Sangha
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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Minha verdadeira casa
Era minha intenção ir apenas por três meses para dar a série de palestras em Cornell, e depois fazer um tour na América e na Europa e voltar para casa. Eu estava trabalhando com meus amigos em uma escola de jovens para serviço social, Universidade Budista Van Hahn que eu havia fundado em 1964. Todos os meus amigos, colegas de trabalho estavam no Vietnã.
Eu não queria ir por muito tempo. Eu pretendia vir aqui apenas por três meses. Mas já se passaram 38 anos. Não consigo ir para casa há 38 anos. É por isso que eu fui compartilhando a prática com amigos na Europa, na América, em outros países.
Mas como eu encontrei minha verdadeira casa, eu não sofro. A verdade é que durante o primeiro ano do meu exílio, foi difícil, bem difícil. Embora eu já tivesse 40 anos, embora eu já fosse um professor do Dharma, tinha muitos monges e monjas como alunos, discípulos, ainda assim eu não havia encontrado meu verdadeiro lar.
Eu podia dar palestras muito boas sobre o budismo, sobre a prática do budismo, mas eu não havia realmente chegado. Intelectualmente, eu tinha muito budismo. Eu tinha sido treinado vários anos em um instituto budista e pratiquei desde os 16 anos.
Durante o tempo em que eu era um jovem monge, eu dei o meu melhor para renovar o budismo, atualizar o budismo para que ele pudesse responder à situação real de sofrimento, o chamado Budismo Engajado. O tipo de budismo que pode lhe oferecer as respostas para as questões urgentes da sociedade, questões como guerra, injustiça social, repressão política, pobreza, violência e assim por diante.
Foi muito difícil para mim durante os dois primeiros anos porque minha intenção era trazer informações para o mundo, o tipo de informação que não estavam disponíveis às pessoas porque as partes em conflito tinham todos os meios de comunicação de massa. Na turnê de palestras, eu dormia uma ou duas noites em cada cidade, na América, na Europa, na Austrália, e assim por diante.
O tempo todo quando eu acordava à noite eu não sabia onde estava. Muito difícil, muito duro. Eu tinha que inspirar e expirar para saber onde eu estava, que cidade, que país.
Eu sonhava em ir para casa, para o meu templo raiz, no centro do Vietnã, subindo uma colina, uma colina verde, belas árvores. Na metade do caminho do topo da colina eu acordava, e percebia que estava no exílio. O mesmo tipo de sonho repetia uma vez ou outra. Eu era muito ativo. Eu estava fazendo amizade com muitas pessoas: sacerdotes católicos, ministros protestantes, professores, jovens, crianças.
Minha prática era a prática de atenção plena. Eu tento viver no aqui e agora e tocar as maravilhas da vida em minha vida diária. Eu sobrevivi por essa prática. As árvores na Europa eram tão diferentes das árvores no Vietnã: as frutas, as flores, são todas diferentes e as pessoas também. Então eu aprendi a fazer amigos e brincar com crianças alemãs, crianças francesas, crianças africanas, crianças britânicas. Fiz grande amizade com padres anglicanos, padres católicos, ministros protestantes e assim por diante.
Graças a essa prática, eu fui capaz de encontrar minha verdadeira casa no aqui e agora. Eu parei de sofrer, e o sonho não voltou mais. As pessoas pensam que eu sofro quando não posso voltar ao Vietnã, mas esse não é o caso. Se eu for para o Vietnã, isso será uma alegria. Poder oferecer o ensinamento aos monges, as monjas e os leigos de lá, e falar com os artistas, com os escritores e outros. Mas se eu não puder ir, eu não tenho que sofrer. Eu posso me encontrar com pessoas, outras pessoas em outros países, como na China, na Coréia, no Japão, na Espanha, na Inglaterra, no Canadá e assim por diante.
A fórmula: "Eu cheguei, estou em casa." é a encarnação, a expressão da minha prática. Expressa minha compreensão do ensinamento do Buda. Isto é a nata da minha prática: "Eu cheguei, estou em casa." Desde o tempo que eu encontrei minha verdadeira casa, não sofri mais.
O passado não é mais uma prisão para mim. O futuro não é mais uma prisão para mim. Eu sou capaz de viver no aqui e agora. Eu sou capaz de tocar minha verdadeira casa. Eu sei que o futuro está disponível através do presente. Foi isso o que eu descobri.
Quando você toca profundamente o momento presente, você toca o passado e se você sabe como lidar com o momento presente corretamente, você cura o passado. Muitos pensam que o passado já se foi, que você não pode fazer nada. Você não pode voltar ao passado e consertar as coisas, reparar as coisas. Mas de acordo com este ensinamento do Buda, o passado ainda está lá, com toda a dor e sofrimento.
Se você sabe como voltar para casa, ao momento presente, e tocar profundamente o momento presente, você toca o passado, e você pode curar o passado. E quando você se cura, você cura seus ancestrais. Isso é possível.
Meus ancestrais têm sofrido em mim. Eu também já sofri mas como eu sou capaz de tocar profundamente o momento presente, eu me curo, e eu curo meus ancestrais incluindo meu pai, minha mãe, meu irmão, minha irmã, meu avô, minha avó.
Quando pratico caminhada, eu gero energia de liberdade e solidez. Eu sinto que todos os meus ancestrais desfrutam da liberdade e da solidez que gero com a prática da caminhada. Porque para mim, meus ancestrais estão sempre vivos em mim, totalmente presentes em mim, em cada célula do meu corpo. Se estou livre, eles estão livres. Se eu me curar, eles se curam.
Quando eu dou um passo com solidez e liberdade, todos eles dão o passo comigo. Você tem que dar esse passo com todo o seu ser. Consciência plena, concentração total para o passo ser realmente sólido, para ser livre, para que você possa tocar a vida, a unidade da vida naquele momento. Isso é cura e nutrição.
Então o ato de dar um passo é um ato de liberdade, ato de libertação. Você se liberta, você liberta seus ancestrais. É um ato de revolução. Por favor acredite em mim. Você não pode dar esse passo a menos que invista inteiramente seu corpo e sua mente 100%. Ao inspirar, você fica inteiro, corpo e mente.
Você se torna um e com essa energia de atenção plena e concentração, você dá um passo e você tem a percepção de que esta é a sua verdadeira casa. Você está vivo, você está totalmente presente, você está tocando a vida como uma realidade. Sua verdadeira casa não é uma ideia abstrata, é como uma realidade sólida que você pode tocar com seus pés, com a sua mão, e com sua mente.
O reino de Deus ou a Terra Pura de Buda, para mim, não são ideias abstratas. É algo que você pode tocar em cada momento, você pode viver, em cada momento. Está disponível no aqui e agora. Se você sabe como se tornar disponível então o Reino está disponível, a Terra Pura está disponível, sua verdadeira casa está disponível. Ninguém pode tirar esse verdadeiro lar. Eles podem ocupar seu país, sim. Eles podem colocá-lo na prisão, sim. Mas eles não podem tirar seu verdadeiro lar, sua liberdade.
(Palestra de Dharma de Thich Nhat Hanh em Deer Park em 2004 – transcrito do vídeo do YouTube https://youtu.be/FuH3akQzbiA?si=ZfCxNwEXYLr3-EOl)
Traduzido por Sandro M. Passos)
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