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Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Cultivando a base de nosso ser

(Dharma Talk do Brother Phap Hai)

 

As irmãs e irmãos, no idioma chinês têm um modo bonito de se referir a um praticante. Eles chamam os praticantes "os cultivadores," os Cultivadores do Caminho. Em inglês nós tendemos a usar a palavra "praticante" que não é tão descritivo quanto a palavra cultivador, ou cultivo. Eu gosto cada vez mais de refletir por que em chinês eles usam a palavra cultivador, cultivo.

 

A prática de Plena Consciência é sobre cultivar a base de nosso ser, reconhecendo as sementes que nós temos em nossa consciência, e criar as condições que permitam que as sementes positivas venham adiante. É sobre se tornar completamente quem somos. Em vez de ser uma prática de trabalho duro, através do cultivo da plena consciência nós permitimos que nossa sabedoria inata floresça, no seu próprio tempo e modo.

 

A prática de meditação objetiva nos tornar um ser humano real, e nos tornar um ser humano real não significa que nós repelimos partes de nós mesmos. Significa ao contrário que atraímos partes de nós mesmos, e queremos entendê-las.

 

Nós temos um pequeno jardim orgânico aqui em Deer Park, e é interessante observar como ele toma forma gradualmente. Nós plantamos sementes diferentes. Há milho que no momento está crescendo. Há tomates, há alface, e muitos outros tipos de frutas e flores que crescem naquele jardim orgânico. E cada uma destas flores no seu próprio tempo, do seu próprio modo. O milho está amadurecendo agora. Não amadurecerá no inverno. Os tomates também estão começando a vir agora. Eles normalmente não amadurecem em dezembro. Tudo floresce no seu próprio tempo e modo.

 

A natureza é uma professora maravilhosa se nós estivermos a escutando. Nós riríamos se entrássemos no nosso jardim orgânico em dezembro e víssemos alguém gritando com os tomates por não amadurecem naquele momento. Eles não vão crescer mais rápido! Nós lamentaríamos por essa pessoa e mesmo assim fazemos a mesma coisa diariamente conosco. Nos julgamos e nos criticamos sentindo que nunca somos totalmente bons o bastante - que nunca estamos totalmente lá, onde quer que "lá” possa ser para nós. Tudo ficará perfeito lá perto da esquina, correto? Bem, cultivar a base de nosso ser é um ato radical, algo que vai contra muitas camadas de condicionamento, porque descobrimos que tudo o que nós estamos procurando está aqui mesmo disponível, agora mesmo, dentro de nós. Não lá, não amanhã, não em outra pessoa, não em um donut de chocolate. No Canto do Sino nós recitamos "No jardim de meu coração, flores de paz brotam formosamente." O que você tem no jardim de seu coração? Flores de paz real brotam quando entrarmos em contato com nossa situação verdadeira, quando nós nos damos permissão para ser completamente quem somos.

 

Ocasionalmente uma cópia da Newsweek aparece na biblioteca monástica. Recentemente eu estava lendo uma cópia e vi um anúncio da parte de trás da capa que dizia: "A busca da felicidade. Bom trabalho antepassados!" Thay me falou uma vez que há um ensinamento no Budismo Mahayana que diz que há Dharma em tudo, se nós estivermos disponíveis para isto. A frase "a busca da felicidade" vem da Declaração da Independência. Naquele documento maravilhoso, a fundação dos Estados Unidos foi baseada no reconhecimento que nós temos três Direitos Inalienáveis "básicos": vida, liberdade e a perseguir a felicidade.

 

A palavra perseguição tem dois significados 1) o ato de procurar (seguir depois de alguém ou algo-"em perseguição intensa") 2) Ocupação ou atividade. Normalmente nós tendemos sempre a estar correndo atrás da felicidade, paz, alegria que procuramos em algum outro lugar. Aqui estamos sendo lembrados pelo Sr. Jefferson que nós somos convidados a nos ocupar da felicidade. Felicidade não é algo a atingir no futuro, mas algo para viver agora.

