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do Ven. Thich Nhat Hanh
Deixe seu orgulho ir para praticar o verdadeiro amor – O Quarto Mantra
Quando ficamos com raiva, quando sofremos, temos que aprender a admitir “Isso é raiva. Isso é sofrimento.” Então, se a outra pessoa perguntar: “Querido, você está com raiva de mim?”, temos que ter coragem de admitir: “Sim, estou com raiva de você”. Deveríamos dizer isso. Não diga algo como: “Com raiva? Não, não estou. Por que eu tenho que ficar com raiva?” Significa que não reconhecemos o que realmente está acontecendo no momento presente.
Se somos bons praticantes de mindfulness, não esperamos até que a outra pessoa nos faça esta pergunta. Deveríamos ir até a outra pessoa e dizer honestamente: “Estou com raiva. Estou com dor. Eu preciso de você.” Isso seria muito bom. Porque quando duas pessoas vivem juntas, significa que elas estão compartilhando um voto, um acordo, uma com a outra. Que é nos bons e nos maus momentos, na doença e na saúde, eles juram partilhar estes momentos lado a lado.
Portanto, nos momentos em que estamos com dor, em princípio, temos que deixar a outra pessoa saber que estamos com dor, para que a outra pessoa possa fazer algo para nos ajudar a sofrer menos. É disso que trata o quarto mantra.
O quarto mantra é: “Querido, eu sofro. Por favor me ajude." Ou “Papai, eu sofro. Por favor me ajude." Pode ser entre um casal. Pode ser entre pai e filho. Pode ser entre irmãos, por exemplo. Nesta prática, quando sofremos, temos que reconhecer sem julgar e admitir que sofremos e temos que deixar a outra pessoa saber que sofremos. Pedimos sinceramente a ajuda da outra pessoa, mesmo que acreditemos que a razão do nosso sofrimento venha dela.
Normalmente, não fazemos isso. Portanto, nossa dor e sofrimento aumentam muito rapidamente. Se for uma outra pessoa que diz isso, não sofreremos tanto, porque eles são estranhos – não são ninguém. Porém, se quem nos diz isso e quem nos faz isso é a pessoa que mais amamos neste mundo, o nosso sofrimento aumenta dez ou vinte vezes.
Por esse motivo, ficamos profundamente feridos e tendemos a retirar-nos para dentro de nós mesmos para abraçar apenas a nossa dor. Mas como não sabemos como abraçá-la, como não temos atenção plena, é apenas “a dor abraçando a dor”. Não há não há nada melhor para abraçar essa dor. Estamos sendo mastigados, roídos e corroídos pela nossa própria dor.
Se a outra pessoa vem até nós, fechamos a porta, dizendo: “Vá embora!” O que realmente queremos dizer é “eu não preciso de você”. Queremos provar que não precisamos daquela pessoa porque ela nos machucou. Ao nos ver sofrer, o outro quer vir até nós e nos consolar ou fazer algo para ajudar, mas nós o afastamos dizendo: “Vá embora. Eu não preciso de você. Deixe-me em paz.” Isso é o que a maioria de nós faz porque nosso orgulho está profundamente ferido.
No século 17, existia um jovem chamado Truong. Ele ainda era jovem, mas foi recrutado para o exército. Para cumprir o serviço militar, ele deixa a jovem esposa sozinha em casa, grávida de um bebê. Na despedida, eles choram muito. Após três anos de serviço, ele recebe baixa e volta para casa. A mãe e o filho estão se preparando para recebê-lo em casa.
É a primeira vez que o jovem pai vê o próprio filho. De acordo com os costumes tradicionais, toda a família deve colocar oferendas, ou seja, uma bandeja com a melhor comida, bebida e oferendas de flores no altar dos ancestrais para relatar a eles que a família está reunida com segurança. Então, enquanto a mulher vai ao mercado comprar ingredientes para fazer oferendas para esta cerimônia, o jovem pai quer quebrar o gelo com o menino, e tenta convencê-lo a chamá-lo de Papai.
