Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Encontre sua felicidade

 

Querido Thây, querida Sanga,

Quando você sabe olhar para si mesmo, você é um felizardo. Sofremos, na maioria das vezes, porque não nos vemos. Ao entrar em contato consigo mesmo você, simultaneamente, entra em contato com sua felicidade. Mesmo se estiver em dificuldade, tendo alguma dificuldade, no momento em que você consegue se ver, já consegue sorrir. Às vezes conseguimos sorrir para a nossa dificuldade e compreendê-la. “Ser capaz de se ver” significa que você olha sua dificuldade, consegue sorrir para ela e para você mesmo. Quem é você? Como poderia se descobrir? Você deve ter uma idéia de si mesmo: “eu sou desse jeito, sou daquele jeito”. E quando está atado àquela idéia sobre si mesmo, quando está apegado àquela idéia, você pode perder a chance de realmente se ver; porque você é um ser vivo maravilhoso.

 

Mesmo tendo algum sofrimento em você, você continua sendo um maravilhoso ser vivo. Todo dia, todo dia, você é uma manifestação maravilhosa e nova. Você nunca é o mesmo. Você sempre é uma nova manifestação. Toda manhã ao se acordar, você abre a porta, olha lá fora e vê uma manhã maravilhosa, completamente nova, e você deveria saber que também está completamente renovado. Você pode sorrir para a manhã e pode sorrir para si mesmo. Como você poderia descobrir-se? Como poderia ver-se? Onde poderia encontrar-se? Eu pergunto.

 

Se você souber onde se encontrar, ao mesmo tempo, você saberá onde encontrar felicidade, a sua felicidade. Portanto, ver-se, descobrir-se é maravilhoso. Viver em ignorância significa que você não é capaz de ver-se, você não é capaz de encontrar-se. Viver em ignorância significa viver com uma idéia de que “eu sou assim”, e você não está livre desta idéia sobre si mesmo. Você não sabe quem você é. Às vezes temos a idéia “eu quero me tornar àquela pessoa; eu quero me tornar outra pessoa.” Isto se dá porque você não se conhece. Por isso você quer ser outra pessoa. Você não sabe o quão maravilhoso é, por isso quer se tornar outro alguém.

 

Você é tão bonito quanto esta flor.[Ele toca delicadamente uma rosa amarela]. E se você olhar para a flor com a idéia de que “eu já conheço esta flor; é a mesma flor que vi há dez anos”, significa que você não vê a flor, você não enxerga quão bela a flor é. A flor está se manifestando como uma flor completamente nova para você descobrir, para você desfrutar, para você ver. E você tem a idéia “eu já conheço esta flor; é uma rosa”. Isto significa que você não enxerga a flor.

 

O mesmo se dá com você. Se você diz: “eu já me conheço”, você não se ver. “Eu me conheço, eu sei quem eu sou; sei como estou.” Para mim, isto significa que você não se conhece. Praticar é ser capaz de ver-se, encontrar-se, descobrir-se, desfrutar-se. E na minha experiência, toda vez que você consegue ver-se, você consegue sorrir. Toda vez que consegue voltar-se para dentro de si, ver a si mesmo, você consegue sorrir. Você é uma pessoa feliz se conseguir compreender-se. [O sino é convidado a soar]

 

Onde você poderia se encontrar? Nosso professor disse que “o eu inexiste”. Então talvez você não precise responder à pergunta “onde posso me encontrar?” porque o eu não existe. De fato, você não consegue entender o ensinamento da inexistência do eu autônomo sem se conhecer, sendo incapaz de se ver. Não há como entender o ensinamento da inexistência do eu autônomo. Para entender nosso professor, para entender o ensinamento dele você precisa ser capaz de se ver, e quando você se vê, fica muito feliz. Talvez esta seja o tipo de felicidade que você conhece e se esqueceu por muito tempo, porque esteve sempre procurando por outra coisa na sua vida. Você está procurando por algum tipo de felicidade que sonha. E por muito tempo se esqueceu da felicidade profunda que é descobrir o seu verdadeiro eu.

