Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Medo, raiva e o significado de sobrevivência

 

A pergunta que gostaríamos de fazer é: Queremos sobrevivência ou queremos felicidade? E a segunda pergunta é, felicidade e sobrevivência, essas duas coisas podem andar juntas? Porque enquanto lutamos para sobreviver, temos que destruir, matar. E a motivação, a profunda motivação interior, é não apenas sobreviver, mas ter prazer.

 

Olhando profundamente para a situação atual, podemos ver isso com muita clareza. As pessoas estão se matando. Muitos acreditam que os outros são os obstáculos em seu caminho para a sobrevivência e para os prazeres sensuais. Por um lado, tentamos lutar para sobreviver e, por outro lado, tentamos o nosso melhor para obter o prazer, os prazeres sensuais. Ambos os tipos de ação estão trazendo muito sofrimento para nós e para nossas vítimas.

 

Podemos ver que aquele que tem que perecer no ciclo, é claro que sofre. Mas quem ganha também sofre. Esse hábito, essa semente é muito profunda em nós - o desejo de sobreviver, o desejo de obter o máximo de prazer sensual possível.

 

Quando examinamos os ensinamentos do Buda, podemos ver uma saída. O Buda não fala sobre sobrevivência, não nos encoraja no caminho da busca do prazer sensual. Sua mensagem está centrada em como lidar com nosso sofrimento, como transformar nosso sofrimento.

 

Quando ficamos com raiva, sofremos e fazemos as pessoas ao nosso redor sofrerem. O Buda gostaria que aprendêssemos a reconhecer o sofrimento causado pela raiva e pelo tipo de ação resultante da raiva. O Buda nos encoraja a olhar profundamente para a raiva como a causa do sofrimento e encontrar maneiras de transformar essa raiva em compaixão, bondade amorosa. Porque, enquanto a raiva faz a gente e as pessoas ao redor sofrerem, a compreensão e a compaixão trazem alívio.

 

Ele também nos aconselha a olhar, a reconhecer o nosso medo. Porque o medo também traz muito sofrimento. Por causa do medo podemos agir de forma muito destrutiva. Tentamos matar os outros antes que eles tenham a chance de nos matar. Não conseguimos dormir bem, sempre com medo: "Os terroristas estão por toda parte e podemos morrer a qualquer momento". Assim, somos levados pelo nosso medo a fazer alguma coisa, a matar o terrorista antes que ele nos mate. No processo de tentar matá-los e obter segurança, matamos muitas pessoas inocentes.

 

O Buda nos aconselhou a examinar profundamente a natureza de nosso medo e ver se existe uma maneira de transformar nosso medo em compreensão e compaixão, porque a compreensão e a compaixão nos ajudarão e ajudarão as pessoas ao nosso redor. Ele nos aconselhou a olhar para nossa ilusão. Estamos confusos: não sabemos para onde ir, o que fazer. Não temos caminho. Estamos perdidos e a confusão nos deixa com raiva, com medo, desesperados. Presos em um estado de raiva, de desespero, de desespero e medo, podemos nos destruir. Podemos destruir nossa saúde e causar muito sofrimento a muitas outras pessoas.

 

O Buda também nos aconselhou a olhar para o nosso desejo, a natureza do desejo. Porque o desejo também nos empurra na direção da ação errada. Quando o desejo está presente, não temos paz; não temos felicidade.

 

Essas coisas são descritas nos ensinamentos budistas como venenos. Quando colocamos o veneno em nós, sofremos e fazemos outras pessoas sofrerem. Já tendo venenos em nós, continuamos a obter mais veneno de fora, de nosso ambiente. Ficamos com mais medo, mais raiva, mais confusão, mais desejo. Isso torna a situação cada vez mais difícil.

 

Olhando profundamente, podemos ver que em termos de sobrevivência, apenas em termos de sobrevivência, a prática para nos ajudar a transformar nossa raiva, nosso medo, nossa confusão e nosso desejo, nos ajuda a sofrer menos, nos ajuda a curar, nos ajuda a ter uma saúde melhor, para nós mesmos. Também nos ajuda a mudar o ambiente. Com isso, a chance de sobreviver é melhor.

 

Agora, olhando para a situação do mundo, vemos quanta confusão, medo e raiva nos destroem e destroem as pessoas ao nosso redor. Isso vai na linha da evolução. Você pode pensar que a evolução é base para a sobrevivência, mas não é. Está criando muito sofrimento, e a sobrevivência não pode ser algo muito certo, porque se continuarmos assim, ninguém sobreviverá no futuro. É por isso que temos que trazer a dimensão da "evolução espiritual", "evolução cultural", e entender a palavra "sobrevivência" de outra forma, com outro significado.

 

Há aqueles de nós que têm uma doença grave, e os médicos dizem que não podemos viver muito. Morremos daqui a um ou dois anos, ou daqui a seis meses, e por isso temos muito medo. Temos muito desespero e raiva também. Esse medo, essa raiva, esse desespero, vão piorar a situação. Mas quando trazemos o ensinamento e a prática do Buda, podemos mudar a situação. Porque o ensinamento e a prática podem nos ajudar a lidar com a raiva, o medo e o desespero. Aprendemos a viver tranquilos e felizes, mesmo que aceitemos que nossas vidas vão o tempo que nos resta para viver é menor do que do que dos outros.

 

Quando você aprender a viver em paz, profundamente, aproveitando cada momento de sua vida diária, aprenderá a sorrir, a relaxar, a nutrir-se com elementos refrescantes e curativos da vida. Então esses venenos não farão mais mal a você. E muitos de nós, graças à prática, conseguimos viver muito, muito mais do que o previsto.

 

Havia um jovem no Canadá, e seu médico lhe disse que ele tinha apenas três meses de vida. Ele estava sentado ao meu lado em uma meditação de chá. E ele nos contou sobre sua situação. E eu disse: "Tudo bem, pode ser verdade que você vai morrer em três meses, mas você é capaz de tomar esta xícara de chá comigo em paz?" Eu o desafiei. "Porque este momento é um momento maravilhoso. Você está rodeado de amigos. Hoje é um lindo dia e tomamos chá. Você é capaz de desfrutar do seu chá na presença das pessoas sentadas ao seu redor?"

 

Eu o desafiei. "De que adianta ter 100 anos de vida se você não for capaz de tomar seu chá com tranquilidade?" Ele foi desafiado e tentou beber seu chá. Depois disso ele recebeu os ensinamentos de como desfrutar de andar, sentar, tomar chá, respirar. Ele tomou os Quatorze Treinamentos e recebeu o nome do Dharma "Vida Verdadeira". Ele foi capaz de viver 11 anos depois disso.

 

Então isso também é sobrevivência. Mas a sobrevivência não matando, destruindo as pessoas ou espécies ao redor, mas trazendo a prática da transformação e cura.

 

(Palestra de Dharma de Thich Nhat Hanh em 27 de novembro de 2005 – transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/9eDqcRTP3bI)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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