Mas a criança recusa. A criança diz: “Você não é meu pai. Meu pai é outra pessoa. Meu pai geralmente vem todas as noites. Meu pai sempre conversa com minha mãe. Às vezes mamãe chora. Você sabe, sempre que ela se senta, ele se senta. Sempre que ela se deita, ele também se deita.” Isso é o que o garotinho diz. E quando o jovem pai ouve isso, fica extremamente ciumento, acreditando que sua esposa teve um caso na sua ausência.
Então quando a mulher – ela se chama Nam Xương, volta para casa, ele não olha mais nos olhos dela. Ele fica completamente frio porque seu coração se tornou um bloco de gelo. Quando a bandeja das ofertas já está colocada sobre o altar, ele estende uma esteira de palha, acende o incenso, reza e toca a terra três vezes, quatro vezes, diante do altar. Assim que termina sua vez, enrola a esteira de palha, não permitindo que a esposa entre e se prostre.
A jovem esposa sente muita tristeza. Ela não sabe por que o marido que, no momento anterior, era tão doce e afetuoso com ela, desde o momento em que ela voltou do mercado, tornou-se tão frio e tão descontente. Ela está magoada – seu orgulho está profundamente ferido, mas ela não pergunta por quê.
Após a cerimónia, em vez de se sentarem e fazerem a refeição em família juntos, o jovem marido sai imediatamente para um bar, para beber o dia todo, ficando no bar até altas horas da madrugada. Normalmente, quando nos machucamos assim, muitas vezes buscamos consolo – para esquecer e nos distrair da nossa dor, no álcool e nas drogas.
Ele volta às 3 da manhã. O mesmo se repete todas as noites. De manhã, ao acordar, parte imediatamente para a aldeia, permanecendo o dia todo no bar. A jovem esposa não aguenta mais. Finalmente, ela tira a própria vida pulando de cabeça em um rio. Somente ao saber da notícia da morte da esposa é que o jovem volta para casa para cuidar da criança inocente.
Aquela noite, quando o lampião de querosene está aceso, de repente, o garotinho exclama: “Olha, este é o meu pai! Este é meu pai!” E ele aponta para a sombra de seu pai na parede. Na casa acende-se o lampião de querosene, usando óleo de parafina. “Você sabe, todas as noites meu pai sempre vinha e minha mãe ficava conversando com meu pai a noite toda.”
O fato é que enquanto o homem estava fora, em casa, às vezes a criança perguntava: “Mãe, por que todos os meus amigos da vizinhança têm pai e eu não?” Então a mãe dele teve que apontar para a própria sombra na parede, proclamando: “É o seu pai. Diga oi para o papai.” Então o pequeno sempre pensa que aquela sombra é o pai dele.
Todas as noites, sem falta, a jovem casada conversava com sua própria sombra. “Querido, onde você esteve? Estou aqui sozinha, como posso criar nosso filho sozinha?” Cada vez que ela terminava de dizer isso, chorava e chorava. E a criança captou todas essas imagens e todos esses sons. E claro, quando a mulher se senta, a sombra se senta. Quando a mulher se deita, a sombra também se deita. Neste momento, Truong começa a perceber que não há uma terceira pessoa em seu casamento, mas já é tarde demais.
Bem, a sua esposa já está morta, só há arrependimento agora. Não há nada que ele possa fazer agora para reverter a situação. Os aldeões, ao saberem da notícia, ficam com tanta compaixão pelo rapaz que fazem um funeral para ela. Em seguida, doam dinheiro para a construção de um pequeno santuário em sua memória, que ainda pode ser encontrado às margens do rio. Se formos ao Vietnã, veremos este santuário – ele ainda está lá. “Nuvens ondulantes de fumaça de incenso emanando do fim das corredeiras, Da tumba de alguém. Provavelmente da esposa do Sr. Truong.” Estes versos são de autoria do Imperador Lê Thánh Tông da era Le.
O mesmo acontece conosco. Sempre que temos o orgulho ferido, abraçamos as nossas feridas sozinhos. Nós queremos sofrer sozinhos. Como nos sentimos ofendidos, nossos sentimentos estão feridos. Em princípio, se duas pessoas se amam verdadeiramente, em tempos de dor e sofrimento, devem ir até a outra pessoa e lamentar, e pedir-lhe sinceramente a sua ajuda.
