Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Consciência no Momento Presente

 

Nossa alegria, nossa paz, nossa felicidade depende muito de nossa prática em reconhecer e transformar nossas energias de hábito. Há energias de hábito positivas que nós temos que cultivar, há energias de hábito negativas que nós temos que reconhecer, conter e transformar. A energia através da qual nós fazemos estas coisas é a Consciência. Consciência é um tipo de energia que nos ajuda a estar atentos ao que está acontecendo. Então, quando a energia de hábito se mostra, nós sabemos imediatamente. "Olá minha pequena energia de hábito, eu sei que você está aí. Eu cuidarei muito bem de você." Reconhecendo-a como ela é, você estará no controle da situação. Você não tem de lutar com ela; de fato, o Buda não recomenda que se lute assim, porque aquela energia de hábito é você, e você não deveria lutar contra si mesmo.

 

Você tem que gerar a energia de consciência que também é você, e esta energia positiva fará o trabalho de reconhecer e conter a outra. Toda vez que você reconhece sua energia de hábito, você ajuda a transformá-la um pouco. A energia de hábito é como uma semente dentro de sua consciência, e quando ela se torna uma fonte de energia, você tem que reconhecê-la. Você tem que trazer sua consciência ao momento presente, e assim conter a energia negativa: "Olá, minha energia de hábito negativa. Eu sei que você está aí. Eu estou aqui com você." Depois de um, dois ou talvez três minutos, aquela energia voltará à forma de semente, para manifestar-se novamente mais tarde. Você tem que estar muito alerta.

 

Toda vez que uma energia negativa é contida pela energia de consciência, perderá um pouco de sua força à medida em que retorna como semente ao mais baixo nível de percepção. A mesma coisa é verdadeira para todas as outras formações mentais: seu medo, sua angústia, sua ansiedade, e seu desespero. Elas existem em nós na forma de sementes, e toda vez que uma das sementes é regada, se torna uma zona de energia no nível superior de nossa consciência. Se você não souber cuidar dela, causará dano, irá nos pressionar para fazer ou dizer coisas que magoarão a nós mesmos e as pessoas que nós amamos. Então, gerar a energia de consciência para reconhecer, conter e tomar conta destes hábitos é a prática. E a prática deve ser feita de um modo muito suave e não-violento. Não deve haver nenhuma luta, porque quando você luta, você cria danos dentro de si.

 

A prática budista está baseada na percepção [insight] da não-dualidade: você é amor, você é consciência, mas também é aquela energia de hábito que está dentro de você. Meditar não pretende transformá-lo em um campo de batalha, o certo lutando contra o errado, o positivo lutando contra o negativo. Esta não é uma atitude budista. Assim é que, baseado na percepção da não-dualidade, a prática deveria ser não-violenta. A consciência que contêm a raiva é como uma mãe que abraça seu filho, a irmã maior que abraça a irmã mais jovem. O abraço sempre traz um efeito positivo. Você pode trazer alívio, e pode fazer a energia negativa perder um pouco de sua força, apenas a contendo.

 

(Thay desenha em um quadro) Este círculo representa nossa consciência, e a parte mais baixa é chamada de consciência armazenadora. A parte superior é chamada a consciência mental. Na base da consciência de armazenadora, são armazenados muitos tipos de sementes: a semente do amor, a semente da compreensão, a semente do perdão, a semente do desespero, a semente da raiva - positiva e negativa -, elas são todas mantidas e preservadas na consciência de armazenadora. E toda vez que uma destas sementes é tocada ou regada, se manifestará na consciência mental superior como uma zona de energia, "energia número um." Criando seu medo, seu ciúme, seu desespero, sua depressão.

 

Um praticante é alguém que tem o direito de sofrer, mas que não tem o direito de não praticar. Pessoas que não são praticantes permitem que sua a dor, desgosto e angústia os subjuguem, os pressionem para dizer e fazer coisas que não desejam. Nós, que nos consideramos praticantes, temos o direito de sofrer como todo mundo, mas nós não temos o direito de não praticar. Então, nós temos que fazer algo, buscar coisas positivas dentro de nossos corpos e nossa consciência, tomar controle de nossas situações. É normal sofrer, é normal ficar bravo, mas não é normal se permitir ser engolfado pelo sofrimento. Nós sabemos que em nossos corpos e nossa consciência existem elementos positivos que nós podemos buscar em nosso favor. Nós temos que mobilizar estes elementos positivos para proteger a nós mesmos e cuidar das coisas negativas que estão se manifestando em nós.