 

Há um poema bonito de um poeta de Zen chamado Basho que sintetiza isto perfeitamente:

 

Sentando quietamente

Não fazendo nada

Primavera vem e a grama cresce por si só.

 

Nossos antepassados espirituais são muito inteligentes. Eles plantaram tantas gemas preciosas em nossa tradição. Recentemente eu estava ponderando sobre o nome da mãe do Buda. A mãe do Buda, como sabemos, faleceu logo em seguida do nascimento dele. Ela foi chamada Maha Maya. "Grande Ilusão." Hmmm. Por que a mãe do Buda era chamada Grande Ilusão? Eu também percebi que prajna,"insight" é freqüentemente chamado de a Mãe dos Budas,"Prajna Paramita."

 

Talvez a razão por que a mãe do Buda seja chamada de Grande Ilusão é que realmente é uma ilusão que ela seja só uma mulher que viveu aproximadamente 2600 anos atrás. Cada um de nós por nossa prática busca dar a luz ao Buda, se tornar uma Mãe do Buda. Nós podemos dar à luz ao Desperto a todo momento. Bodhisattvas reais não montam em nuvens, mas brotam da experiência vivida.

 

Em nossa tradição Ocidental há uma lenda que surgiu na cultura popular, a lenda do Santo Graal. Este mito está muito profundo na consciência Ocidental; e continua aparecendo em formas diferentes. Recentemente eu escutei uma conferência de Joseph Campbell, sobre o Santo Graal, “A Floresta Aventureira." Este ensinamento tem algo a nos dizer como praticantes.

 

Rei Artur e os Cavaleiros estão todos sentando lá na Mesa-Redonda. Rei Artur se levanta e diz, "Antes de nós iniciarmos nossa refeição, quero saber quem teve uma aventura esta manhã?"

 

Nenhum dos Cavaleiros da Mesa-Redonda teve qualquer coisa para compartilhar. Assim o Rei Artur disse: "Bem, até que nós tenhamos uma aventura, não podemos nos sentar para nossa refeição." Em outras palavras, nós precisamos nos ocupar ativamente de nossas vidas - a aventura de cada momento.

 

Eles todos estão pensando agora, que tipo de aventura poderíamos ter? O que vamos fazer para podermos comer? Eles decidem então: nós vamos partir à procura do Santo Graal. Eles seguem sobre os corcéis valorosos e cavalgam até uma floresta, convenientemente perto, era chamada de a Floresta de Aventura.

 

Interessante, nesta história do Santo Graal, embora você faça uma busca não acha o Graal, ele o acha quando é o tempo certo. Aqui nós temos o mesmo ensinamento que o Mestre Lin Chi - para deixar nosso buscar, deixar de correr, e voltar ao que está aqui mesmo, porque o caminho, o Santo Graal, a Floresta de Aventura, é exatamente debaixo de nossos pés. Não há nenhuma necessidade de ir para qualquer outro lugar ou adquirir um cavalo valoroso! O que é importante é a nossa vontade de empreender esta viagem, a viagem de abrir o coração.

 

Assim eles chegam aos arredores da floresta onde percebem que há duas possibilidades. Ou todos eles entram na floresta, à procura do Santo Graal, juntos ou entram na floresta separadamente. Tenha em mente que até este ponto eles tinham viajado juntos para chegar na Floresta da Aventura, como uma Sangha, juntos como uma comunidade. Quando eles chegaram na Floresta de Aventura, eles sentiam, que seria uma vergonha para eles adentrar por um caminho muito fácil pela floresta, mas cada Cavaleiro deveria entrar por um lugar de sua própria escolha. Só então seria uma aventura.

