo tempo individual e coletiva. Quando você sente raiva, damos nome a nossa raiva, permitimos que a nossa raiva esteja presente.

 

Abrace esse sentimento de raiva, só assim você terá uma possibilidade de perguntar a si mesmo "De que maneira essa raiva não é só minha?" Para não nos identificarmos com a nossa raiva, para não nos dar um rótulo e dizer: "Estou com raiva". "Estou com raiva por causa disso ou daquilo", mas para ver que minha raiva contra as empresas petrolíferas é uma raiva coletiva, social, geracional. Minha raiva contra a desigualdade e injustiça racial é uma raiva coletiva. Vamos também nos permitir reconhecer que nossa Consciência pertence à consciência coletiva.

 

Até mesmo nosso medo e ansiedade sobre o futuro são também fortes na comunidade e é por isso que que são fortes em nós. O que é interessante sobre isto é que com a energia da plena atenção, graças ao interser entre nossa Consciência e o coletivo, é exatamente aí que reside o nosso poder. É aí que nós temos livre-arbítrio. Pertencemos à comunidade, somos intrínsecos à comunidade. Quando nos transformamos, também transformamos a comunidade. Esta é uma maneira de podermos aplicar realmente o insight do interser. Nossa dor pela destruição da Terra e das culturas também é a dor da própria Terra. É por isso que parece tão grande! E nós fazemos parte disso.

 

Mas não devemos segurar isso dentro de nós, identificando-nos com ela, e de certa forma aprisionando-nos dentro dela, dizendo-nos: “Estou com raiva, estou triste e desesperado.”

 

Trabalhamos muito com os líderes ativistas globais e climáticos e também organizamos retiros para os líderes mundiais do clima. Fizemos um recentemente perto de Vancouver, Canadá, e foi muito interessante. Porque foi a primeira vez que eu percebi que o desespero climático se tornou uma realidade com a qual as pessoas se identificaram. Eu percebi que havia uma narrativa relacionada a ela e que as pessoas acharam difícil ver como o desespero delas era impermanente, em contínua evolução e inter-relacionado.

 

Então, já que eu sou uma especialista em desespero, na minha prática, eu compreendi que quando eu aprendi a sofrer com meu desespero foi muito importante eu não me identificar com ele. Mas reconhecer que é como uma semente que foi passada para mim e que é ativada pelo ambiente ao meu redor. Então eu me treinei para permitir que meu desespero evoluísse um pouco, ter fios diferentes, ser algo fluido, algo feito de elementos de não-desespero, algo composto de várias partes.

 

Até mesmo nosso desespero inter-é, não é uma coisa estática e, portanto, aprendi que não me ajuda quando me identifico demais com o meu desespero. Outra coisa que poderia pertencer à Consciência Coletiva, e que muitos de nós podem sentir, é como uma energia de inquietação, como um desejo obsessivo. É muito importante saber disso. Se ao fazermos a meditação sentada,  sentirmos uma inquietação em nosso corpo, e uma ânsia, impulso, desejo obsessivo em nossos sentimentos e em nossos corpos, este é também o resultado de nossa vida em uma sociedade capitalista e consumista. Você não é o suficiente, porque você precisa consumir mais.

 

Nós fomos, em certo sentido, automatizados e condicionados. Todas essas entradas nos dizem, que precisamos de mais coisas para sermos felizes. Então, durante este retiro quando estamos sentados, imóveis, sem pegar o telefone, sem procurar por algo para beber ou comer, isso é um ato de resistência. Quando voltarmos para casa podemos fazer o mesmo. Pense por um momento, talvez durante a viagem de volta para casa, “Como posso simplificar minha vida?”

 

Nós vivemos de forma simples esta semana. Não precisou de muito para sermos felizes, a presença de pessoas era motivo de felicidade, e, espero que também a presença da floresta e das árvores para termos momentos de tranquilidade, tenha sido uma experiência de felicidade. Quando podemos estar com nossos amigos de forma simples, nós não precisamos de muito para sermos felizes.

 

A irmã Iro teve um bom insight, sobre a questão compromisso e otimização e de uma espécie de "não o suficiente". Você sempre tem a sensação de que a sociedade está nos dizendo, de que a consciência coletiva está nos dizendo, "Você precisa se desenvolver mais para contribuir, você deve ter essas habilidades, este diploma essas qualificações, e você tem que ser produtivo, você tem que ser eficiente".

 

Nós criamos todos esses sistemas esta sociedade louca, todas essas telas, todos esses e-mails e temos que aprender a sermos eficientes e produtivos. A irmã Iro fez uma pergunta: talvez possamos sentir essa pressão, a sociedade nos pede para otimizar, Mas para a vantagem de quem? Desistir do nosso tempo, da nossa energia. Nós poderíamos acabar desperdiçando nossas vidas. Gastando nosso tempo para criar uma habilidade adequada a um determinado sistema econômico, mas acabamos desistindo de viver nossas vidas no processo.

 

Podemos perder nossa liberdade, nosso contato com a natureza, tempo com amigos, a conexão com o nosso corpo. Com a energia da consciência temos uma chance de parar e olhar em profundidade e realmente refletir sobre nossas perguntas. "O que estou fazendo com meu tempo e minha energia?" "Estou usando bem meus recursos?" "Quem se beneficia?"

 

Cada hora conta. Nossa vitalidade é importante. Como gastamos nosso tempo? Com quem o gastamos?

 

Um dia, no Conselho Editorial no meu antigo trabalho, depois de ter bebido meu copo d'água, voltei para minha mesa, e meus colegas estavam xingando, brigando, maltratando outra pessoa, e eles eram muito agressivos na discussão sobre o próximo programa. De repente eu percebi, "Eu vivo em uma atmosfera tóxica". Foi literalmente assim. Eu trabalhei lá por 18 meses, bebendo minha água todos os dias, e de repente eu disse a mim mesma: "O que estou fazendo comigo mesma?" Então, praticar a atenção plena no lugar de trabalho é muito importante, porque você pode acordar e ver.

 

Honestamente, eu juro que o meu caminho de saída da equipe editorial começou naquela fração de segundo. Quando acordei, vi a realidade do meu ambiente de trabalho. "Estou no sexto andar deste gigantesco edifício em Westminster, Londres, e estou desperdiçando minha vida."

 

Mais uma coisa que eu queria dizer sobre os Cinco Treinamentos de Plena Consciência, Nós ouvimos isso esta manhã, nós lemos no texto, todos eles começam com essa frase muito poderosa: "Consciente do sofrimento causado por " Quando acordamos, para ver o que é realmente está acontecendo, e o que há de errado com o que está acontecendo, há imediatamente uma liberação de energia e uma intenção, uma vontade, "Eu quero fazer algo sobre isso", "Eu juro, estou comprometido com a mudança com minhas escolhas e minha situação".

 

(Palestra de Darma Irmã Hien Nghiem (True Dedication) em 10 de agosto de 2023– transcrito do vídeo do YouTube https://youtu.be/R6SUJroSzGs)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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