Sangha
Virtual
Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
A Energia do Hábito
Suponha que temos o hábito de caminhar muito rapidamente, muito rápido. De repente, quando chegamos a Plum Village, somos convidados a desacelerar. Achamos que não é agradável. Uma vez que todos estão andando devagar, você tem que diminuir o ritmo e não se sente feliz. Portanto, sua prática é o motivo de seu sofrimento. Caminhe lentamente, sim, mas ande de tal maneira que te faça feliz, relaxado e calmo, este é o ponto. Temos que perguntar como caminhar lentamente e ainda assim não sofrer, desfrutando da caminhada. Portanto, isto requer algum conhecimento, alguma ideia, alguma prática para poder desfrutar da meditação andando.
Você está diante de uma espécie de hábito, o hábito de caminhar muito rapidamente, correndo. Esse hábito está enraizado profundamente em nossa vida diária. Talvez nossos ancestrais costumassem caminhar muito rapidamente e nos transmitiram essa maneira de caminhar.
Talvez muitas gerações acreditassem que a felicidade está em algum lugar lá no futuro. Temos que ir para esse lugar a fim de sermos felizes. A felicidade não é possível agora, aqui. Esse tipo de crença, consciente ou inconsciente, tornou-se muito forte em nós. Acreditamos que a felicidade é impossível aqui e agora. É por isso que existe um tipo de energia nos empurrando para correr, correr por toda a nossa vida, em busca de um tempo, um lugar, quando a felicidade será possível.
Assim, como entendemos que fomos pegos nesse tipo de hábito, sempre correndo, estamos determinados a parar, para transformar esse hábito e aprendermos como dar passos que possam nos permitir tocar a vida profundamente em cada momento. Com esse tipo de aprendizado e prática, seremos capaz de andar mais devagar e vamos começar a desfrutar do toque da terra com nossos pés, combinando os nossos passos com a nossa inspiração e expiração. Nós apenas nos sentimos maravilhosos ao andar assim, andando sem qualquer intenção de chegar. Isso é novo para nós. Temos que aprender a desenvolver o novo hábito. E à medida adquirimos a energia do novo hábito, vamos passar a desfrutar de um passeio.
Assim, a prática é reconhecer o velho hábito, o hábito negativo, o mau hábito, reconhecer a energia de nossos hábitos e sorrir para eles. E também cultivar o hábito novo, o bom hábito, até que o novo hábito começe a produzir energia. Quando temos um novo tipo de energia, não temos que fazer qualquer esforço, apenas desfrutaremos ouvir o sino, apenas desfrutamos o caminhar lentamente, apenas desfrutamos o comer em silêncio, porque gostamos disso. De repente, a prática torna-se agradável, alegre, nutritiva.
Seria absurdo se nós seguíssemos uma prática que nos faz sofrer. O Buda sempre nos lembra de seu Dharma, sua prática deve ser agradável no começo, no meio, no final. Assim, a prática deve ser linda, deve ser agradável, deve ser alegre, se você está sentado ou em pé, comendo ou bebendo. se você está cozinhando ou limpando. Cozinhar e limpar devem ser feitos de tal forma que possam lhe proporcionar paz, alegria e nutrição.
Nós sabemos o quão forte, quão poderosa é a energia de hábito. Notamos que há momentos em que não somos nós mesmos, não podemos ser nós mesmos. Somos levados pela nossa energia de hábito. Não queríamos dizer o que dissemos, sabíamos que fazendo isso iríamos criar danos em nosso relacionamento com a outra pessoa. Mas, finalmente, dissemos. Nós sabíamos que não deveríamos fazê-lo. Sabíamos que se fôssemos em frente criaríamos danos em nosso relacionamento. Mas, finalmente, fizemos. Dissemos que era mais forte do que nós. O que era mais forte? A energia de hábito. Por isso sentimo-nos impotentes. Nós nos sentimos muito fracos de forma que não podemos lidar com a força do hábito que é muito forte.
E depois de ter dito aquilo, depois de ter feito aquilo, lamentamos. Nós sentimos muito, nos condenamos. Às vezes, fazemos uma forte promessa que da próxima vez não vamos fazer novamente. Não vamos dizer outra vez. Mas na vez seguinte, fazemos de novo, dizemos outra vez. A energia de hábito é muito forte. É por isso que temos de ser capazes de praticar para aprender formas de lidar com essa energia de hábito, a fim de transformá-la.
O Buda não recomenda lutar contra sua energia de hábito. Ele recomendou a prática de reconhecer esses hábitos. A prática de reconhecer, se a incluirmos em nossa prática diária, irá tornar-se um outro tipo de hábito, um bom hábito. Você é capaz de reconhecer tudo o que está acontecendo dentro de si mesmo, incluindo a energia de hábito que você considera ser mais forte do que você. Reconhecendo assim, não significa que você tem que sofrer porque tem esse hábito, pois esse hábito pode não ter sido aprendido durante a sua vida. Pode ser um tipo de energia de hábito transmitida por várias gerações de seus antepassados e você só a recebeu. Você tem que reconhecer que ela está presente e tentar transformá-la para si mesmo, para seus pais e para seus antepassados.
