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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
O Quarto Treinamento (parte 1)
Consciente do sofrimento causado pela fala inconsequente e por minha falta de habilidade em ouvir os outros, eu me comprometo a cultivar a fala amável e a escuta compassiva para aliviar o sofrimento, e promover a reconciliação e a paz em mim mesmo e entre as pessoas, grupos religiosos, étnicos e nações. Sabendo que a as palavras podem criar tanto felicidade quanto sofrimento, eu me comprometo a falar a verdade com palavras que inspirem confiança, alegria e esperança. Ao perceber a raiva se manifestando em mim, eu me comprometo a não falar. Praticarei a respiração e o caminhar em plena consciência para reconhecer minha raiva e olhar com profundidade suas raízes - especialmente no caso de percepções errôneas ou falta de compreensão do meu próprio sofrimento e do sofrimento de outras pessoas. Falarei e escutarei de modo a aliviar o sofrimento, tanto em mim quanto nos demais, e a resolver situações difíceis. Eu me comprometo a não espalhar notícias das quais não tenha certeza e a não usar palavras que possam causar divisão ou discórdia. Praticarei a Diligência Correta como um meio de nutrir minha capacidade de compreensão, amor, alegria e inclusão, e também para transformar gradativamente a raiva, a violência e o medo presentes em minha consciência.
O Terceiro Treinamento da Consciência, que nos ajuda a praticar o amor e a compreensão para com os outros e nós mesmos, é a base para a prática da fala amável e escuta profunda. Muitas vezes, a nossa raiva e irritação nos impedem de sermos capazes de usar a fala amorosa e falamos de uma forma que causa danos à nossa família, comunidade e colegas de trabalho.
O Quarto Treinamento da Consciência concentra-se na fala correta e na escuta profunda, porque só podemos compreender uma outra pessoa quando somos capazes de realmente ouvi-la. Quando podemos ouvir os outros com profunda compaixão, podemos compreender a sua dor e dificuldades. Isso nos ajuda a nos sentirmos calmos e receptivos e passa a ser fácil falarmos com eles usando a fala amorosa. A fala amorosa é uma ferramenta essencial quando queremos construir uma comunidade que seja de cura e refúgio para as pessoas.
É útil se, antes de falar, você for capaz de ouvir bem. Você pode começar a praticar isso por conta própria, ouvindo-se em sua meditação. Ouvir profundamente o outro é também uma forma de meditação. Seguimos nossa respiração e praticamos a concentração e aprendemos coisas sobre a outra pessoa que nunca soubemos antes. Quando praticamos a escuta profunda, podemos ajudar a pessoa a quem estamos ouvindo a remover as percepções que a estão fazendo sofrer. Podemos restaurar a harmonia em nossas parcerias, nossas amizades, nossa família, nossa comunidade, nosso país e entre as nações. É muito poderoso.
Às vezes, quando tentamos ouvir a outra pessoa, não podemos porque não escutamos a nós mesmos. Nossas próprias emoções fortes e pensamentos são tão altos em nós, clamando por nossa atenção, que não podemos ouvir a outra pessoa. Nós pensamos que o que estão dizendo apenas confirma ou contradiz nossos próprios pensamentos e emoções. Portanto, antes de ouvir o outro, temos de passar um tempo ouvindo a nós mesmos. Podemos sentar conosco mesmo, voltar para o lar em nós mesmos e ouvir o que as emoções levantam, sem julgar ou interrompê-las. Nós podemos ouvir o que quer que os pensamentos tragam, em seguida, deixá-los passar sem nos prendermos a eles. Então, quando tivermos passado algum tempo a nos ouvir, poderemos ouvir àqueles que nos rodeiam.
Quando você pratica a escuta compassiva, é importante lembrar que você escuta com um único propósito que é ajudar a outra pessoa a sofrer menos. Você dá a outra pessoa a chance de dizer o que está em seu coração. Mesmo que a outra pessoa diga algo rude, provocativo ou incorreto, você ainda continuar a ouvir com compaixão.
