Sangha
Virtual
Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Interrompendo o círculo vicioso dos hábitos negativos
Uma mãe está trabalhando na cozinha e ouve o bebê chorando. Ela cuida muito bem do bebê, então ela para de andar pela cozinha, larga o que quer que ela esteja segurando, e vai para o quarto do bebê. A primeira coisa que ela faz é pegá-lo e segurá-lo com ternura em seus braços. Essa é a mãe. Ela não sabe o que há de errado com o bebê ainda, mas a primeira coisa que ela faz é pegar o bebê e segurá-lo conscientemente.
Nós fazemos a mesma coisa como um praticante. Toda vez que a raiva ou o desespero surgem, nós geramos a energia da atenção plena para reconhecer e acolher com ternura. Se soubermos praticar a caminhada consciente ou a respiração consciente, continuamos a gerar atenção plena e nós usamos essa energia para reconhecer e acolher. Podemos trazer alívio, porque atenção plena, é como uma energia envolvendo a raiva como outra fonte de energia, com ternura. Irmão mais velho, irmão mais novo.
Embora a mãe não tenha percebido o que está errado, o fato dela estar segurando o bebê com ternura, já pode trazer um alívio para o bebê e o bebê pode parar de chorar. Se a mãe continuar segurando o bebê ternamente com atenção plena, ela vai descobrir o que está errado. O bebê pode estar com fome, o bebê pode ter febre, ou a fralda pode estar muito apertada. Como mãe, ela pode descobrir isso muito rapidamente.
Como praticante, você pode descobrir com muita facilidade o porquê dessa raiva e pode ver as raízes dessa raiva. Você descobre a natureza, a raiz dessa raiva.
Se a mãe descobrir o que há de errado com o bebê, ela pode consertar a situação muito rapidamente. Se o bebê está com fome, ela lhe dá um pouco de leite, se a fralda estiver muito apertada, ela só desfaz e refaz novamente.
Depois de ter acolhido com ternura sua raiva, você pode querer continuar a prática da respiração consciente, a prática da caminhada consciente, e olhar profundamente a natureza de sua raiva, e descobrir qual é a raiz dela. Reconhecer, acolher, e olhar profundamente.
Porque a atenção plena é o tipo de energia que carrega com ela a energia da concentração. Onde quer que esteja a atenção plena, a concentração também estará. Quando você está atento à sua inspiração, você está concentrado em sua inspiração. Quando você está atento ao seu chá, você se concentra no chá. Por isso que, quanto mais poderosa é a atenção plena, mais concentração você obtém. Com essa atenção e concentração, você pratica o olhar profundo, e você obtém percepções, insights. Essa percepção vai te libertar, transformar sua raiva.
Existe uma história de um menino, que costumava vir para Plum Village todo verão, com sua irmã mais nova. Eles praticavam a atenção plena desde crianças. O menino tinha dificuldade com o pai, ele culpava o pai. Toda vez que ele caia e se machucava, seu pai sempre gritava com ele, em vez de vir ajudá-lo.
Seu relacionamento com seu pai foi difícil e ele jurou que quando crescesse, não seria como seu pai. Se ele tivesse filhos e se seu filho caísse e se machucasse, ele não gritaria com ele, em vez disso, ele viria e tentaria ajudar. Essa era sua determinação.
Um dia, ele estava brincando em Lower Hamlet em Plum Village e sua irmã estava brincando com outra menina na rede. A menina caiu e se machucou e o sangue foi descendo. De repente, ele se viu muito bravo. Ele queria gritar: "Estúpida! Como você pôde fazer algo assim?" E como ele estava praticando atenção plena, foi capaz de abster-se de gritar e reconheceu que ele era exatamente como seu pai. Em vez de tentar ir e ajudar sua irmã, ele teve a tendência de gritar com ela. Ele odiou o que ele tinha dentro de si.
Então, quando ele praticou a respiração consciente, sabia que esta era a continuação de seu pai dentro dele. Ele não é diferente de seu pai e com essa percepção ele se virou e praticou a caminhada lenta quando viu alguém chegando para ajudar sua irmã. Durante a caminhada lenta ele reconheceu que era uma continuação de seu pai. A energia da raiva foi transmitida por seu pai e se ele não praticasse, iria se tornar exatamente como seu pai e iria tratar seus filhos no futuro da mesma maneira. Isso se chama Samsara: continuação.
De repente ele teve um desejo de ir para casa e dizer a seu pai que ele tinha o mesmo tipo de energia, e convidaria seu pai para praticar com ele. Quando essa intenção nasceu nele, sua raiva, ressentimento em relação ao pai, começou a se dissolver. Que tipo de insight ele teve? Ele teve a percepção de que ele é exatamente como seu pai. Ele tinha o mesmo tipo de energia de hábito.
É por isso que ele queria praticar, e viu a si mesmo como vítima dessa energia, vítima da transmissão, dessa energia do hábito. Ele viu que seu pai também foi vítima dessa transmissão. Seu pai pode ter recebido de seu próprio pai. Quando ele teve essa percepção, sua raiva em relação ao pai simplesmente acabou. Ele teve uma transformação.
Acho que para um jovem de 12 anos, isso é uma notável conquista. É o insight que transforma nossas aflições e a atenção plena tem o poder de reconhecer, acolher, olhar profundamente, obter a percepção, que te transforma profundamente, que te liberta. Transformação e cura e liberdade.
Quando um jovem é liberado, o pai nele é liberado, e os ancestrais nele são liberados e o círculo ao redor, Samsara. O que o jovem percebeu é que ele não é uma vítima de seu pai, ele é uma vítima dessa energia do hábito. E seu pai também é uma vítima dessa energia do hábito. Quando você é capaz de se transformar, você está em condições de ajudá-lo a transformar aquele. que você acreditou ser seu opressor, a fonte do seu sofrimento.