 

Onde você poderia encontrar-se? Primeiramente, você pode se encontrar no seu corpo. [Ele escreve no quadro: 1. Corpo] Este é o primeiro lugar onde você pode se achar: neste corpo. A prática da consciência plena é a prática de retornar a este corpo. Se você tem praticado o treinamento da consciência plena, por exemplo, se pratica andando “estou andando e sei que estou andando”; você tem a chance de se ver. Havia um homem com setenta e cinco anos de idade que nunca tinha se encontrado no corpo dele. Ele esteve sempre procurado por outra coisa na vida. Ele trabalhava muito para a sua família e sociedade, e nos disse que já tinha vivido a vida... Aos setenta e cinco anos ele encontrou um sofrimento muito grande, imenso. Ele teve um conflito com a filha e ela proibiu que ele continuasse na sua casa. Ela chamou a polícia e mandou que ele saísse da casa. Ele sofreu tanto. E então, ele veio para Plum Village para tomar refúgio na Sangha. É maravilhoso ter uma Sangha para tomar refúgio quando você sofre.

 

Em Plum Village, ele foi capaz de entrar em contato com a prática e aprendeu a meditação caminhando. “Inspirando, eu dou passos”. Ando de um modo tal, que é como se os meus pés estivessem beijando a terra. E ele começou a praticar, e nesta prática foi capaz de voltar-se para dentro de si. E ele me disse ter sido esta a primeira vez que ele entrou em contato com a sua felicidade profunda; o tipo mais profundo de felicidade. Ele disse: “Irmão Pháp Dung é maravilhoso! Eu consigo me voltar para dentro de mim e cada passo é tão maravilhoso!”

 

O sofrimento ainda estava lá dentro dele, a raiva ainda estava lá dentro dele, mas ele tinha a prática de voltar-se para dentro de si, e quando você é capaz de se ver, mesmo que esteja em dificuldade você é uma pessoa feliz. Então, se você procura por si mesmo, comece pelo seu corpo. No seu corpo você pode se achar. Se você precisa encontrar Buda, encontre dentro de si. Se você precisa encontrar o seu amado, encontre dentro de si. E o seu eu está lá no seu corpo, muito concreto, muito sólido.

 

O seu corpo está dizendo muito sobre você. Seu corpo está lhe dizendo o que você come todo dia. Quando você é capaz de voltar-se para dentro de si, você sabe o que esteve comendo ontem e o que está comendo hoje. Porque o seu corpo é o resultado da comida que você consome. Seu corpo diz muito da sua felicidade e do seu sofrimento. E quando você é capaz de voltar para o seu corpo, deixa de viver em ignorância. Você conhece a situação do seu corpo, você se conhece, e consegue se compreender. Quando você é capaz de voltar-se para dentro de si, você consegue ver claramente a comida que consome todo dia, porque a comida que você come é também parte do seu corpo. Ela ajuda você a se renovar todo dia. Você é um ser humano vivo. Você é um ser humano vivo. Isto significa que você está consumindo alimento, o seu corpo está consumindo alimento e ar.

 

O ar que você respira é um tipo de alimento. Se não existir ar dentro de você, você deixa de existir, finda a sua manifestação nesta forma. Quando você se volta para dentro de si descobre a qualidade do ar que está inspirando. E o ar que você está inspirando é maravilhoso! O ar que você está respirando é maravilhoso! O ar em Plum Village é tão puro, tão maravilhoso! E você fica feliz quando descobre que tem ar puro para inspirar. Esta é sua felicidade. Esta é sua felicidade.

 

E o alimento que você come… Quando você come um pedaço de cenoura, sabe que aquilo é uma cenoura; um alimento saudável que nutre o seu corpo. E comer se torna uma prática muito prazerosa que nutre o seu corpo e lhe nutre. Quando a comida não é muito saudável, está muito açucarada, você sabe, “esta comida não é muito saudável, tem açúcar em demasia”. Quando você sabe disto, sabe o que fazer. Você pode comer menos ou optar por recusá-la. “Eu não vou comer isto”. Isto significa ver-se no seu corpo. Isto significa conhecer-se no seu corpo. Quando você conhece a si mesmo, além de ser capaz de tocar sua felicidade, sua felicidade mais profunda, simultaneamente você entra em contato com um tipo de poder. Você se torna uma pessoa muito poderosa, quando é capaz de voltar-se para dentro de si. Você deixa de ser uma pessoa cheia de medo, frágil, buscando ajuda externamente. Você se torna poderoso; entra em contato com um tipo de poder dentro de si. Isto é muito claro.