 

Inicialmente em nossa viagem de prática, de cultivo, nós estamos à procura de algo - paz, esclarecimento, alegria, um donut de chocolate que nós pensamos que existe fora de nós mesmos. Nós somos levados pela energia da Sangha. Para começar, nós precisamos descobrir e nutrir nossa própria aspiração para a real aventura. O que é seu Santo Graal? Por que você é um praticante? Um membro da Ordem Interser? O que o leva à sua Sangha cada semana? Para ver isto, tocar este desejo muito profundo em seu coração é necessário tocar sua aspiração mais profunda. A Sangha é um lugar onde nós ajudamos um ao outro para perceber nossa aspiração mais profunda. Nós compartilhamos nossa aspiração com nossa Sangha? Este poderia ser um exercício muito poderoso, um que pode ser repetido freqüentemente enquanto sua aspiração cristaliza com o passar do tempo. É minha experiência que é esta aspiração que nos faz avançar, e isto não é algo abstrato. É minha experiência que isso é essencial para praticar com intenção, com claridade. Eu o convido a experimentar fixando uma intenção cada dia, ou com sua Sangha e ver o que acontece.

 

Muitos dos mitos do mundo e lendas caracterizam esta imagem da floresta. Nas tradições espirituais também temos esta imagem da floresta, este lugar desconhecido. No Budismo, o que aconteceu a Siddhartha quando ele decidiu deixar sua casa? Onde ele foi? Ele entrou na floresta. Com o seu cocheiro Channa, Siddhartha fugiu no meio da noite, na escuridão, para os arredores da floresta. Ele cortou o seu topete, representando a sua abdicação ao trono do rei, deu isto a Channa, e entrou na floresta.

 

Há uma série de ensinamentos adoráveis sobre Siddhartha, o futuro Buda, entrando na floresta. Ele está nos vinte e poucos anos, cresceu no luxo— tudo que você pode imaginar, ele teve — e ele entra nesta floresta escura. Quando Siddhartha entrou na selva, sofreu de grande medo. Qualquer pequeno som na floresta, como uma vara rachando, ele imaginava que poderia ser um tigre que vinha para o comer.

 

Em um sutra chamado “Medo e Pavor" ele compartilha a experiência de entrar na floresta, este lugar de mistério. Eu o convido a desfrutar daquele Discurso na sua totalidade que tem muito a nos dizer. O Buda compartilha sobre o intenso medo e pavor que o atacou quando ele entrou na floresta, o lugar do desconhecido. Deixando para trás o confortável e familiar, ele compartilha a prática dele de entender o medo. Ele compartilha que quando o medo e o pavor surgiram nele, ele continuava fazendo tudo que vinha fazendo até que ele pudesse entender de onde o medo estava vindo. Ele não fazia qualquer outra coisa.

 

O que o Buda está nos contando aqui por esta repetição de medo e pavor? Uma vez que temos um lugar sólido de refúgio dentro de nós, precisamos ficar com o que está acontecendo, não fugir, não tentar se distrair. Nós no Ocidente temos uma grande tendência para fazer isto—qualquer coisa para evitar o que nós estamos chamando aqui medo e pavor. Poderia ser nossa tristeza, nossa depressão. O Buda está nos dizendo que moremos com o que está sendo trazido para nós. A prática de meditação é sobre entender o que somos, o que vai dentro de nós e transformar as experiências que temos em oportunidades para o insight florescer.

 

Onde está o Santo Graal? Onde está a Floresta de Aventura, para nós como praticantes, para nós como cultivadores? Onde está o lugar onde nós sentimos mais medo e pavor? Onde está o lugar do mistério? Está dentro de nosso coração. A prática de meditação por sua natureza nos devolve ao que vai por dentro de nosso corpo, dentro de nossa mente. A prática de plena atenção é sobre aprender morar com tudo isso.

 

(Dharma Talk do Brother Phap Hai at Deer Park Monastery during 2005).

Brother Phap Hai é professor de Dharma,  morando atualmente em Deer Park)

 

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