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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
O Quarto Treinamento (parte 2)
Consciente do sofrimento causado pela fala inconsequente e por minha falta de habilidade em ouvir os outros, eu me comprometo a cultivar a fala amável e a escuta compassiva para aliviar o sofrimento, e promover a reconciliação e a paz em mim mesmo e entre as pessoas, grupos religiosos, étnicos e nações. Sabendo que a as palavras podem criar tanto felicidade quanto sofrimento, eu me comprometo a falar a verdade com palavras que inspirem confiança, alegria e esperança. Ao perceber a raiva se manifestando em mim, eu me comprometo a não falar. Praticarei a respiração e o caminhar em plena consciência para reconhecer minha raiva e olhar com profundidade suas raízes - especialmente no caso de percepções errôneas ou falta de compreensão do meu próprio sofrimento e do sofrimento de outras pessoas. Falarei e escutarei de modo a aliviar o sofrimento, tanto em mim quanto nos demais, e a resolver situações difíceis. Eu me comprometo a não espalhar notícias das quais não tenha certeza e a não usar palavras que possam causar divisão ou discórdia. Praticarei a Diligência Correta como um meio de nutrir minha capacidade de compreensão, amor, alegria e inclusão, e também para transformar gradativamente a raiva, a violência e o medo presentes em minha consciência.
Usar a fala amorosa e suave significa abrir mão de toda a raiva, medo e desconfiança. É um esforço de tentar compreender e ser compreendido. Se você pode falar com esse tipo de linguagem, e se você for sincero, a outra pessoa vai ser capaz de perceber sua sinceridade e lhe dirá o que ela sente que você fez de errado. Então você será capaz de descobrir as raízes de suas percepções erradas e terá a chance de oferecer-lhe informações reais que ela pode usar para corrigir suas percepções. Se ela puder remover as suas percepções erradas, então poderá reduzir sua suspeita, medo e raiva. Se você vir que nesta situação de mal-entendido você tem algo para se desculpar é importante estar disposto a fazê-lo imediatamente.
Suponha que um pai está tendo dificuldades com seu filho adolescente. O filho e o pai já fizeram o outro sofrer muito. O filho não se atreve a chegar perto de seu pai porque tem medo que vá sofrer de novo. O pai não entende o medo de seu filho. Em vez disso, ele acha que seu filho está tentando desafiá-lo ou boicotá-lo. Então suspeita e percepções erradas continuam a acumular-se todos os dias.
Se o pai puder ver o sofrimento de seu filho - a existência de raiva, medo, confusão e desconfiança - ele poderá ajudá-lo. Ele sabe que seu filho sofreu muito, porque não sabe como lidar com a quantidade de raiva, medo e suspeita que tem por dentro. Da mesma forma, se o filho teve a oportunidade de ouvir e entender o seu medo, raiva e desconfiança, então está em uma posição de ser capaz de ajudar o seu pai. Quando ele é capaz de ver a quantidade de sofrimento em seu pai, sua maneira de olhar para o seu pai vai ser diferente. Ao ver o sofrimento de seu pai, ele é motivado por um desejo de dizer algo ou fazer algo para ajudar seu pai a sofrer menos.
Precisa que apenas que um deles, seja o pai ou o filho, comece para restaurar a comunicação. Um deles pode dizer: "Eu sei que você já sofreu muito nos últimos muitos anos. Eu não tenho sido capaz de ajudá-lo a sofrer menos. Na verdade eu já reagi com raiva e teimosia e te fiz sofrer mais. Não foi minha intenção te fazer sofrer. É apenas porque eu não tenho sido capaz de ver ou entender o seu sofrimento. Então, por favor me diga o que está em seu coração, quais são suas dificuldades, seu sofrimento, seu medo, sua ira, de modo que eu seja capaz de entender. Acredito que se eu possa entender seu sofrimento, eu vou ser mais hábil, eu não vou dizer ou fazer coisas que façam você sofrer como fiz no passado. Eu preciso de você para me ajudar, porque se você não me ajudar, quem o fará?" Essa é a maneira que nós podemos começar a tentar restaurar a comunicação, seja nas famílias, amizades, relacionamentos românticos ou entre grupos de pessoas.
