Sangha
Virtual
Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Limpando a Esponja
No retiro em Stonehill, Nova Iorque, dois professores de Dharma Seniores falaram sobre a prática do Começar de Novo.
Irmão Phap An: Alguns devem ter ouvido apresentações sobre a prática de Começar de Novo algumas vezes. Se você já esteve em um retiro do Thay, toda vez temos uma apresentação do Começar de Novo.
Desta vez a Sangha pediu a mim e à irmã Dang Nghiem para fazermos essa apresentação. Nos encontramos alguns dias atrás e eu disse que tenho feito essa apresentação há muitos anos, e cada vez eu quero renovar o Começar de Novo! O que deveríamos fazer? Portanto esta noite vocês verão um “bate-bola”! Vamos ver como evolui.
Esta manhã, irmã Anabel mencionou um homem trabalhando na garagem que virou para sua esposa e disse, “Eu sei que você deve estar sofrendo muito. Por favor, me fale sobre isso.” Esta é uma forma de Começar de Novo. Vamos perguntar para Irmã Dang Nghiem o que ela pensa sobre essa prática. O que deveríamos fazer antes de perguntar isso para o nosso amado? Por favor, me diga.
Irmã Dang Nghiem: Eu perguntaria, “A esponja está limpa?” (risos).
Irmão Phap An: O que você quer dizer por “esponja”? Eu não entendi este termo. Por favor, explique! (risos)
Irmã Dang Nghiem: Você sabe como lavar os pratos todos os dias? Nós usamos a esponja para limpar os pratos. Mas com que freqüência pensamos se a esponja está limpa? Como a esponja não está limpa, os pratos não ficarão limpos. Temos muita ansiedade em fazer o Começar de Novo, mas na verdade o primeiro passo é voltar e fazer Começar de Novo com nós mesmos – limpar a esponja.
Na nossa vida, frequentemente, olhamos para novas coisas. Se um par de sapatos está velho, compramos um novo. Se um par de sapatos está novo, mas não gostamos deles, conseguimos um novo. Às vezes fazemos isso com as relações. Podemos conseguir outro namorado ou namorada.
Mas com que freqüência fazemos o Começar de Novo com o que temos, para ver essas coisas frescas, fazê-las novas, vivas e bonitas de novo? Com que freqüência nos ouvimos pensando os mesmos pensamentos e dizendo as mesmas coisas que sabemos que não irão trazer mais entendimento e harmonia? Com que freqüência vemos que nas nossas reações físicas temos padrões previsíveis?
A prática de Começar de Novo começa com uma esponja. Significa que começaremos de novo com nossos pensamentos, nossa fala e nossas ações do corpo. Irmão, como fazemos o Começar de Novo com nossos pensamentos? Acho que é o mais difícil.
Irmão Phap An: Para mim, como um monge, a vida de um praticante é a vida de praticar o Começar de Novo a cada momento de minha vida diária. Esta é a minha prática. O modo que eu pratico Começar de Novo é retornar para minha respiração. Inspirando, sei que estou inspirando. Expirando, sei que estou expirando. Depois, inspirando, tenho consciência do meu corpo inteiro. Expirando, eu relaxo meu corpo. Esta é a minha prática de Começar de Novo com meu corpo físico.
Como seres humanos, frequentemente agimos como uma máquina automática. Assim que o botão é apertado, agimos de determinada forma. Para responder propriamente a qualquer situação, a primeira prática é parar. A consciência da respiração é muito importante; nos ajuda a parar.
Eu costumava ter um temperamento quente. Mas agora eu diminuí minha pressão sanguínea! Demorou muito tempo para praticar parar, mas esse é o treinamento de um monge.
Lembro de uma vez que haveria uma cerimônia em Plum Village. Nesse dia o abade me pediu que pendurasse uma placa de madeira com a caligrafia do Thay e preparasse um altar para os ancestrais. Discutimos entre nós onde pendurá-la, mas o abade não estava lá, ele estava ocupado, talvez ocupado tomando chá. Thay Giac Thanh era o abade, um irmão muito querido, muito gentil, muito Zen.
Portanto penduramos a placa e era quase meio dia quando tiramos a escada, a furadeira, o martelo e as ferramentas. Com sua vara de mestre Zen, o abade veio e andou pela sala de meditação. Ele olhou e disse, “Bem, a placa de madeira com a caligrafia do Thay não está bem ali. O altar deveria estar em outro lugar.” (risos)
Era um treinamento Zen. Quando você for a um monastério e tiver frustração, pense nisto como um treinamento.
