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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Equanimidade: A sabedoria da não discriminação
Olhe meus dois braços. Meu braço direito pode fazer caligrafia, escreveu centenas de poemas, pode convidar o sino. No entanto, minha mão direita nunca está orgulhosa de si mesma. Minha mão direita nunca dirá à esquerda: "Você não serve para nada. Você não escreve nenhum poema, não pratica caligrafia." Por quê? Porque na minha mão direita há a sabedoria da equanimidade, "upeksha". Ela sabe que é a mão esquerda ao mesmo tempo e se comporta de acordo com essa sabedoria.
Um dia eu estava usando minha mão esquerda para segurar um prego, eu queria pendurar algo na parede. Minha mão direita estava usando o martelo. Naquele dia, não sei por que não foi tão hábil e em vez de bater o prego, bateu no meu dedo. No momento em que cometeu o erro e criou sofrimento, ela largou o martelo e tomou cuidado imediatamente. Não precisava dizer: "Sinto muito". Mas o modo como se comporta é perfeito. Ela considera a mão esquerda como ela mesma. Não há distinção disso. "Você sabe, eu sou a mão direita. Estou cuidando de você, mão esquerda. Você tem que se lembrar disso! "
Então, ela pratica o vazio de amar, o vazio de transmitir de uma forma muito perfeita. Nós sabemos que em nosso corpo, em nossa consciência, existe aquela sabedoria que chamamos de "a sabedoria do não- discriminação. " O termo sânscrito é nirvikalpajnana, a sabedoria da não discriminação. Nós a possuímos, temos essa semente de sabedoria dentro de nosso corpo, dentro de nossa consciência. Nós podemos desenvolvê-la, a fim de ter a sua orientação em nossa vida diária.
Nós temos que tratar nosso parceiro, a nossa mãe, nossos filhos, nós temos que tratar outros grupos exatamente da mesma maneira. Os hindus deveriam tratar os muçulmanos dessa forma; os muçulmanos deveriam tratar os hindus dessa maneira. Os brancos deveriam tratar os negros dessa maneira; os negros deveriam tratar os brancos dessa forma. Israelenses e palestinos eles deveriam olhar uns para os outros como a mão direita e esquerda. Somente a sabedoria da não discriminação pode trazer paz verdadeira, amor verdadeiro e ajudará a remover o medo.
Não creio que a mão direita tenha medo da mão esquerda e que a mão esquerda tenha medo da mão direita, porque ambas têm a sabedoria da não discriminação. Elas sabem que pertencem uma a outra; elas estão dentro uma da outra. Tudo o que acontece com a mão direita acontecerá com a mão esquerda. O sofrimento de um dedo é preocupação de todos os dedos. É assim que temos de treinar a nós mesmos.
Atenção plena, olhar profundamente é a única maneira de tocarmos a natureza do interser que pode tornar manifesta a sabedoria da não-discriminação. Se agirmos, se amarmos, se dermos de acordo com este espírito de não discriminação, só podemos criar felicidade e bem-estar.
Lembro-me de que, há 15 anos, tive a primeira chance de provar um biscoito de manteiga de amendoim. Foi no centro Zen em Tassajara. Gostei muito. Aprendi que para fazer biscoitos de manteiga de amendoim temos que preparar a massa e antes de colocar os biscoitos no forno, temos que separar para fazer biscoitos individuais. Mas quando os biscoitos vão para o forno, eles começam a discriminar uns aos outros, empurram um ao outro um pouco para o outro lado, "Deixe-me ficar na posição central!" "Você é feio!" "Você não é morena, linda como eu!" "Você não merece aquele lugar!" E então a discriminação começa a acontecer, e também a guerra e o sofrimento. Eles não sabem que são um. É basicamente assim que lidamos uns com os outros,
Como não sabemos como tocar nossa base de existência, perdemos nossa sabedoria de não discriminação. Quando falei com vocês sobre os Quatro Elementos do Amor Verdadeiro, não falei muito sobre Upeksha [não discriminação], porque Upeksha é difícil. Upeksha vem depois de Mudita [alegria] depois de Karuna [compaixão] e depois de Maitri [bondade, amizade].
O primeiro elemento do amor verdadeiro é Maitri, a capacidade de oferecer alegria e felicidade. Karuna, a capacidade de remover a dor, a tristeza e transformá-las. E alegria [Mudita] - O verdadeiro amor deve ser capaz de nos dar alegria. Quando choramos o dia todo, a noite toda, sabemos que nosso amor não é amor verdadeiro. Finalmente, o quarto elemento do amor verdadeiro é Upeksha. Isso é traduzido como "equanimidade". Equanimidade é exatamente a sabedoria da não discriminação. Quando você é um verdadeiro amante, não discrimina mais. Aquele que ama e aquele que é amado, vocês se tornam um. Seu amado é você e você é seu amado.
Somente tendo esse tipo de sabedoria de equanimidade, seu amor se torna perfeito, e não haverá sofrimento, nem discriminação. Se, olhando para a natureza do seu amor, você não vê nenhum elemento de equanimidade, precisa praticar. Porque o amor que se baseia nas noções de si e do outro, e "isso" está fora de "daquilo", esse amor ainda não é profundo. Se você é psicoterapeuta, acho que pode aprender muito com esse ensinamento.
De acordo com a psicoterapia, o objetivo da terapia é recuperar, restaurar um eu saudável. Mas mesmo que você tenha um eu chamado saudável, você continua a sofrer porque não consegue sair de si mesmo. Você ainda está trancado na própria ideia de um eu. É por isso que o sofrimento continua. O verdadeiro alívio é sair da noção de eu. Em um relacionamento, se o eu ainda for muito forte, você sabe o que vai acontecer. Haverá conflito entre eu e o outro eu.
Desistir de si mesmo, tornar-se um com seu amado é praticar o não-eu. Seu grau de felicidade, compreensão e amor aumentarão em 1000 vezes. Nessa perspectiva, acho que os ensinamentos do Buda podem ajudar muito na psicoterapia. Olhando profundamente para compreender a natureza da interexistência, para saber que o “eu” é feito apenas de elementos não-eu, esse tipo de prática pode aumentar muito a qualidade da cura. Somente com essa prática, o medo pode ser enfrentado.
(Palestra de Dharma de Thich Nhat Hanh em 9 de junho de 1998 – transcrito do vídeo do YouTube
https://youtu.be/D8UZaSeJsCg)
Traduzido por Leonardo Dobbin)
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