 

O que normalmente fazemos é chamar a semente da consciência para vir à tona e também se manifestar como uma zona de energia, que nós chamaremos "energia número dois." A energia de consciência tem a capacidade de reconhecer, conter e aliviar o sofrimento, acalmando-o e também o transformando. Em cada um de nós existe a semente da consciência, mas se nós não praticarmos a arte de viver atentos, então aquela semente pode tornar-se muito pequena. Nós poderemos estar atentos, mas nossa consciência será muito pobre. Claro que, quando você dirige seu carro, você precisa de sua consciência. Uma quantia mínima de consciência é requerida para que você dirija, caso contrário você se envolveria em um acidente.

 

Nós sabemos que cada um de nós tem a capacidade de estar atento. Quando você opera uma máquina precisa de certa quantia de consciência, caso contrário acontecerá um acidente de trabalho. Em nosso relacionamento com outra pessoa, nós precisamos também de alguma quantia de consciência, caso contrário nós iremos prejudicar a relação. Nós sabemos que todos nós temos um pouco de energia de consciência, e esse é o tipo de energia que nós precisamos para cuidar de nossa dor e nosso desgosto.

 

Consciência é algo que todos nós podemos criar. Quando você bebe um pouco de água, e sabe que está bebendo água, isto é consciência. Nós chamamos isto de consciência de beber. Quando você inspira, e está atento que está inspirando, isso é consciência de respiração, e quando você caminha, e sabe que está caminhando, então isso é consciência de andar. Consciência de dirigir, consciência de cozinhar… vocês não precisam estar na sala de meditação para praticar a consciência. Você pode estar lá na cozinha, ou no jardim, e continuar cultivando a energia de consciência. Esta é a prática mais importante dentro de um centro de prática budista: você faz tudo atentamente, porque precisa muito desta energia, para sua transformação e cura. Você sabe que pode fazer isto, e o fará melhor se estiver envolvido por uma comunidade de irmãos e irmãs que estão fazendo as mesmas coisas que você. Sozinho você poderia esquecer, e poderia abandonar sua prática depois de alguns dias ou alguns meses. Mas se você vive permanentemente com uma Sangha, então será apoiado, e sua consciência ficará mais forte e mais forte diariamente, graças ao apoio da Sangha.

 

Para aqueles entre nós que praticam a consciência como uma arte de vivência diária, a semente de consciência guardada em nossa consciência armazenadora fica muito forte; e em qualquer momento que nós a tocamos, a chamamos para nos ajudar, então ela estará pronta para nós, como a mãe que, embora esteja trabalhando na cozinha, sempre está pronta para atender aos gritos do bebê toda vez que ele chorar. Assim nossa consciência está lá de forma que nós a possamos reconhecer, porque a consciência é definida principalmente como a energia que nos ajuda a saber o que está acontecendo no momento presente.

 

Eu bebo água, eu sei que estou bebendo a água. Bebendo a água é o que está acontecendo. Eu caminho atentamente, piso atentamente, e sei que estou fazendo passos atentos. Consciência de andar: Eu estou consciente que meu caminhar está acontecendo, e eu me concentro no andar. A consciência tem o poder de trazer concentração. Quando você bebe atentamente sua água, você se concentra em seu ato de beber. Se você se concentra, a vida se aprofunda, e você é capaz de adquirir mais alegria e estabilidade apenas por beber sua água atentamente. Você pode dirigir atentamente, você pode cortar atentamente cenouras, e quando faz atentamente tais coisas, sente que você está concentrado. Você vive cada momento de sua vida diária profundamente, e todos nós sabemos que a consciência e a concentração produzirão o insight que nós precisamos.

 

Se você não pára, se você não fica atento, se você não se concentra, então não há nenhuma chance de você adquirir tal "insight". Meditação budista significa parar, se acalmar, se concentrar, e dirigir seu olhar profundamente no que ocorre no aqui e agora. O primeiro elemento da meditação budista é o parar, e o segundo elemento é olhar profundamente. Parar significa não correr mais, estar atento ao que está acontecendo no aqui e agora. A consciência lhe permite estar no aqui e agora, com o corpo e mente unidos. Em nossas vidas diárias acontece muito freqüentemente que nosso corpo esteja lá, mas nossa mente está em outro lugar, no passado ou no futuro, ou presa de nossos projetos, nossos medos, nossas raivas. A consciência nos ajuda a trazer a mente de volta ao corpo, e quando faz isto você subitamente fica verdadeiramente presente no aqui e agora. Assim você pode definir a consciência como a energia que lhe ajuda a estar completamente presente.

