Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Inferno existe?

 

Pergunta: Fui em um retiro da tradição tibetana que também teve como tema a "Morte". O professor falou em bastante detalhes sobre a transferência de consciência no momento da morte, mas ele também falou sobre o que acontece após a morte. O professor explicou com alguns detalhes sobre os diferentes infernos que existem, aqueles que são gelados e quentes, e certas imagens que estão presentes naqueles infernos. Uma dessas imagem era aquela dos fantasmas famintos. E que nós podemos nascer nesse inferno como alguém que tem a garganta pequena demais e que estamos com muita fome, mas não podemos receber um alimento que possa entrar em nosso corpo e nos nutrir. Existem também algumas outras imagens que ele mencionou. Essas imagens nos são oferecidas para nos ajudar a despertar como um tipo de ferramenta que nos auxilia a viver mais significativamente e apropriadamente essa vida, mais belamente nessa vida, ou essas imagens falam, literalmente, de uma realidade? Em conexão a isso, nós podemos falar que esses infernos estão presentes na Terra nesse exato momento, se eles são metáforas para as experiências que nós temos durante a vida, ou elas são apenas alguma coisa para depois da morte?

 

Thay: Essa pergunta é sobre a conexão entre o sono sem sonho e a consciência armazenadora. De acordo com a forma da questão nós sabemos que "aquele" que formulou a pergunta já sabe ele mesmo a resposta. A forma como ele questionou nos mostra que ele já possui a resposta. Vocês não concordam?

 

Mas essa é também uma chance para que nós possamos examinar e ver que o ensinamento do Buda pode ajudar muitas pessoas. Não apenas aquelas pessoas com grande capacidade intelectual, mas também as pessoas que não possuem estudos suficiente. O ensinamento do Buda ajuda a todos. Então, existe um tipo de Budismo para a grande maioria e existe um Budismo profundo que é apenas para uma minoria.

 

Esses ensinamentos podem contradizer-se no que diz respeito à forma. É por isso que é dito no Budismo existem 84 mil portas do Dharma; e muitos tipos de ensinamentos, e muitos tipos de práticas. Existem portas para aqueles que têm medo da punição. Se eles têm medo de uma retribuição, então eles se comportam melhor porque eles têm medo da retribuição.

 

É por isso que falar com eles do inferno, todos os tipos de inferno, quentes, frios, carvões, e assim por diante isso pode ajudá-los, como um tipo de "ameaça". "Se você agir assim, você sofrerá assim." Então, em muitos templos, nós podemos ver desenhos dos infernos como um tipo de aviso: "Se você não praticar os cinco preceitos, você sofrerá desse modo. Você será fervido em óleo quente ou algo do tipo. "Se você mentir, quando você for para o inferno, eles pegarão a sua língua e vão cortá-la fora." Isso pode ajudar muitas pessoas também, mas isso não ajuda algumas outras pessoas.

 

Esse é o Budismo popular. Nós sabemos que a grande maioria acredita em renascimento, em reencarnação, mas essa crença é baseada em uma visão incorreta em um "eu", que existe um "eu", que existe uma alma que é distinta do corpo. E que quando esse corpo desaparecer, a alma sempre sobreviverá, procurando penetrar em outro corpo, e continuar. Esse é o ensinamento sobre renascimento, mas isso não é verdadeiramente o profundo ensinamento do Buda porque isso está baseado na visão incorreta de um "eu".

 

Qualquer coisa, qualquer ensinamento que vá contra o insight da impermanência, do não-eu e do Nirvana não pode ser descrito como os ensinamentos mais profundos. Então, se você está pensando em causa e efeito, renascimento, retribuição; se o seu ensinamento, ou se a sua prática não refletem o insight da impermanência, não-eu, e Nirvana, significa que não são verdadeiramente os ensinamentos do Buda.