 

Porque a pessoa que é capaz de se ver, a pessoa que é capaz de cuidar bem de si mesma é uma pessoa poderosa. Ninguém sabe cuidar bem de você senão você mesmo. Se você ama o seu filho, a sua filha, ensine a ele, ensine a ela a cuidar bem de si mesmo. Este é o melhor presente que você pode oferecer a quem ama. Enquanto mãe, que ama o seu filho, você quer fazer tudo por ele. Mas se você é uma mãe com insight, sabedoria, você ensina o seu filho ou a sua filha a cuidar bem de si mesmo. Vendo o alimento… Se você não for capaz de voltar-se para o seu corpo, para si mesmo no seu corpo, não será capaz de ver a comida que você come, consome.

 

Isto é bom para mim? É saudável ou prejudicial pra mim? [Ele escreve no quadro: alimento, saudável e prejudicial] Você é uma pessoa forte se consegue responder esta questão para si mesma. Só você pode melhor saber isto. Desfrute da sua saúde e sorria para sua saúde. Se você estiver doente, se estiver com alguma doença, mas for capaz de cuidar bem da sua saúde, ainda conseguirá sorrir mesmo estando com alguma doença. De tempos em tempos nós adoecemos, mas se você souber cuidar bem de si mesmo, souber como voltar-se para cuidar bem de si, você não terá tanto medo da doença. Nós temos muito medo da doença porque nos sentimos impotentes. Sentimo-nos impotentes. Mas, de fato, temos um tipo de poder dentro de nós para cuidar bem de nós mesmos, do nosso corpo, e isto é algo que você pode fazer todo dia.

 

Você pode aprender muito com o seu corpo. Uma determinada pessoa pode dizer “isto é bom pra você, coma, é bom pra você!” Pode ser bom para aquela pessoa, mas não para você. E você precisa aprender a conhecer o seu copo, e o seu corpo todo dia é uma nova manifestação. Ao comer você aprende sobre o seu corpo, escutando como o seu corpo está aceitando a comida, e como o seu corpo está digerindo a comida. Quando você vai à privada, continua aprendendo sobre o seu corpo; como está o resultado daquela digestão. Ir à privada é uma prática muito profunda. É uma prática de voltar-se para dentro de si e aprender. Você entende sobre si mesmo.

 

Existe outro lugar onde você pode se voltar dentro de si, onde você pode se encontrar, que são os seus sentimentos. [Escreve no quadro: 2. Sentimentos] Você pode se encontrar nos seus sentimentos. Temos sentimentos agradáveis, felizes. Talvez tenhamos nos esquecido que a alegria existe dentro de nós todo dia. Está lá dentro de nós todo dia. Mesmo se estiver doente, tido um dia ruim, o sentimento de alegria está lá ao seu dispor naquele dia. Se estiver consigo, você sempre terá diariamente a chance de entrar em contato com o seu sentimento de alegria, e sua alegria é você. É uma nova manifestação do seu eu. Todo dia você tem a chance de dizer “este é o meu sentimento de alegria”. “Olá alegria!” E sabe de uma coisa? Isto não é algo repetitivo. Não é algo que se repete. Não é algo que você já conhece. É algo inteiramente novo. Seu sentimento de alegria é algo totalmente novo para você descobrir. É maravilhoso descobrir o seu sentimento de alegria, você sabe o quão feliz pode ser.

 

Se num dia você conseguir viver profundamente um minuto com alegria, você já ganhou o dia, aquele dia já foi digno de ser vivido, mesmo se durar só um minuto. Sentimento de felicidade. Você entra em contato com o seu sentimento de alegria para saber que “a felicidade existe em mim”. “Tenho felicidade dentro de mim. Tenho felicidade em mim todo dia, todo dia”. Isto é verdade para mim e cada um de vocês. A prática é para você desfrutar, descobrir, o verdadeiro valor do seu eu, do seu verdadeiro eu. Sabendo claramente quem você é, e conhecendo você com clareza, poderá entender o ensinamento da inexistência do eu autônomo. Porque, todo dia, você é uma nova manifestação, e o seu sentimento de alegria é uma manifestação totalmente nova. Todo dia você pode aprender, voltar-se para seus sentimentos e descobrir: “esta é a minha nova manifestação, este é o meu sentimento de alegria”. Você não precisa se agarrar àquele sentimento. Ele existe para você desfrutá-lo.

