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do Ven. Thich Nhat Hanh
A medicina da plena atenção (Cinco Práticas para o Cultivo da Felicidade - parte 1)
Todos queremos ser felizes, e há muitos livros e professores no mundo que tentam ajudar as pessoas a se tornarem mais felizes. Contudo, ainda continuamos a sofrer. Portanto, podemos pensar que estamos "fazendo algo errado." De alguma forma estamos "falhando com a felicidade." Isso não é verdade. Ser capaz de desfrutar a felicidade não requer que nós tenhamos absolutamente nenhum sofrimento. Na verdade, a arte da felicidade também é a arte de saber como sofrer.
Quando aprendemos a reconhecer, aceitar e entender nosso sofrimento, nós sofremos muito menos. Não apenas isso, mas também seremos capazes de ir ainda mais fundo, e transformaremos o nosso sofrimento em compreensão, compaixão e alegria para nós mesmos e para outros.
Uma das coisas mais difíceis de aceitar é que não há nenhum reino onde existe apenas felicidade e nenhum sofrimento. Isto não significa que devemos nos desesperar. Sofrimento pode ser transformado. Assim que abrirmos nossa boca para dizer "sofrimento", sabemos que o oposto de sofrimento já está lá também. Onde existe sofrimento, existe também a felicidade. De acordo com a história da criação no livro bíblico do Gênesis, Deus disse, "Que haja luz". Eu gosto de imaginar que a luz respondeu, dizendo: "Deus, eu tenho que esperar minha irmã gêmea, a Escuridão, para estar comigo. Eu não posso existir sem a escuridão." Deus replica, "Por que precisa esperar? A escuridão já está aqui." A Luz então diz, "Nesse caso, então eu também estou presente."
Se nos concentrarmos exclusivamente em buscar a felicidade, podemos considerar o sofrimento como algo a ser ignorado ou reprimido. Podemos pensar nisso como algo que se consegue enquanto estamos a caminho da felicidade. Mas a arte da felicidade também é a arte de saber como sofrer. Se sabemos como lidar com o nosso sofrimento, podemos transformá-lo e sofrer muito menos. Saber como sofrer é essencial para que possamos realizar a verdadeira felicidade.
A maior aflição de nossa civilização moderna é que não sabemos como lidar com o sofrimento dentro de nós, e assim tentamos ocultá-lo usando todos os tipos de consumo. As lojas vendem uma infinidade de dispositivos para nos ajudar a esconder nosso sofrimento interior. Mas até que sejamos capazes de enfrentar o nosso sofrimento, não seremos capazes de realmente estar presentes e disponíveis para a vida, e a felicidade continuará a nos escapar.
Há muitas pessoas que têm enorme sofrimento dentro de si, e não sabem como lidar com isso. Para muitas pessoas, isso começa em uma tenra idade. Então, por que nossas escolas não ensinam aos jovens as maneiras saudáveis de lidar com o sofrimento? Se um aluno está muito infeliz, ele não consegue se concentrar e não aprenderá. O sofrimento em cada um de nós afeta todos os outros à nossa volta. Quanto mais aprendermos sobre a arte de sofrer corretamente, menos sofrimento haverá no mundo.
A plena consciência é a melhor maneira de conviver com o nosso sofrimento sem ser oprimido por ele. Plena Consciência é a capacidade de viver no momento presente, saber claramente o que está acontecendo aqui e agora. Por exemplo, quando vamos levantar os dois braços, estamos conscientes do fato de que vamos levantar os braços. Nossa mente é una nosso levantamento de nossos braços, e nós não pensamos sobre o passado ou o futuro, porque levantar os braços é o que está acontecendo no momento presente. Ser consciente significa estar atento. Esta é a energia que sabe o que está acontecendo no momento presente.
Levantar os braços e estar atento ao ato de levantar nossos braços — isso é plena consciência, atenção plena da nossa ação. Quando inspiramos e sabemos que estamos inspirando, isso é atenção plena. Quando damos um passo, e sabemos claramente que o ato de dar um passo está ocorrendo, estamos conscientes de cada passo. Plena consciência é sempre ter clara consciência de algo.
Essa é a energia que nos ajuda a estar ciente do que está acontecendo aqui e agora — em nosso corpo, nossos sentimentos, nossa percepção, em tudo à nossa volta. Com plena consciência, você pode reconhecer a presença do sofrimento em si mesmo e no mundo. É com essa mesma energia que você irá se tornar capaz de abraçar ternamente o sofrimento.
Por estar ciente de seu inspirar e expirar, você é capaz de gerar a energia de consciência, e assim é possível cuidar de seu sofrimento. Praticantes de plena consciência podem ajudar e apoiar uns aos outros para reconhecer, abraçar e transformar o sofrimento. Com atenção plena, não mais teremos medo da dor. Podemos até mesmo ir mais longe e fazer bom uso do sofrimento, para assim gerar a energia de compreensão e compaixão que irá nos curar. E quando isso acontecer, também poderemos ajudar os outros em direção a cura e a felicidade.
Começamos a produzir a medicina da plena atenção por meio da ação de parar e respirar conscientemente, colocando nosso foco no inspirar e expirar. Quando paramos e respiramos desta maneira, unimos corpo e mente e voltamos a nos abrigar em nós mesmos. Percebemos nossos corpos plenamente.
Estaremos verdadeiramente vivos somente quando a mente estiver unida ao corpo. A grande notícia é que esta unicidade de corpo e mente pode ser realizada através de uma simples inspiração. Talvez em alguns momentos não somos gentis o suficiente com o nosso corpo. Ao reconhecer a tensão, a dor, o stress em nosso corpo, poderemos banhá-lo em nossa energia de consciência, e isso é o começo da cura.
Se nós cuidarmos do sofrimento dentro de nós, teremos mais clareza, energia e força para nos ajudar a lidar com o sofrimento de nossos entes queridos, bem como o sofrimento existente em nossa comunidade e no mundo. Se, no entanto, estamos preocupados com o medo e desespero existentes em nós, nós não podemos ajudar a remover o sofrimento dos outros.
Há uma espécie de arte em saber sofrer. Se nós soubermos como cuidar de nosso sofrimento, não apenas sofreremos muito, muito menos, mas também iremos criar mais felicidade ao nosso redor e no mundo.
Quando eu era um jovem monge, eu me perguntava por que o Buddha continuou praticando plena consciência e meditação mesmo depois que ele já havia se tornado um Buddha. Agora eu sei que a resposta é simples o bastante para se perceber. Felicidade é impermanente, como tudo o mais. Para que a felicidade seja ampliada e renovada, temos que aprender a alimentar nossa felicidade.
Nada pode sobreviver sem alimento, incluindo a felicidade; sua felicidade pode morrer se você não souber como alimentá-la. Se você cortar uma flor, mas não a coloca na água, a flor vai murchar em poucas horas. Mesmo se a felicidade já está manifestada, temos que continuar a alimentá-la. Esta prática às vezes é chamada de autorregulação, e é muito importante.
Versão ao português de Monge Kōmyō (comentários entre colchetes de autoria do tradutor)
- From No Mud, No Lotus: The Art of Transforming Suffering, by Thich Nhat Hanh
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