Sangha
Virtual
Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Cultivando as sementes da paz
Não é minha intenção te dar ideias apenas para colocar em um caderno. Ninguém pode dar a ninguém ideias sobre a paz. Ao invés disso, eu gostaria de te oferecer uma oportunidade de reconhecer as sementes de paz que já estão em todos.
Quando chove, a chuva penetra no solo. Se há chuva suficiente então todas as sementes no solo serão penetradas e terão a chance de brotar. Da mesma forma, durante uma palestra de Dharma, não precisamos fazer nada. Não precisamos tentar entender ou gravar o que está sendo dito. Apenas permitimos que a chuva penetre e repentinamente veremos que as sementes de entendimento, sabedoria e amor brotarão. As sementes de paz, alegria, felicidade e o reino de Deus já estão em você, não fora. Se você estiver procurando por Deus e acha que ele está fora de você, nunca o encontrará. Seria como a onda correndo para procurar a água – nunca a encontrará. Ela tem que voltar para o lar de si mesmo com a firme convicção que a água está dentro dela. Então há uma chance para a paz.
Quando os irmãos e irmãs de Plum Village cantam, eles não dirigem suas palavras para alguém fora deles – os Budas, um bodisatva ou um deus. Seu canto é um tipo de chuva que rega suas sementes de entendimento e paz. Quando ficamos de pé e reverenciamos em direção ao altar, não significa que o Buda ou Deus está naquela direção. Quando reverenciamos, tocamos a dimensão última em nós. Tocamos o que é bom, belo e verdadeiro. Há uma estátua do Buda no altar, mas é apenas um bloco de pedra, não é o Buda. O Buda é a capacidade de entendimento e amor que há em cada célula de nosso corpo.
O presente mais precioso que podemos oferecer ao nosso amado é a nossa energia de entendimento e amor. Se não tivermos entendimento e amor dentro de nós, não teremos nada para oferecer para outras pessoas e para o mundo. Como podemos cultivar entendimento e amor? Podemos cultivar isto quando estamos sozinhos. Estar sozinho não significa que você deva se desligar da sociedade, ir para uma montanha e viver em uma caverna. Viver sozinho significa que você é sempre você mesmo – você não se perde. Você pode sentar-se em um mercado e ainda sim estar sozinho. Você é o chefe. Não é uma vítima.
Quando você pratica caminhada em plena atenção, se concentra nos seus passos e em sua inspiração e expiração. Mesmo se estiver caminhando com duzentas ou trezentas pessoas, ainda assim está sozinho. Plena atenção e concentração estão em você, e cada respiração e cada passo nutre e te enriquece trazendo a você a energia de entendimento e amor.
Se você não for você mesmo, não poderá amar e não poderá oferecer nada. Ficar sozinho significa voltar ao lar de si mesmo, se tornar o mestre de si mesmo e não se permitir ser levado para longe. Entendimento é a fundação do amor. Se você não pode entender seu amado, não pode amá-lo.
Suponha que você não entende o sofrimento de seu amado, suas dificuldades ou suas mais profundas aspirações. Como pode dizer que o ama e o entende? Você tem que ser você mesmo e então quando olhar para ele, começará a entendê-lo. Se não for você mesmo, como poderá ouvir e ver profundamente? Quando o entendimento está presente, então o amor é possível. O amor é a água que nasce da fonte do entendimento. Uma relação tem significado apenas quando cada pessoa é si mesma. Se você e a outra pessoa estão vazios de entendimento, amor e beleza, não tem nada a oferecer um para o outro.
Amamos falar, é um prazer. Mas se não praticar a plena atenção, então você pode apenas deixar ser carregado para longe pela fala. Você não terá muito a oferecer e a outra pessoa também. Quando há algo em você que é muito precioso, você pode oferecer e compartilhar. Falar é uma maneira de oferecer e expressar a si mesmo. Mas se você tem apenas ideias vazias, não é um verdadeiro presente. Você pode ter opiniões sobre tudo, mas isso pode não ser o que a outra pessoa precisa. O que a outra pessoa precisa é seu entendimento, seu amor e seu insight – não ideias, mas uma realidade viva.
Quando você incorpora insight, compaixão e alegria, uma relação passa a ter significado. Se você conhece a arte de viver sozinho – a arte de saber como ser você mesmo e cultivar a energia da paz, entendimento e compaixão em cada momento – então sua relação se aprofundará. Isto é bem simples. Quando tiver cinco ou dez minutos livres, use-os para enriquecer a si mesmo, para se tornar mais sólido, mais livre, mais compreensivo e compassivo. Quando amamos alguém, alegria, entendimento e compaixão são as melhores ofertas que podemos fazer ao nosso amado. Se você quer ter algo para oferecer, então cultive isto através do estar sozinho.
Imagine uma árvore recebendo nutrição da Terra, da água e dos minerais. Com tudo isso, ela nutre os galhos e folhas e cria a s flores. Uma árvore tem tantas coisas para oferecer ao mundo. Se perturbarmos as raízes da árvore, de forma que não estejam em contato com o solo, a árvore não pode obter os nutrientes que precisa para fazer as flores e frutos. Cada um de nós é como uma árvore. Se não sabemos como ir para a cada dentro de nós mesmos, nos tornarmos plenamente presentes, cultivando e praticando o olhar em profundidade, então não podemos receber os nutrientes que precisamos e não teremos muito a oferecer para a pessoa que amamos.
Nosso tempo juntos é muito precioso. Queremos nos tornar um instrumento de paz para nós mesmos, para nossa família e para nossa sociedade. Mas se não formos sólidos o bastante então embora possamos praticar em retiros, não poderemos continuar a prática em casa. Há coisas que não podemos fazer juntos, mas com a comunidade, uma Sangha, fica fácil. Sozinhos tendemos a ter preguiça. Mesmo que saibamos como sentar, como ouvir ao sino e como praticar a caminhada atenta, nós não praticamos porque ninguém ao nosso redor está praticando. É por isso que a presença de uma comunidade cujos membros estejam também praticando é um grande encorajamento e apoio.
(Do livro “Peace begins here” – Thich Nhat Hanh)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)
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