 

A flor existe para você apreciá-la. Você não precisa se grudar à flor. Existem aqueles entre nós que têm medo de perder, que têm o hábito de se agarrar à felicidade. Temos o hábito de nos agarrar à felicidade, porque não sabemos que a felicidade existe dentro de nós, e ela se renova a cada dia. Então, quando ela vier e for, tudo bem; ela voltará noutra forma completamente nova. E ela está ali para você todo dia, para você descobrir o seu sentimento de alegria numa forma completamente nova. Um sentimento não se repete. Então você não pode dizer “eu já conheço o meu sentimento de alegria”. Você não pode dizer isto, se for um praticante. Não pode dizer “Já me conheço”. “Já conheço o meu corpo”. “Já conheço os meus sentimentos”. Você não pode dizer isto. Se conhecer a si mesmo, se souber entrar em contato consigo mesmo, não poderá dizer: “eu já me conheço”.

 

Então como poderia dizer “eu conheço você”. Você não pode dizer isto para outra pessoa “eu lhe conheço”. É melhor dizer “eu quero aprender a lhe conhecer”. “Meu bom amigo, existem tantas coisas maravilhosas em você que quero descobrir”. É melhor assim. Soa melhor. O mesmo se dá com relação a você. Você é o seu bom amigo. Então não pode dizer “eu me conheço”. É melhor dizer “quero aprender a me conhecer”. Existem muitas coisas maravilhosas em mim e quero aprender a me conhecer melhor. E uma das coisas que você pode descobrir todo dia, que você pode desfrutar todo dia é o seu sentimento de alegria.

 

Você tem sentimento de alegria dentro de si. Ele se manifesta em você todo dia para você descobri-lo, e às vezes não vemos isto. Que pena! Às vezes não vemos isto. Às vezes vejo pessoas praticando de forma muito árdua, muito séria, muito dura, para entrar em contato com algum tipo de iluminação. E quando praticam tão exaustivamente elas não conseguem sorrir, pois têm uma idéia da iluminação, têm idéias sobre elas mesmas: “Eu sou assim e quero me tornar uma pessoa iluminada”. Por isso, elas praticam duramente. Você não deve praticar exaustivamente. Se for um bom praticante não deve praticar rigidamente. Se praticar exaustivamente, você não é um bom praticante. Porque praticar não é lutar por algo para ser algo. Praticar é retornar, é parar, é voltar-se para dentro de si e descobrir. E se conseguir voltar-se para dentro de si, poderá descobrir que tem sentimento de alegria, e pode sorrir, e o sorriso no seu rosto é outra linda manifestação.

 

Você é uma linda manifestação. Portanto, todo dia você pode sorrir. Se num único dia você não tiver sorrido, neste dia, você não praticou; você não viveu sua vida. Se não tiver sorrido em um único dia, você não praticou naquele único dia. Fica muito claro. Praticar, portanto, não é algo que você tem que praticar dez, vinte anos para entrar em contato com a felicidade, com a iluminação. Praticar é ser capaz de sorrir, um sorriso iluminado por causa da sua prática. Você descobre a sua alegria e também descobre a sua tristeza.

 

Você acha que conhece seu sentimento de tristeza? Não, não o conhece. Se sempre quisermos ser alegres é porque não conhecemos realmente a nossa tristeza, não sabemos realmente o que podemos aprender com a nossa infelicidade. Não sabemos realmente o que podemos aprender com o nosso próprio sofrimento. O seu sofrimento é uma jóia. Você pode aprender tanto com o seu sofrimento. O seu sofrimento também tem a capacidade de se renovar a cada dia para lhe ensinar algo, para lhe mostrar algo para você aprender algo.

 

E o seu sofrimento se manifesta, muito freqüentemente, na forma de sentimento de infelicidade. Se você for capaz de estar em contato consigo mesmo na forma de sentimento de infelicidade, será capaz de largar o medo do sofrimento, o medo de sofrer. Você compreenderá que o sofrimento também é você. O seu sofrimento também é você. Toda vez que vir o sofrimento se manifestando dentro de si, diga “olá, meu sofrimento!” “Olá, meu bom amigo! O que você está tentando me dizer? Por favor, diga-me. Estou pronto para lhe ouvir.” E às vezes você precisa praticar o ouvir profundamente para entender o seu sofrimento. Feche as portas. Volte para dentro de si, para sentar-se com o seu sofrimento, tornar-se muito calmo. Precisamos aprender a sentar com o nosso próprio sofrimento. O momento em que você consegue sentar-se com o seu sofrimento é um momento que você pode tocar um tipo de felicidade. Porque já é uma felicidade ser capaz de sentar-se com o seu sofrimento.

 

(palestra proferida pelo Mestre Pháp Dung, no dia 18 de dezembro de 2008 em Upper Hamlet, Plum Village)

(Traduzido por Maria Goretti)

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