Você é capaz de fazer isso, porque ao se sentar e ouvir, está praticando a plena consciência da compaixão. Durante todo o tempo de escuta, você pratica a respiração consciente e lembra-se: "Estou ouvindo-o com um único propósito, dar-lhe a oportunidade de esvaziar o seu coração e sofrer menos. Eu posso ser a primeira pessoa que o ouviu assim. Se eu fosse interrompê-lo e corrigi-lo, isto transformaria a sessão em um debate e eu falharia em minha prática. Mesmo que haja equívocos e informações erradas no que ele diz, eu não vou interrompê-lo e corrigi-lo. Em alguns dias eu posso oferecer-lhe algumas informações para ajudá-lo a corrigir suas percepções, mas não agora. "
Se você puder manter essa atenção plena de compaixão viva em seu coração durante o tempo de escuta, então estará protegido pela energia de compaixão e o que a outra pessoa disser não vai tocar a energia de irritação e raiva em você. Dessa forma, você pode ouvir por uma hora ou mais, e a qualidade da sua audição vai ajudar a outra pessoa a sofrer menos.
Quando as pessoas ouvem umas as outras assim, elas realmente reconhecem a humanidade e o sofrimento da outra pessoa. Você vê que a outra pessoa é um ser humano, alguém muito parecido com você. Você não precisa mais olhar para a pessoa com suspeita, raiva ou medo. E quando for a sua vez de falar, você poderá facilmente praticar o uso da fala amorosa.
Depois de ouvir o outro e apenas em um momento em que a pessoa esteja pronta para ouvir, podemos praticar a fala amorosa. Fala amorosa não é algo que só usamos em um relacionamento, com a família ou com amigos próximos. Você pode praticar a fala amorosa a cada vez que você fala.
Muito mal é causado pela fala errada. O Primeiro Treinamento da Consciência é sobre não causar violência e não matar. A violência pode ser causada pela nossa fala, não apenas por nossas ações físicas. Textos budistas mencionam quatro tipos de linguagem incorreta: a mentira; exagerar ou embelezar a verdade; falar a fim de provocar divisão; insultar e falar mal dos outros. Estas são todas formas de fala incorreta que podem causar violência grave e danos.
Mentir também inclui distorcer a verdade ou dizer o que é parcialmente verdade. Exagerar significa intencionalmente fazer algo ser maior ou mais extremo do que é. Por exemplo, se algo não é particularmente bonito você diz que é tremendamente feio. Nós adicionamos e embelezamos ou inventamos detalhes para que soe mais interessante e as pessoas queiram ouvir, mas este tipo de discurso pode levar a mal-entendidos e desconfiança. Discurso divisionista significa que falamos com alguém de tal forma que faça com que ele não goste de outro. Ou falamos da mesma coisa de forma diferente para pessoas diferentes, de uma forma que cria mal-entendidos.
Temos que praticar falar a verdade e falar com habilidade. Caso contrário, podemos dizer algo que achamos que é verdadeiro, mas que pode fazer os outros sofrerem ou se desesperarem. Dizer a verdade de forma não hábil não é um comportamento saudável ou útil. Só porque observamos ou experimentamos algo não significa que devemos falar sobre isso se isso fará com que os outros sofram. Por exemplo, se temos que dar a alguém uma má notícia, a outra pessoa pode ficar tão deprimida pela nossa notícia que pode se tornar incapaz de funcionar. Um médico ou enfermeiro precisa ser compassivo e muito hábil em não criar medo desnecessário em um paciente ou nos entes queridos dele. Se vemos que alguém está ganhando muito peso, nós não precisamos dizer: "Você já ganhou muito peso!" Esse tipo de discurso não é a fala correta.
Quando vemos alguém sofrer por causa de algo que dissemos, podemos ser tentados a dizer: "Bem, eu só estava dizendo a verdade." Pode ter sido a verdade, mas foi muito inábil e deveríamos dizer a nós mesmos que estamos determinados a nos treinar para não contar a verdade de uma maneira insensível. Nós temos que dizer a verdade de tal forma que beneficie os outros, o mundo e nós mesmos. Quando dizemos a verdade, fazemos com compaixão; falamos de tal forma que o portador possa aceitar o que estamos dizendo.
(Do livro “The mindfulness survival kit”– Thich Nhat Hanh)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)
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