 

Existem muitas coisas que provêm dos ensinamentos dos Vedas, dos Upanishads. Nós sabemos que antes do Buda já existia a crença na reencarnação e na retribuição; isso não foi inventado pelo Buda. O ensinamento da retribuição e da reencarnação já existia antes da chegada do Buda, mas esses ensinamentos são baseados na existência de um "eu". Embora o Buda ensine a continuação, vida após vida, o ensinamento dele é baseado no insight do não-eu, da impermanência, e finalmente do Nirvana, sem nascimento e sem morte.

 

Esse tipo de crença, que não é puramente Budista, também pode ajudar. Existem aqueles que acreditam na Terra Pura do Buda, Amitaba, que não é aqui, mas na direção do oeste; e que você só pode chegar lá após "você" morrer. Há também quem tenha uma visão melhor, uma visão diferente. Nós sabemos que a Terra Pura, a verdadeira Terra Pura é aqui e agora e que não há tempo para estar no oeste ou no leste. Quando nossa mente é pura então a terra é pura também, ao mesmo tempo. Isso vai mais na direção da Visão Correta.

 

Mas, o espírito do Budismo é o da tolerância. Existem aqueles que não compreendem profundamente o Budismo. Nós temos que permitir que eles abracem uma forma de Budismo que é mais diluída, como um remédio com um pouco de açúcar. E elas ajudam. Portanto, nós não estamos criticando-os porque seus ensinamentos e suas crenças não vão perfeitamente com a verdade última porque nós temos compaixão. Como nós temos compreensão, a compaixão é possível. O verdadeiro Budista é sempre tolerante, não um fanático.

 

Se você é habilidoso, pode conduzi-los lentamente; então, gradualmente, eles abandonarão suas visões incorretas e obterão uma visão melhor e melhor com o tempo. Isso pode se aplicar a todos nós. No início nós temos uma ideia a respeito das Três Joias - Buda, Darma e Sanga. Após 10 anos de prática, nós temos uma visão melhor do Buda, do Darma e da Sanga. E após 50 anos, nós temos um profundo entendimento do Buda, do Darma e da Sanga. Dessa forma nós aprendemos a lição da tolerância.

 

Nós não devemos pensar que nossa visão é a melhor porque nós estamos fazendo progressos. Nós estamos prontos para abandonar nossa visão presente a fim de obter uma visão melhor, essa é a prática do não-apego às visões. No Budismo, se você tem um insight, você deve ser muito tolerante e aceitar as outras formas do Budismo. Você não critica. Você apenas pode ajudar as pessoas a terem uma melhor visão e uma melhor prática.

 

Por isso que não deve haver conflito e guerra entre as escolas Budistas e essa tem sido a realidade. Existem tantas escolas no Budismo, mas elas nunca organizaram uma guerra "santa", a fim de lutarem entre si. Nós devemos ser hábeis para manter essa tradição da tolerância. Tolerância não porque nós somos forçados a ser tolerantes, mas porque você tem a Visão Correta, é por isso que o seu coração está aberto, e é por isso que você pode tolerar aqueles que não têm o mesmo tipo de visão que você. Mas você deve tentar, com a fala amorosa e a escuta profunda, ajudá-los a abandonar a visão deles, que talvez ainda possa conter fanatismo ou algo do tipo.

 

Aqui nós aprendemos que o momento presente não é algo que possa existir independentemente do passado e do futuro. Você não pode "cortar" e separar o passado, o presente e o futuro. Porque os três tempos - passado, presente e futuro - intersão. Em qualquer deles, você enxerga os outros dois. É por isso que se você toca o momento presente profundamente, você toca o passado, e você toca o futuro. É por isso que o passado ainda está disponível, e o futuro já está disponível. Esse é o insight que você obtém quando você medita sobre a natureza, da interdependência do tempo.

 

(Palestra de Dharma de Thich Nhat Hanh em 21 de junho de 2014 – transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/53osUsXkuho) 

Traduzido por Leonardo Dobbin)

Comente esse texto em http://sangavirtual.blogspot.com

 

Caso queira obter esse texto em formato PDF clique aqui