Cerca de dez anos atrás, visitei vários estados da Índia para oferecer retiros e palestras de Dharma para as comunidades da sociedade Ambedkar, composta pelos ex-intocáveis. Um amigo dessa comunidade me ajudou a organizar a minha turnê. Um dia eu estava sentado com ele em um ônibus e estava curtindo muito a paisagem do lado de fora. Estava muito feliz por estar na Índia, oferecer retiros e palestras de Dharma e poder desfrutar das pessoas e da paisagem. Quando eu olhei para ele, que estava sentado à minha direita, percebi que não estava relaxado. Ele estava muito tenso. Ele tinha a energia de hábito de se preocupar muito.
Eu sabia que ele estava tentando o máximo para fazer a minha viagem agradável, então eu lhe disse: "Meu querido amigo, eu sei que você está tentando muito fazer minha visita agradável, mas eu gostaria de dizer-lhe que estou muito feliz agora, é muito agradável sentar-me aqui, eu estou desfrutando muito disso, por que você não se senta e se diverte também? Não há nada para se preocupar agora. " Ele disse, "OK" e se sentou novamente. Eu continuei a apreciar as palmeiras e outras coisas e poucos minutos mais tarde, eu me virei e olhei e ele estava exatamente como antes, muito tenso, muito rígido.
Eu sei que não é fácil. Quando se pertence a uma casta discriminadas por quatro mil, cinco mil anos, você tem que lutar dia e noite. O hábito de lutar dia e noite estava lá no fundo dele. Ele havia sido transmitido por várias gerações de antepassados.
Lá está ele com sua forte energia de hábito, lutando dia e noite, não sendo capaz de relaxar por um segundo, por um minuto. Claro que podemos ajudá-lo a relaxar, e entender que não há nada para se preocupar, que é possível aproveitar a vida no momento presente.
Ele é perfeitamente capaz de entender isso e praticar, mas não dura. Em apenas alguns segundos ele se permite ser pego novamente por essa forte energia hábito. Portanto, não faz sentido culpar a si mesmo porque você tem essa energia hábito. Você sabe que essa energia hábito não é algo que você criou para si mesmo, ela tem sido transmitida. Você reconhece seus antepassados que sofreram. Você sabe que agora tem uma oportunidade de transformar essa energia para si, para os seus antepassados e para os seus filhos.
Também cerca de dez anos atrás, havia um jovem que veio da América do Norte para Upper Hamlet para praticar e ficou duas, três semanas conosco muito feliz. Ele estava cercado por irmãos e irmãs que sempre praticaram a meditação andando, meditação sentada, trabalho na cozinha com atenção plena, e assim por diante. Um dia, ele foi convidado por amigos para ir ao mercado em St. Foy La Grande para fazer algumas compras, porque era Dia de Ação de Graças e todo mundo foi convidado a fazer um prato, cozinhar algo especial do seu país, para oferecer aos nossos antepassados. Os chineses iriam cozinhar um prato chinês, os holandeses iriam oferecer um prato holandês, e assim por diante. Ele estava fazendo algo com os outros americanos então ele foi para St. Foy La Grande fazer compras.
Enquanto comprava percebeu que ficou agitado, que estava ficando apressado. Ele ficou surpreso, porque durante a sua estada de três semanas em Plum Village nunca havia se comportado assim. Ele estava cercado pela Sangha, e sempre foi consciente e pacífico. A energia da sanga o ajudou a se manter consciente e pacífico, mas nesse momento ele estava sozinho. De repente, sem a Sangha a sua volta a velha energia hábito surgiu. Como ele tinha praticado por três semanas, tinha também um outro tipo de energia, a energia de plena consciência. Ele era capaz de reconhecer a vinda do velho hábito. Ele também viu que tinha herdado o hábito de sua mãe, porque ela sempre foi assim, sempre estava com pressa.
Então ele respirou e disse: "Olá, mamãe". De repente, a energia de hábito não estava mais presente. Ao reconhecê-la, a energia vai perder o seu poder sobre você. Ele vai voltar para a profundidade de sua consciência, em seu corpo, à espera de circunstâncias adequadas para se manifestar novamente. Ele apenas respirou e disse: "Olá, mamãe", reconhecendo o hábito como era. "Minha mãe é sempre assim." Então, ele ficou livre do hábito durante a prática de inspirar e expirar. Ele sabia que sem a Sangha em volta, ainda estava fraco e tentou seguir sua respiração conscientemente. Ele terminou suas compras e vei nos contar a história.
Você pode reconhecer a sua energia de hábito, porque tem a energia de plena consciência, um tipo de energia dentro de você que faz o trabalho de reconhecimento. Plena consciência é a energia que é capaz de reconhecer o que está acontecendo no momento presente. Quando você bebe, sabe que você está bebendo. Quando você respira e sabe que está respirando, a energia da consciência está presente. Nós chamamos isso de plena consciência da respiração - Anapanasati. Quando você anda, e sabe que está andando, a plena atenção está lá. É a chamada atenção ao andar.
Quando você come e sabe que está comendo, que está mastigando, então a plena atenção está presente, chamamos isso de plena consciência de comer. Tentamos estar conscientes em cada ato que fazemos, em cada momento da nossa vida diária e essa é a melhor maneira de cultivar o segundo tipo de energia, a energia de plena consciência, de plena atenção.
(Do livro de Thich Nhat Hanh - "Good Citzens” - Tradução Leonardo Dobbin)
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