Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Equilibre sua vida espiritual (parte 1)

 

Não muito tempo atrás, meu professor de Thich Nhat Hanh, a quem chamamos de Thay (professor) de acordo com a tradição vietnamita, deu um ensinamento muito bonito aos moradores de nossa comunidade, em que ele compartilhou aos monges a importância de criar um equilíbrio dinâmico na nossa vida espiritual. Ele falou sobre nossa vida espiritual como sendo composta por quatro aspectos: estudar, praticar, trabalhar e brincar. Quando vivemos de forma equilibrada, estas quatro áreas formam um padrão harmonioso ou mandala de prática em nossas vidas diárias.

 

1.Estudo

 

A primeira área de nossa vida espiritual é o estudo. Durante o Retiro das Chuvas anual em Plum Village, Thay quase sempre concentra seus ensinamentos sobre um determinado texto. Cultivar uma mente voltada para a aprendizagem é um aspecto bonito da vida monástica. O primeiro elemento do caminho óctuplo, o caminho descrito pelo Buda que conduz à libertação, é a Compreensão (ou Visão) Correta. Há sempre algo mais para descobrir, alguma maneira de crescer.

 

Ao longo da vida vamos encontrar ensinamentos maravilhosos e profundos. Cada vez que nos deparamos com um ensinamento, precisamos nos perguntar: "como isso se relaciona à minha própria prática? Como posso aplicar isso em minha própria vida? Este ensinamento tem alguma coisa para me dizer agora?"

 

Partilho muitas vezes com meus amigos que é essencial reconhecer que quase todos os sutras começam com a frase "Assim ouvi." Quando lemos um sutra, quando ouvimos um ensinamento, não é apenas um ensinamento que foi dado há 2.600 anos, e que está sendo dado a nós, aqui e agora. É o Dharma de vida — o dom do ensinamento que leva à compreensão — e é a segunda das três joias do budismo. O que você está ouvindo quando você encontra um texto ou um ensinamento? O que no ensinamento está falando com você nesse momento? O que é o Dharma  vivo que está tocando o seu coração agora?

 

Tenho que te falar, não sei quantas vezes eu já passei por todos os sutras no meu livro de cânticos, porque todos os dias temos pelo menos uma sessão de cânticos. Talvez já tenha recitado cada sutra umas cem vezes — é uma estimativa muito conservadora. E ainda sinceramente, toda vez que ouço esses sutras, algo novo surge em mim. É quase como se através da prática do dia a dia o terreno tenha sido preparado para que eu ouvisse um ensinamento de uma forma que não tinha ouvido antes. Não é a mesma coisa sempre. É fácil pensar, "Oh, eu ouvi aquela sutra ou ensinamento antes" e parar de escutar. Na minha opinião, isso é uma vergonha.

 

Quando eu estava no Oregon oferecendo que alguns ensinamentos há alguns anos atrás, me ofereceram uma bela caligrafia de um calígrafo no retiro. É muito simples. Ela diz: "Cada momento uma única vez." Cada vez que nos deparamos com um sutra, um ensinamento, uma pessoa, uma experiência, somos capazes de abordá-lo com outros olhos, deixando ir nossas noções preconcebidas? Esta é uma prática muito sutil.

 

2. Prática

 

A segunda das quatro áreas da mandala é prática. Na minha tradição budista, claro que temos a meditação sentada, mas também temos a meditação andando, comendo, meditação ouvindo-o-sino e a meditação de parar! Tudo tem a respiração como sua fundação: cada tipo de meditação é uma oportunidade voltar de novo à nossa respiração.

 

Não queremos que nossa espiritualidade seja algo que fazemos no nosso tempo livre, ou uma tarefa que temos que achar um tempo. Em vez disso, em nossa prática do que chamamos de "Budismo engajado", é a própria vida que é a nossa prática, a expressão de nossa mais profunda aspiração. Isto significa que cada momento, embora mundano, tem potencial para ser um momento de iluminação. A pessoa no carro na minha frente enquanto eu estou sentado no meu carro no semáforo; meu colega de trabalho que está tendo problemas em casa; o sino que está do meu lado direito; aquela pessoa na Sangha que me empurra sempre para o caminho errado: são todas oportunidades para desenvolver o nossa coração. Na verdade, Thay sempre nos lembra que a nossa prática de meditação deve ser uma alegria e uma delícia.

 

Nós podemos fazer a escolha de abordar cada momento como um momento de prática. Espero que você não entenda que é sempre fácil para monges e monjas. Não é verdade. Você pode pensar que na vida fora do mosteiro sempre há muitas distrações e coisas que precisam ser feitas, que estão constantemente chamando a atenção para longe da "sua vida espiritual." Andar no caminho espiritual requer um compromisso real.

 

Por favor, não pense, "Ah, é tão fácil para os monásticos. Não precisam se preocupar com nada — eles têm uma vida fácil, sentando na montanha e observando as borboletas. " Venha para um par de semanas e veja por si mesmo! Você verá que, mesmo no mosteiro, existem muitas distrações e montanhas de trabalho; no entanto, fazemos nosso melhor a cada momento para abordar cada atividade como nossa prática espiritual.

 

Fazer o compromisso consigo mesmo de embarcar nesta viagem é um desafio, uma vez que você está fazendo uma escolha que vai contra muito de seu condicionamento. É, no entanto, uma das escolhas mais gratificantes que você fará. Por favor, faça seus compromissos é muito simples. Pode ser, "Todos os dias eu vou desfrutar de uma refeição em plena atenção," ou "toda vez que o telefone toca... vou desfrutar de três inspirações e expirações  antes de atender," ou "Eu vou estar presente com minha Sangha toda semana, mesmo que aquela pessoa vá estar lá também", ou talvez, "Eu vou desfrutar de um período de meditação sentada todos os dias."

 

Por favor, não tente ser muito ambicioso; na verdade, é bom manter realmente fácil. Nós podemos ser tentados a fazer compromissos como, "Eu vou acordar de manhã e fazer 108 prostrações e então ter uma hora de sessão de meditação e cantar três sutras e os Três Refúgios e em seguida o Versos de Encerramento e terminar meu dia com outro período de..." Todos lutamos com essa tendência em algum momento ou outro.

 

Por favor, não tente recriar o calendário de um monastério centro de prática em casa. Comece onde você está, na situação em que se encontra neste momento, fazendo algumas escolhas simples para enriquecer a sua vida. Sugiro que mantenha realmente simples, de modo que possamos manter nossos compromissos e experimentar a alegria e satisfação de mantê-los! Eu notei que as coisas que julgamos como "sem importância" muitas vezes são bons indicadores de nossas estratégias de evasão. Tendemos a tentar esconder as coisas ao fazer vistosos grandes compromissos. São as coisas muito simples que irão transformar nossas vidas. Na tradição de Plum Village, o modo como vivemos cria lembretes contínuos que nossa prática de meditação deve ser uma alegria e uma delícia.

 

Concretamente falando, além de escolher algumas práticas simples como parar e respirar de vez em quando, dando alguns passos de meditação andando todos os dias e desfrutar de uma refeição consciente, eu recomendo que você reserve alguns minutos no início e o fim do dia para simplesmente sentar. Cinco ou dez minutos podem parecer uma tarefa impossível no início, mas ao fazer este compromisso com você mesmo, você vai levar a melhor energia possível para cada dia. Não subestime o poder transformador de ficar cinco minutos simplesmente sentado.

 

(Do livro “Nothing To It: Ten Ways to Be at Home with Yourself”)

Phap Hai é professor de Dharma e o monge sênior da tradição de Plum Village)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

 

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