Usar fala amorosa assim não é fácil. Precisa de diligência. Diligência Correta é a parte do Nobre Caminho Óctuplo que está intimamente ligada com a Fala Correta O primeiro aspecto da Diligência Correta é praticar para não regar as sementes que não nos trazem nenhum benefício. No Budismo, falamos de todos os vários estados possíveis da mente como sementes em cada um de nós. Não somos necessariamente conscientes dessas sementes, mas todos temos todas as sementes dentro de nós e elas contêm todas as diferentes emoções, pensamentos e percepções que que possamos ter. Chamamos o lugar onde elas vivem de "consciência armazenadora." Se algo desencadeia essas sementes, por exemplo, se alguém diz algo indelicado que rega a sua semente de raiva, elas vão vir para cima e manifestam no nível superior da consciência, a consciência mental.
Na consciência mental elas são chamadas de formações mentais; na consciência armazenadora são sementes. A consciência armazenadora é como o porão de nossa casa. A consciência mental é como a sala de estar. Geralmente colocamos as coisas que não gostamos no porão. Queremos que a nossa sala de estar seja apresentável.
Fala amorosa requer a diligência de perceber e de se afastar quando descobrimos que estamos regando as sementes da inveja, raiva ou desespero em nossa consciência armazenadora. Quando há uma chance de uma forte emoção surgir você tem que cantar uma canção de ninar para ajudar que a emoção durma na consciência armazenadora. Nossa respiração e nossos passos conscientes também podem ser uma canção de ninar calmante.
Tente manter na consciência armazenadora as coisas que não trazem benefício antes de se manifestarem, porque quando se manifestam vão fazer você sofrer e ficarão fortalecidas. O fato é que se você permitir que a raiva venha e ocupe toda a sala de estar, e se você permitir que a raiva fique muito tempo, então ela será reforçada e se tornará mais importante. Se você ficar com raiva todos os dias, então a sua semente da raiva vai crescer mais e mais a cada dia, e será muito mais difícil para a compaixão crescer, porque não haverá espaço para ela. Sem espaço para a compaixão, será difícil de usar a fala amorosa.
Se a nossa raiva, ciúme ou desespero vier para cima, não precisamos deixá-la assumir. Podemos praticar a meditação andando para ficarmos mais calmos. Podemos também chamar deliberadamente a semente da compaixão ao pensar naquelas pessoas e lugares que facilmente nos colocam em contato com a nossa compaixão. No entanto, devemos lembrar que, neste momento, as duas pessoas que mais precisam de compaixão somos nós mesmos e a pessoa com quem estamos zangados. Quando regarmos a semente da compaixão, a raiva vai ser lançada de volta à consciência armazenadora e a fala amorosa se torna possível. Quando a compaixão surgir em você, fique com ela o maior tempo possível. Não se apresse em falar imediatamente. Isso faz parte da Diligência Correta, tomar tempo para reforçar a compaixão dentro de nós.
Você pode pensar nas sementes de compaixão e compreensão como bons amigos. Se um bom amigo chegou à sua sala de estar, tente o seu melhor para mantê-lo com você o maior tempo possível para que o bem continue a crescer. Da próxima vez, essas coisas boas vão se manifestar com mais facilidade, porque elas se tornaram importantes. Às vezes você não tem que convidá-los, elas apenas chegam em sua sala de estar. Você pode se acostumar com a felicidade estando presente em você. Felicidade se torna uma coisa regular, uma coisa normal. Talvez para você agora, a felicidade não seja normal, ela só vem de vez em quando. Mas se regar as sementes de felicidade, ela se manifestará por si mais e mais vezes, sem convite. Descobriremos que quando ouvimos profundamente a nós mesmos, seremos capazes de ouvir a felicidade, assim como o sofrimento, e fala amorosa e a escuta compassiva virão mais facilmente, criando mais felicidade para os outros também.
(Do livro “The mindfulness survival kit”– Thich Nhat Hanh)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)
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