Quando ele veio e disse que precisávamos mover a placa, minha raiva veio como loucura. E você sabe o que fiz? Assim que ele saiu, eu deitei no chão, esticado! Deitei no chão e me abracei e comecei a seguir minha respiração. Inspirando, eu sei que estou inspirando! (risos) Expirando, sei que estou expirando. E eu sentia uma raiva tão forte que ela queria me fazer decolar do chão.
Inspirando, eu sei que estou com raiva. Expirando, eu abraço minha raiva com todo o meu amor! Esta é a verdadeira transmissão para vocês essa noite. Quando estiver com raiva de seu amado, mesmo que esteja em uma rua pavimentada, deite-se. É o modo Zen de praticar. Mas tenha certeza que nenhum caminhão esteja passando. (risos)
Por sorte eu fui capaz de deitar e abraçar minha raiva. Depois de cinco ou dez minutos, me senti mais calmo, levantei e saí para procurar um outro irmão que pudesse me ajudar a mover o altar dos ancestrais.
Portanto minha prática de Começar de Novo tem muito a ver com a vida diária. A prática da meditação caminhando é a prática de Começar de Novo. No momento que colocamos nosso pé no chão, consciente do passo, consciente do nosso corpo, consciente do céu azul ou dos nossos sentimentos, esta é uma maravilhosa prática de Começar de Novo.
Minha irmã Dang Nghiem disse, “Esta é a maneira de limpar a esponja.” Em cada um de nós há um bloco de sofrimento. Todos nascemos com um bloco de sofrimento, que foi transmitido para nós pelos nossos ancestrais, o modo como viveram, o modo como agiram, o modo como falaram uns com os outros. Eles se fizeram sofrer. Assim que crescemos, estes blocos de sofrimento crescem como uma bola de neve. Começar de Novo é a prática de reverter o processo da bola de neve e fazer a bola de neve menor. Esta é a base da prática do Começar de Novo. Uma vez que sejamos capazes de ter calma e paz dentro de nós, então poderemos abordar a outra pessoa.
Irmã Dang Nghiem como você aborda uma irmã quando ela está com raiva de você? Como você pratica o Começar de Novo com ela? Depois de você limpar a esponja, o que você faz?
Irmã Dang Nghiem: Bem, na verdade a situação não aconteceu muito tempo atrás. Uma irmã veio até mim e enquanto estávamos passando uma pela outra, ela me deu um bilhete. Ela e eu temos sido realmente próximas porque fomos aspirantes juntas. Chegamos como jovens leigas, praticamos juntas e então nos ordenamos na mesma época. Portanto somos irmãs na mesma família.
Recentemente houve algo que fez que nos estranhássemos. Seu bilhete dizia algo assim: “Estou pronta, se você estiver pronta, para falar sobre sua raiva comigo.”(risos) Eu fiquei chocada quando li aquele bilhete! E então ela foi embora. No caminho de volta, eu estava em pé e disse algo para ela. Mas inicialmente, tenho que dar a você um pouco dos antecedentes ou isso poderá chocá-los!
Quando eu era jovem – minha avó foi quem criou meu irmão e eu – cada vez que eu tentava ser um pouco filosófica ou argumentativa, minha vovó apenas me olhava e dizia, “Você me faz querer defecar!” (risos) Isto efetivamente esvaziou meu ego.
Portanto quando minha irmã passou por mim uma segunda vez, eu disse: “Você me faz querer defecar! (risos) É fala amorosa entre nós. Ela disse: “Defecar, portanto você está desbloqueada! (risos). Quando ela disse isso, eu apenas levantei seu chapéu e beijei sua bochecha. Então ela se foi.
Aquilo realmente me deixou feliz naquele momento. Podemos apenas ser patetas juntos novamente. Ao passar do dia, eu pensei, “agora eu posso ir e falar com ela.” E então me veio: “Não eu não quero falar com ela, vou deixá-la sofrer!” (risos) Eu apenas não queria ir falar com ela.
Mesmo que nos nossos preceitos como monges e monjas não devêssemos guardar raiva por mais de 24 horas, eu queria que ela esperasse alguns dias! Mas profundamente dentro de mim, eu estava limpando minha esponja. Eu sempre faço meu melhor porque sei que sou muito inabilidosa. Eu estava consciente que queria vingança, mas ao mesmo tempo estava apenas sorrindo porque sentia muito amor pela minha irmã. Era apenas uma questão de tempo até que nos falássemos.