O homem deveria ir até a mulher. Ele poderia dizer algo assim: “Minha querida, você não sabe, estou sofrendo muito. Nosso filho disse que quando eu estava fora, havia um homem que vinha todas as noites sem falta. Nosso filho disse que sempre que você se sentava aquele homem também se sentava. E você conversou com ele todas as noites. Às vezes você até chorava com ele. Quem é essa pessoa? Você pode me dizer, por favor? Por que você faz isso comigo? Você pode me explicar?“ Se o homem dissesse algo assim, a mulher já teria tido a chance de esvaziar o coração, e a felicidade deles teria sido conservada.
Mas o homem não fez isso. O homem tinha uma percepção muito errada e, agarrando-se a essa percepção errada, acreditou que era a verdade. Ele sofreu sozinho e finalmente se viu nesta tragédia. Por quê? É por causa do orgulho. O orgulho é muito grande e nos impede de ir até a outra pessoa. Em vez de dizer “Meu querido, sofro muito. Por favor, me ajude”, dizemos: “Eu sofrendo? Por que eu tenho que sofrer?”
Deveríamos saber que nosso orgulho muitas vezes joga conosco os jogos mais cruéis. Quando amamos alguém, devemos saber que devemos aprender a abandonar nosso orgulho. Quando estivermos com dor e sofrimento, devemos ir até a outra pessoa, pedindo sinceramente sua ajuda. Esta é a lição da nossa vida.
Bem, você vê que acontece o mesmo com a jovem Nam Xuong. A jovem sofreu muito, mas nunca se aproximou da outra pessoa e lamentou, então acabou se matando ao pular de cabeça no rio. A jovem poderia ter ido até o marido dizendo: “Querido, por quê? Por que você me trata assim? Por que você não me olha nos olhos? Por que você não fala comigo? Desde o momento em que voltei do mercado para me preparar para a cerimônia até hoje, já se passaram três dias que você nem olhou para mim. Você nem falou comigo. O que eu fiz para merecer ser tratada tão mal?”
A mulher não fez isso. Se ela tivesse feito isso, o homem poderia ter tido a chance de se explicar. “Primeiro, você tem que me dizer quem é aquele homem que vem aqui todas as noites? Quem é essa pessoa? Nosso filho me contou tudo. Estou sofrendo muito.” Então a mulher teria tido a oportunidade de dizer: “De que homem você está falando? Querido, é apenas minha própria sombra na parede.” Isso é tudo o que é preciso para evitar que uma tragédia aconteça.
É por isso que se convivemos uns com os outros, quando temos dores e tristezas e acreditamos que essas dores são causadas pela outra pessoa, não nos comportemos como o Sr. Truong fez ou como Nam Xương fez. Deveríamos nos comportar de acordo com as práticas que o Buda ensinou. Tenha a coragem de admitir: “Estou com dor e estou acreditando que a causa do meu sofrimento é essa.” Devemos ir até a outra pessoa, compartilhar com ela tudo o que está em nossos corações e pedir-lhe sinceramente a sua ajuda.
Portanto, o quarto mantra é um mantra que você deve aprender de cor. Sempre que você se encontrar em uma situação que te faça sofrer, e acreditar que essa dor, ou esse sofrimento, é causado pela pessoa que você mais ama em sua vida, pegue esse mantra e pratique-o.
“Querido, estou com muita dor. Por que você disse algo assim? Por que você fez algo assim? Por favor, explique-me. Eu preciso de você." Essa é outra versão do quarto mantra: “Querido, eu sofro, por favor, ajude”. Você tem que aprender de cor. Apenas algumas palavras e da próxima vez, se você se encontrar em tal situação, saiba que suas mãos não estão atadas, você não precisa se submeter à dor. Em vez disso, pratique este quarto mantra.
(Palestra de Darma: em 24 de julho de 1997– transcrito do vídeo do YouTube
https://youtu.be/0Y2HFdRqpSM)
Traduzido por Leonardo Dobbin)
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