Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Eu cheguei, estou em casa

 

Ao praticar a inspiração e a expiração, você não deve interferir na sua respiração. Isso é muito importante. Sabemos que a respiração pode ocorrer por si só. A prática é acender a lâmpada da atenção plena e iluminá-la em nossa respiração. Não é tentar modificar, dobrar, fazer nossa respiração da maneira que gostamos. Não podemos realmente descrever a prática como um trabalho de respiração, não. Não estamos trabalhando nossa respiração. Nós permitimos que a respiração se divirta. Nós apenas produzimos consciência, atenção plena, a fim de brilhar na respiração. Atenção plena na respiração, não intervenção.

 

É como a vegetação e o sol. O sol apenas envolve a vegetação. Vai ter impacto na vegetação, mas a obra do sol é apenas brilhar sobre a vegetação, abraçando-a. Fazemos assim com a nossa respiração. Não tentamos moldar nossa respiração. Não tentamos fazer nossa respiração da maneira que gostamos. Apenas tome consciência da inspiração como inspiração e da expiração como nossa expiração.

 

Após alguns minutos de prática, a qualidade da respiração irá melhorar naturalmente. Se a inspiração for curta, que seja curta, se a expiração for longa, que seja longa. Apenas tome consciência da duração da inspiração, da duração da expiração. Não tente torná-la mais curta ou mais longa, nem nada. Você notará que a qualidade da respiração será melhorada em todos os aspectos.

 

Quando tocamos a inspiração e a expiração, a qualidade da nossa respiração melhora, nasce uma sensação de bem-estar. Ele produz um bom efeito em nosso corpo e também em nossa mente ao mesmo tempo. Respirar faz parte do corpo. Quando tocamos a respiração com nossa atenção, a qualidade da respiração é melhorada. A calma, a harmonia da respiração ajudarão o corpo a ficar calmo e harmonioso. Finalmente, a calma e a harmonia do corpo irão influenciar nossa mente naturalmente.

 

O que fazemos é apenas tomar consciência da respiração. Esse é o significado dos dois primeiros exercícios propostos pelo Buda. Inspirar / expirar, longo / curto. Longo / curto aqui significa estar ciente de toda a extensão da inspiração e da expiração. Não é que eu intencionalmente faça uma inspiração longa ou uma expiração curta, não é assim. Não-intervenção é a palavra, é a ideia. O objeto da atenção plena nos primeiros dois exercícios é apenas nossa respiração, nossa inspiração e expiração, nada mais.

 

O efeito desses exercícios já é enorme. Você sabe que às vezes pensamos sem parar, nos preocupamos sem parar. É como ter uma fita cassete girando sem parar em nossas mentes. É como um aparelho de televisão, se deixar ligado por muito tempo, fica quente. Nossa cabeça fica de alguma forma quente por causa do nosso pensamento. Não podemos dormir bem, não podemos parar.

 

Como não conseguimos parar, não conseguimos dormir, nos preocupamos com isso, e então vamos no médico que está pronto para nos dar uma receita. Mesmo se usarmos um remédio para dormir, não conseguimos descansar porque em nossos sonhos continuamos a correr, a pensar, a nos preocupar. O pensamento, a corrida, a preocupação continuam sempre.

 

Portanto, o remédio alternativo é a respiração consciente. Porque se você for capaz de praticar cinco minutos de respiração consciente, permitindo que seu corpo descanse, você pode parar de pensar por cinco minutos. Porque durante esse tempo você não pensa absolutamente. As palavras inspirar e expirar no exercício, não são conceitos, não são pensamentos. Elas são um guia para a nutrição, para a manutenção da consciência da respiração.

 

Quando você pensa muito, a qualidade do seu ser diminui. Se você conseguir parar de pensar, aumentará a qualidade do seu ser. Haverá mais paz, mais relaxamento, mais descanso. É por isso que não podemos dizer "Penso, logo existo". "Eu penso, portanto, eu não existo."

 

Podemos usar o gatha para desfrutar da prática de respirar e andar. Ontem à noite eu falei sobre caminhada lenta. “Eu cheguei, estou em casa, eu cheguei, estou em casa”. A cada passo ocorre com uma inspiração ou uma expiração. Isso é chamado de meditação de caminhada lenta. Mas podemos andar mais rápido. Com uma inspiração, podemos dar dois ou até três passos. “Eu cheguei, cheguei. Estou em casa, em casa”. “Eu cheguei, cheguei, cheguei”, três passos. “Estou em casa, em casa, em casa”. Durante esse tempo, você pratica chegar no aqui e agora.

