Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Este corpo não sou eu

 

Isso é algo que podemos lembrar, podemos praticar. Se nos sentarmos perto de uma pessoa que está morrendo, devemos conversar com ela e tocar a semente de felicidade que há nela. Deveríamos ser capazes de reconhecer essas sementes na pessoa agonizante. Mesmo que essa pessoa esteja em coma, também devemos falar com ela porque existe uma forma pela qual essa pessoa pode se comunicar conosco.

 

Havia um estudante em Bordeaux, na França, que soube que sua mãe estava morrendo e veio para Plum Village para receber alguns ensinamentos, algumas instruções para ajudar sua mãe. A irmã Chan Khong disse-lhe para conversar com sua mãe e falar com ela apenas sobre as coisas belas e felizes de sua vida.

 

Quando ele chegou à Califórnia, onde sua mãe estava morrendo, ela estava em coma. Os médicos tentaram reanimá-la para trazê-la de volta à consciência, mas falharam. O jovem estudante apenas praticou de acordo com as instruções e apenas conversou com a mãe. Cerca de 45 minutos depois ela voltou, ela acordou. É muito incrível. Os médicos não podiam acreditar.

 

Quando cheguei à América pela primeira vez, Alfred Hassler, que era secretário-geral da Fellowship of Reconciliation, uma organização de paz em Nyack, Nova Iorque, ajudou-me a viajar pela América para falar sobre a situação no Vietnã. Isso foi em 1966. Com a ajuda de Alfred e da Fellowship of Reconciliation, organizamos atividades de paz por toda a Europa, na Ásia e assim por diante. Passamos muito tempo juntos trabalhando pela paz no Vietnã. Houve momentos de muita alegria quando trabalhámos juntos para acabar com a guerra do Vietnã.

 

Um dia, a irmã Chan Khong, eu e vários amigos estávamos dirigindo para o Instituto Omega, na parte alta do estado de Nova York, para liderar um retiro. Soubemos que Alfred estava agonizando em um hospital católico não muito longe dali, então decidimos ir até lá e vê-lo. Quando chegamos, Dorothy, sua esposa e Laura, sua filha, estavam lá. Alfred estava sendo alimentado com injeção de glicose, mas ainda estava em coma. Laura, sua filha, trabalhava em nosso escritório de paz em Paris.

 

Ela ficou muito feliz em a Irmã Chan Khong e eu vindo visitar seu pai. Ela fez o possível para acordar Alfred: “Papai, você sabia que Thay está aqui? Irmã Chan Khong está aqui!” Mas Alfred não acordou. Então eu disse a Irmã Chan Khong para cantar para Alfred a canção que escrevi usando as palavras do Buda no Cânon Pali, também no Cânone Chinês: "Este corpo não sou eu. Não estou preso neste corpo. Eu sou a vida sem limites. Minha natureza não é nascimento nem morte.". Quando o irmã Chan Khong cantou pela terceira vez, Alfred acordou. Veja, há uma comunicação possível.

 

Ficamos muito felizes em ver Alfred acordado e massageei seus pés para lhe dar a sensação de que estava ali. E Laura disse: “Alfred, você sabe que Thay está aqui, irmã Chan Khong está aqui!” Alfred não conseguia falar, mas seus olhos mostravam que ele estava ciente de que eu estava lá, que a irmã Chan Khong estava lá. E então ela começou a falar com ele. Soubemos o que falar. "Alfred, você se lembra da época em que estivemos em Roma? Quando 300 monges budistas estavam na prisão no Vietnã porque se recusaram a ser convocados para o exército? E em Roma pudemos convidar 300 padres católicos para uma manifestação e cada padre católico usava o nome de um monge budista no Vietnã. Você se lembra disso, Alfred?”

 

Ela continuou a conversar com ele sobre lembranças felizes durante o tempo em que trabalharam juntos pela paz. E você sabe o que aconteceu? Após cerca de 10 minutos, Alfred abriu a boca e disse: “Maravilhoso, maravilhoso!” duas vezes. Depois disso, ele voltou ao coma. Já era tarde e tínhamos que dar uma palestra de orientação no Omega Institute em Upper New York. Por isso tivemos que ir embora, mas dissemos a Dorothy e Laura para continuarem a prática. Na manhã seguinte, bem cedo, recebi um telefonema de Laura. Ela disse que seu pai tinha morrido pacificamente, sem qualquer dor.

 

Shariputra fez a mesma coisa enquanto estava com Anathapindika, ele tentou regar as boas sementes, as sementes da felicidade que havia nele, praticando as Quatro Recordações. Depois disso, Anathapindika conseguiu sorrir. Eles continuaram a meditação guiada: “Vamos praticar juntos, nós três”, disse ele.

 

"Inspirando,sei que meus olhos não sou eu. Meus ouvidos não sou eu. Sou mais do que meus olhos, meus ouvidos, meu nariz ou minha língua.

 

Inspirando, sei que este corpo não sou eu. Eu não sou preso neste corpo. Eu sou a vida sem limites. A desintegração deste corpo não é minha desintegração. Minha verdadeira natureza é a natureza de não haver nascimento e não de morte.”