Essa é minha prática. Eu não tenho inimigos. Até mesmo quando eles criaram muito sofrimento, muita injustiça, eles tentaram me matar, me reprimir, mas eles não são meus inimigos. Eles são aqueles a quem eu quero ajudar. Porque eu me tornei livre, eu mudei a mim mesmo, eu me transformei.
É por isso eu não mais me vejo como uma vítima. Eu sei que se eu puder me transformar, eu posso ajudar a transformá-los. Se você praticar e se você pode transformar sua mente, seu coração você se torna um Bodhisatva. Então você estará em condições de ajudá-los a se transformar.
Aqueles que você costumava considerar como opressores abusadores, aqueles que você considerava como sendo aqueles que te discriminavam, tentando te reprimir, e te matar também são vítimas de sua própria ignorância, sua própria raiva. Eles não sabem lidar com seu desejo, sua raiva, sua violência, seu medo. Então o caminho é se transformar em um Bodhisattva, com bastante compreensão, discernimento e compaixão.
Quando você tem essas energias, você é livre, e você está em condições de ajudar outras pessoas a se tornarem livres também. Este é o caminho mostrado a nós pelo Buda. Cada um de nós tem a semente da atenção plena, concentração e insight em si mesmo ou em si mesma. Você é capaz de cultivar esses três tipos de energias para nossa própria libertação e cura. E usaremos o mesmo tipo de energia para ajudar na transformação e cura do mundo.
Quando você olha para cima, você vê um templo. O templo está em seu coração, o lótus está em seu coração. Embaixo, há a palavra "Smrti". "Smrti" significa atenção plena. E depois há a palavra "Samadhi" que significa concentração. E há a palavra "Prajna", que é insight. E esse é o tipo de energia que está em nós para serem cultivadas, para se desenvolverem. Essa é a energia do Buda em nós, a energia da transformação e cura.
Durante nosso retiro praticamos a respiração consciente, caminhada consciente. Por isso somos encorajados a usar nosso tempo para a prática. Se falarmos muito, não haverá tempo para desfrutar da nossa inspiração-expiração, da nossa caminhada. Haverá tempo em que nós seremos encorajados a falar uns com os outros: compartilhamentos do Dharma. Estaremos compartilhando nossas percepções, nossa maneira de superar nosso sofrimento.
Quando praticamos comer nosso almoço, nosso café da manhã, nos abstemos de pensar. Nós nos estabelecemos no aqui e agora. Prestamos atenção apenas à comida que comemos. Quando você pega um pedaço de pão, você não pensa no passado, no futuro, basta tocar no pedaço de pão profundamente e somos capazes de ver aquele pedaço de pão. Se você olhar profundamente para o pedaço de pão, você vê tudo nele. O pedaço de pão que você segura em sua mão está o corpo do cosmos.
Com um pouco de atenção, você pode ver que o pedaço de pão tem a forma de um embaixador do cosmos, vindo até você. E se você puder ver o pedaço de pão em sua verdadeira natureza, você pode colocá-lo em sua boca. Não coloque mais nada na boca, como seus projetos, seu medo, sua raiva. Não é saudável. Basta colocar o pão. Basta mastigar o pão, conscientemente, com alegria. Não mastigue sua tristeza, sua raiva. Não é bom para sua saúde.
Não há pensamento, somente o processo de atenção plena como mastigação. Nós tomamos nosso tempo para desfrutar do nosso café da manhã, de tempos em tempos, descansar e sorrir. O irmão na sua frente é você, a irmã à sua esquerda é você. Todos eles pertencem à Sangha. Juntos geramos a energia da atenção plena. A energia coletiva da atenção plena ao caminhar, ao sentar, ao comer, será poderosa e vai penetrar em cada um de nós. Seremos curados pela energia coletiva e nutrido pela energia coletiva.
Sozinho em nossa sala de estar podemos gerar a energia da atenção plena. Mas comparado à energia coletiva da atenção plena, não é muito. Portanto, estar em uma Sangha e deixar-nos penetrar pela energia coletiva de atenção plena da Sangha é muito importante. Então, a união de uma Sangha é um fato muito importante, é um milagre. E devemos aproveitar a oportunidade, permitir-se ser transportado pela energia coletiva da Sangha, permita que a Sangha abrace nossas aflições, nossa dor, nossa tristeza.
A Sangha é o barco que o ajuda a flutuar no rio do sofrimento. Permita-se ser transportado pela Sangha, pela energia coletiva da atenção plena. Enquanto você come você aproveita, o tempo com a Sangha, você sorri para seu irmão e irmã na prática. Você se permite ser nutrido pela energia coletiva da Sangha. Em cada momento da nossa vida diária, a atenção plena nos ajuda a estar no aqui e agora. A prática real, a verdadeira prática é permitir que cada momento da nossa vida seja um movimento alegre. Isso será possível graças ao poder de atenção plena e concentração gerado por você mesmo e gerado pela Sangha.
Amanhã teremos uma caminhada de atenção plena pela manhã, estaremos caminhando juntos. Nós vamos andar de maneira a criar o reino de Deus real, disponível no aqui e agora. Há vários de nós que estão muito acostumados com a prática. Caminharemos juntos e geraremos a coletiva energia da atenção plena juntos e você verá que o Reino, a Terra Pura estão disponíveis.
(Palestra de Dharma de Thich Nhat Hanh em Deer Park em 2004 – transcrito do vídeo do YouTube https://youtu.be/_GHtG6oI4Ww?si=XsQSg9LOUNVDLClI)
Traduzido por Sandro M. Passos)
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