 

Há cerca de 15 anos, fui à Índia para visitar a comunidade dos intocáveis, a comunidade budista dos intocáveis. Um amigo organizou esta viagem para mim e ele pertencia àquela casta da Índia que foi discriminada por muitos, muitos milhares de anos. Ele estava sentado comigo em um ônibus, ao meu lado, à minha direita. Eu estava apreciando muito a paisagem da Índia. Eu olhei para ele, vi que estava muito tenso. Ele havia feito de tudo para tornar minha visita agradável. Eu sabia. Tudo foi feito. Mesmo assim, sentado ao meu lado no ônibus, ele continuava a se preocupar, a ficar tenso.

 

Essa é a energia do hábito que foi transmitida a ele por muitas gerações de ancestrais. Eles lutaram por toda a vida, por muitas gerações, contra a discriminação. É muito difícil transformar esse tipo de hábito. Eu disse: "Querido amigo, por que você está tão tenso? Não há nada a fazer agora. Estamos de ônibus e podemos desfrutar da paisagem. Quando chegarmos, nossos amigos virão para a rodoviária nos buscar. Sente-se, aprecie a paisagem e sorria.” Ele disse, "tudo bem", então se recostou. Fiquei satisfeito, mas apenas dois minutos depois quando olhei para trás, eu o vi exatamente como antes, muito tenso, sempre pensando no futuro, nunca podendo estar no aqui e agora.

 

A prática aqui é estar ciente de que todas as maravilhas da vida estão disponíveis aqui e agora, por isso devemos parar de correr. Ao praticar a meditação andando, devemos parar. Ao praticar a meditação sentada, devemos parar. Enquanto apreciamos nossa refeição ou café da manhã, devemos parar. Há pessoas que se sentam para comer conosco, mas continuam correndo por dentro. Eles não são capazes de parar, de ficar no aqui e agora, e só se deliciar com um pedaço de tomate ou cenoura.

 

Apoiemo-nos uns aos outros para realmente parar, porque o Buda disse que o passado já se foi, o futuro ainda não chegou. Há apenas um momento para você viver que é o momento presente. Você tem um compromisso com a vida no momento presente. Se você perde o momento presente, você perde o encontro com a vida. Com nossa inteligência, podemos entender isso muito bem, mas a energia do hábito em nós é muito forte. É por isso que precisamos uns dos outros para poder parar, para nos estabelecer no momento presente.

 

É por isso que comer é uma ocasião para parar. Caminhar juntos também é uma oportunidade de parar. Sentar juntos e desfrutar de nossa inspiração e expiração é outra oportunidade de pararmos. Cada vez que o cavalo da energia do hábito mostra a cabeça, empurrando-nos, apenas inspiramos e expiramos e dizemos: “Meu caro amigo, eu te conheço, a energia do hábito de correr”. Você sorri para ele e ele não será mais capaz de pressioná-lo, ele irá para baixo.

 

Algum tempo depois, se ele se manifestar novamente como uma formação mental, novamente você inspira e expira e diz: "Meu caro amigo, eu o conheço." O simples reconhecimento da formação mental é tudo o que fazemos. Cada vez que você pratica assim, ela perde um pouco de sua força. O fenômeno da descarga.

 

Você não tem que lutar. Tudo que você precisa fazer é reconhecê-lo e sorrir para ele. “Eu cheguei, eu cheguei.” Porque seu verdadeiro lar está no aqui e agora. Você sabe que é apenas no aqui e agora que pode tocar a vida e todas as suas maravilhas. É como quando ouvimos o sino, praticamos: "Eu ouço, eu ouço esse som maravilhoso que me traz de volta ao meu verdadeiro lar." Meu verdadeiro lar está no aqui e agora. Está na ilha do eu interior.

 

(Palestra de Dharma de Thich Nhat Hanh em 24 de maio de 1998 – transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/L_k5D3jJTC8)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

Comente esse texto em http://sangavirtual.blogspot.com

 

Caso queira obter esse texto em formato PDF clique aqui