 

"Inspirando estou consciente do elemento calor em mim, fogo. O calor em mim, o elemento 'fogo' em mim, não sou eu. Sou mais do que o elemento 'fogo’.”

 

“Inspirando, estou consciente do elemento “água” em mim. Eu não sou água, ou sou mais que a água. Não estou preso no elemento "água" em mim”

 

“Você conhece os Quatro Grandes Elementos, Mahābhūta: fogo (calor), terra, ar e água. Inspirando, sei que a forma que vejo com os olhos não sou eu. O som que ouço com meus ouvidos não sou eu.”

 

Esta meditação guiada ajuda a pessoa que está morrendo a não se identificar com seus seis órgãos dos sentidos. É muito importante. Este corpo não veio do nada. Quando as condições são suficientes, este corpo se manifesta. Ele não veio do norte, do sul, do leste ou do oeste. Antes da manifestação, não você não pode dizer que não existiu; depois da manifestação você não pode dizer que existe. Você sabe exatamente o que acabamos de ouvir na palestra do Dharma.

 

E nesse momento o Venerável Ananda viu que lágrimas começaram a rolar pelos olhos de Anathapindika. Ele sentiu pena de Anathapindika. Ele perguntou: "Meu querido amigo, por que você está chorando? Você se arrepende de alguma coisa?"

 

Anathapindika disse: "Não, Venerável Ananda, não me arrependo de nada." "Talvez você não tenha tido sucesso em sua meditação?" "Venerável Ananda, tive muito sucesso em minha meditação." "Por que você está chorando então?” “Venerável Ananda, eu choro porque estou muito emocionado. Servi o Buda, a Sangha e ao Dharma por mais de 30 anos e nunca recebi e coloquei em prática um ensinamento tão maravilhoso como o que me foi dado hoje pelo Venerável Shariputra. O ensinamento sobre não nascimento, não morte, sem vir, sem ir, sem ser, sem não-ser."

 

Ananda ainda era jovem. Ele disse: "Querido amigo, este tipo de ensinamento, nós, monásticos, recebemos quase todos os dias!" Anathapindika olhou para os veneráveis ​​e disse: "Querido Venerável Ananda, quando você for para casa, por favor diga ao Senhor Buda que, nós, leigos, mesmo que muitos de nós estejamos ocupados, incapazes de receber ensinamentos tão maravilhosos, há alguns de nós, como leigos, que são suficientemente livres, que têm tempo suficiente para receber este ensinamento e colocá-lo em prática. Então, por favor, diga ao Buda para dar esse tipo de ensinamento para nós, leigos, também.” Esse foi o último pedido feito por Anathapindika. Ananda aceitou fazer o pedido. Depois disso, Anathapindika morreu pacificamente.

 

Se você quiser ler a história novamente, ela está no livro de cantos de Plum Village. Se vocês são assistentes sociais ou médicos ou psicoterapeutas que têm o dever de acompanhar os moribundos, acho que é muito útil, muito maravilhoso, estudar e praticar este ensinamento. Se você não tiver medo, se você tocou a natureza do não nascimento e da morte em você, você será um elemento muito precioso para essa pessoa morrer em paz. Você será muito inspirador para ele ou ela. Sua presença, assim como a presença de Shariputra, ajudará o moribundo a morrer em paz, sem medo.

 

Gostaria de pedir à irmã Chan Khong que venha cantar a canção “This Body Is Not Me”.

 

Este corpo não sou eu.

Eu não estou preso neste corpo.

Eu sou a vida sem limites.

Nunca nasci e nunca morrerei.

Olhe para o oceano e para o céu cheio de estrelas,

Manifestação da minha mente maravilhosa.

Desde tempos imemoriais, sou livre.

Nascimento e morte são apenas portas pelas quais passo,

Limiar sagrado em minha jornada.

Nascimento e morte são um jogo de esconde-esconde.

Então sorria para mim, pegue minha mão, vamos dizer adeus,

Dizer adeus, até nos encontrarmos novamente.

Nos encontramos hoje. Nos encontraremos amanhã.

Estamos nos encontrando em todas as esferas da vida.

 

Este corpo não sou eu.

Não estou preso neste corpo,

Sou uma vida sem limites.

Nunca nasci e nunca morrerei.

Nascimento e morte são apenas portas pelas quais passo,

Limiares sagrados na minha jornada.

Nascimento e morte são um jogo de esconde-esconde.

Então sorria para mim, segure minha mão, vamos dizer adeus,

Dizer adeus até nos encontrarmos novamente.

Nos encontramos hoje. Nos encontraremos amanhã.

Estamos nos encontrando em todas as esferas da vida.

Este corpo não sou eu. Eu não estou preso neste corpo.

Eu sou a vida sem limites.

Nunca nasci e nunca morrerei.

 

(Palestra de Darma: em 2005– transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/xkszeeihyt4)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

Comente esse texto em http://sangavirtual.blogspot.com

 

Caso queira obter esse texto em formato PDF clique aqui