 

Se você está completamente presente, com sua mente e corpo verdadeiramente unidos, você imediatamente fica totalmente presente e totalmente vivo. É aquela energia que lhe ajuda a estar vivo e presente. Você pode trazer consciência a si de muitas formas: por apenas respirar, caminhar, olhar, cozinhar, por tomar café da manhã… pois você pode usar o ato de tomar café da manhã como um exercício para unir corpo e mente.

 

Eu gostaria de definir a consciência como a prática de estar ali, corpo e mente unidos. A prática de estar totalmente presente, a prática de estar totalmente vivo. Você tem um encontro com a vida - e você não deveria perdê-lo. O tempo e o espaço de seu encontro são o aqui e o agora. Se você perde o momento presente, se você perde o aqui e o agora, você perde seu encontro com a vida, o que é muito sério. Assim aprender a voltar para o momento presente, estar completamente presente, estar completamente vivo, é o início da meditação.

 

Uma vez estando ali, uma outra coisa também está lá: Vida. Se você não estiver disponível para a vida, então a vida não estará disponível para você. Quando você está com um grupo de pessoas e contempla a lua ascendente, você precisa estar atento, você precisa estar no aqui e agora. Se você se deixar perder no passado ou no futuro, a lua cheia não será para você, mas para as outras pessoas que estão ali. Assim, se você sabe praticar a respiração atenta, você pode trazer sua mente de volta a seu corpo, e pode se fazer plenamente presente e plenamente vivo, e então a lua existirá para você. Por isso eu digo que se você estiver presente, uma outra coisa estará lá também: Vida.

 

A Consciência ajuda-o a realizar o ato de parar. Você deixa de correr porque realmente está ali. Você deixa de ser envolvido por sua energia de hábito, por seu esquecimento. E quando você toca algo bonito, com consciência, este algo se torna um elemento refrescante e curativo para você. Com consciência nós podemos tocar as coisas positivas, e também podemos tocar as coisas negativas. Se há alegria, a consciência nos permite reconhecer isto como alegria, e a consciência nos ajuda usufruir desta alegria e a permite crescer, e nos ajuda no trabalho de transformação e cura.

 

Há elementos dentro de nós que não estão errados. Há elementos ao redor de nós que não estão errados. E a primeira tarefa dos meditadores é serem capazes de tocar e reconhecer estes elementos positivos, porque eles têm o poder de nutrir e curar. Se você é um psicoterapeuta, poderia gostar de tentar isto com seus pacientes: em vez de falar sobre o que está errado, você os convida a falar sobre o que não está errado com eles e ao seu redor. Às vezes nós estamos muito fracos ou muito doentes para lidar apenas com nossos elementos negativos. Antes que uma cirurgia seja feita, um doutor examinará o paciente para ver se aquela pessoa tem bastante força para resistir à cirurgia. Se a pessoa é muito fraca, o doutor tentará, através da nutrição e outros meios, a ajudar o corpo do paciente a se fortalecer antes da operação ser feita. Nós fazemos a mesma coisa aqui. Se uma pessoa sofre muito, nós não deveríamos começar falando sobre o que está errado.

 

Nosso corpo e nossa consciência são como um jardim: pode haver várias árvores morrendo naquele jardim, mas isso não significa que o jardim inteiro esteja morto. Talvez a maioria das árvores ainda seja vigorosa, bonita. Por isso que você não deveria permitir ao negativo lhe subjugar, porque ainda há muitas coisas que estão bem em nossos corpos e nossa consciência. O terapeuta deveria ajudar seu paciente a desenvolver a habilidade de identificar estes elementos positivos dentro de si, e ao seu redor. E o terapeuta, claro está, tem que poder fazer isso por ele ou ela, e se tornar um co-participante. O terapeuta pode convidar seu paciente para uma sessão de meditação andando, e durante esta sessão ele tentará pôr o paciente em contato com os elementos positivos dentro dele ou ao redor dele. Na prática budista isto é muito importante. Consciência é a energia que nós geramos, e primordialmente nós queremos esta energia para nos ajudar a estar em contato com coisas positivas - alegria e felicidade.

 

(Traduzido por Cláudio Miklos da Discussão de Dharma de Thich Nhat Hanh em Plum Village em  6 de agosto de 1998)

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