Quando fizemos o Começar de Novo era lua cheia, ela sentou e eu falei para ela. Eu disse: “Na verdade, não estou com raiva de você. Não é raiva o que você sente vindo de mim, mas ferimento. Quando você compartilhou daquele jeito, me tomou de surpresa. Eu pensei que nos conhecíamos, e agora eu ouço que você não pode falar comigo. Eu sinto que você não me entende, e isso me fere demais.”
Ela apenas ouviu e eu fiz o meu melhor para não acusá-la de nenhuma maneira, mas explicar como eu me sentia. Eu também expliquei como contribuí para a situação. Porque admito que havia vezes que ela tentou me dar conselhos e eu não queria ouvir. Foi por isso que chegamos ao ponto onde ela sentiu que eu não a ouvia e ela não podia falar para mim.
No final ela disse: “Agora eu não quero dizer nada, mas me faz ficar mais leve te ouvir.” Fizemos a meditação do abraço e eu disse: “Por favor, perdoe minhas limitações.” Ela disse: “Não se preocupe sobre isso.” Nós fomos embora nos sentindo muito mais felizes.
O interessante é que a estranheza continuou. Começar de Novo não é um tipo de mágica. Às vezes funciona e a situação é resolvida, mas para mim é um processo contínuo. Voltamos para a esponja que tem que se limpar sozinha. Profundamente dentro de nós há ainda pensamentos e visões, má vontade, ressentimentos ou o que quer que seja. Quando fazemos o Começar de Novo, isso é resolvido em certo nível, mas os níveis mais profundos ainda estão lá. Enquanto a estranheza entre nós ainda estava lá, eu sabia profundamente em mim que ainda havia outras questões, como deveriam haver dentro dela. É preciso muita paciência e amor.
Vejo que confiamos uma na outra porque queremos fazer o compromisso de viver em conjunto como companheiras, como pais e filhos, ou irmãos e irmãs. Queremos que nossa relação seja saudável, seja bonita, mas ao mesmo tempo percebemos que é um processo contínuo, e é muito difícil. A melhor coisa que podemos oferecer uns aos outros é a nossa prática. Tomamos a responsabilidade pela nossa esponja, e nos damos o espaço e o tempo para constantemente nos limparmos. Também damos a outra pessoa tempo e espaço para fazer isso, porque se nos pressionarmos ou à outra pessoa quando não estamos prontos para o Começar de Novo, para compartilhar ou ir a um nível mais profundo, então fica esquisito e não natural e pode causar mais estrago. É realmente um processo que é como uma dança e temos que aprender a ser sensíveis a isso. Gostaria que meu irmão compartilhasse um pouco sobre o processo de Começar de Novo.(...)
Irmão Phap An: (...) A chave da prática do Começar de Novo é retornar e tocar o amor profundo dentro de você. Quando temos uma relação – conosco mesmos, com nosso ambiente, com um companheiro ou um amigo – o abordamos com esse amor. Quando você vem a um retiro pela primeira vez, você tem esse primeiro amor. Então você vem uma segunda vez, as coisas se tornam mais familiares e de alguma forma este primeiro amor começa a se deteriorar um pouco, porque usamos nossa experiência anterior para responder à nova situação. Esta é a nossa tendência humana. Somos como uma máquina e tendemos a agir dessa maneira.
O Começar de Novo é para acender, para voltar ao primeiro amor que está dentro de nós. Eu acredito que em cada relação há este primeiro amor. O primeiro momento que você toca a terra e dá aquele primeiro passo na meditação caminhando, este é o seu primeiro amor. Se você pratica por algum tempo e não obtém felicidade dessa prática, não obtém alegria dela, então aquele amor está começando a deteriorar.
Quando a relação se torna menos nutritiva, menos alegre, então este primeiro amor está sendo destruído. Começar de Novo serve para voltar e tocar aquele amor uma vez mais. Na linguagem da minha irmã, serve para limpar nossa esponja, limpar esta esponja de forma que o primeiro amor se revele novamente.
(Conversa de Dharma dada por Irmã Dang Nghiem e Irmão Phap An em retiro em Nova Iorque no dia 15 de agosto de 2007 Casey – publicado na revista Mindfulness Bell n. 47)
(Transcrito por Greg Sever, editado por Janelle Combelic e Bárbara)
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