Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

O Buda é você mesmo

 

Em um de seus ensinamentos o Mestre Linji nos diz que temos que retornar e ter confiança em nós mesmos. Não deveríamos esmolar por migalhas dos outros, incluindo vindas do Buda, dos mestres, professores espirituais, dos sutras e outras escrituras. As coisas que procuramos não estão nesses lugares. Essa mensagem aparece com freqüência nos ensinamentos do Mestre Linji. Se procurarmos por algo fora de nós, nunca encontraremos. Temos, dentro de nós, todas as sementes da budeidade. O Buda e os mestres não pertencem ao passado, ao futuro ou outro lugar. Eles estão aqui dentro de nós no momento presente.

 

Mestre Linji perguntou: “Você quer saber quem nosso professor, o Buda, é? O Buda é você mesmo que está sentado diante de mim, me ouvindo ensinar o Dharma.” A declaração é muito revolucionária. Nossa pessoa verdadeira é o Buda e o mestre, e esta pessoa verdadeira está bem dentro de nós. Todos os Budas e todos os mundos falados nos sutras são produtos da nossa mente, de nossa consciência. Não deveríamos procurá-los no espaço e não podemos achá-los no tempo. Podemos apenas achá-los na nossa própria consciência. Quando aprendemos os sutras e os comentários, quando ouvimos o Dharma, temos que manter nossa liberdade. Quando estamos atraídos, excitados e fascinados pelas imagens que as pessoas nos apresentam, nos perdemos a nós mesmos.

 

Mestre Linji disse: “Amigos no Caminho, os monges virtuosos do passado ofereceram a todos os seres humanos um caminho para a libertação. O lugar deste monge-montanha é apenas encorajá-los a não permitir que as pessoas os iludam. Meu conselho deveria ser cumprido imediatamente. Não sejam indecisos ou fiquem com dúvida.”

 

Quando o Mestre Linji se dirigiu a audiência como “Amigos no Caminho”, ele queria dizer que eles eram praticantes companheiros, pessoas indo juntas no mesmo caminho, como um rio que flui. Quando ele disse, “este monge-montanha”, ele estava se referindo a si mesmo. Os professores budistas do passado nos mostraram portas do Dharma, meios habilidosos de nos ajudar a achar a saída do sofrimento. Mas se não entendermos estes bem intencionados ensinamentos, podemos ser capturados por eles, em palavras e idéias, e então esses ensinamentos podem se tornar um obstáculo.

 

Há professores que se preocupam que se falarem a verdade perderão seus seguidores e seu templo. Eles temem que se não fizerem ou falarem o que seus seguidores querem, não serão capazes de pagar as contas de telefone e elétrica e não terão onde morar e praticar. Esta situação existia na China no tempo de Linji e existe hoje em dia na Europa, nos EUA e em outros países. Mas o Mestre Linji não era igual aos outros. Ele tinha a coragem de falar a verdade que estava em seu coração; ele apenas queria ser uma pessoa verdadeira.

 

O Venerável Manh Giac escreveu um poema sobre a leitura do Sutra do Diamante. Aqui estão duas linhas desse poema:

 

Não há mais Sutra do Diamante.

A porta Zen desapareceu e eu estou sem palavras.

 

Para brincar com ele, reescrevi estas linhas assim:

 

Nós fomos chutados para fora do templo.

Nossa boca é rígida e não podemos dizer nada.

 

O que esses poemas estão dizendo é que se nos deixarmos conduzir erroneamente por outros, perderemos a nós mesmos. Não deveríamos correr atrás de qualquer coisa ou qualquer um, mesmo um mestre Zen. Todas as coisas que aprendemos e ouvimos devem ter a capacidade de nos trazer de volta a nós mesmos e aumentar nossa capacidade de sermos livres, felizes e sólidos.

 

Podemos ouvir estes ensinamentos e entendê-los. Mas podemos ainda ser fracos e hesitantes e pensar: “Oh, amanhã ou no dia seguinte eu arrumarei as coisas de forma que eu tenha liberdade.” Mas um rio nunca para de fluir; se nós hesitarmos, nunca teremos liberdade. Se nós entendemos os ensinamentos; temos que colocá-los em prática imediatamente.

 

O Mestre Linji disse que se os praticantes budistas de seu tempo não podiam alcançar a iluminação, era porque não tinham confiança. Hoje em dia, assim como no século IX na China, corremos atrás de coisas fora de nós, e então nos sentimos manipulados e controlados pelas situações que nos metemos. Se formos capazes de parar essas idéias de buscar e correr atrás de algo, então não veremos diferença entre nós e os mestres, nós e o Buda.

 

Celebramos cerimônias tais como o Tocando a Terra, acender incenso, ou estar em contato com uma estátua no altar, para manter e renovar nossa confiança em nós mesmos. Devemos prestar respeito e tocar a terra em frente do Buda de tal modo que vejamos que aquele que se inclina e para quem se inclina são um. Prestamos respeito ao Buda de tal modo que a fé na nossa capacidade de iluminação, de ser feliz, seja fortalecida e cresça a cada dia.

 

Nas escrituras budistas, é dito que o Buda tem três corpos. Portanto ficamos perdidos nas palavras “três corpos” e procuramos por este ou aquele corpo, nunca tocando paz, liberação e a grandiosidade que é o Buda vivo em nós mesmos. Os três corpos do Buda são o corpo de Dharma, o corpo de retribuição e o corpo de transformação. O Buda tem milhares de corpos de transformação, e se não formos cuidadosos, procuraremos por eles em todo lugar menos em nós mesmos. Procuramos essas coisas não percebendo que elas são apenas produtos da imaginação da mente. Alguns de nós chamam o criador de Todo Poderoso, vendo ele como alguém fora de nós e que tem todo o poder. Se acreditarmos nessa imagem, então acreditaremos que depois de morrermos iremos para o reino de Deus e nos sentaremos aos pés do Todo Poderoso. Nós pensamos que ele está no lugar mais elevado com poder de alcançar o que ele quiser. Pensamos que estamos sentados aqui em um lugar bem baixo.

 

No budismo é o mesmo. Imaginamos o Honrado cercado de luz ilimitada e inúmeros bodisatvas. Este Buda tem trinta e dois avisos auspiciosos e as oito características especiais, e milhares de corpos de retribuição, transformação e Dharma. Onde iremos para encontrar um Buda? Para achar Deus? Não podemos achá-los nas bonitas imagens e na literatura. As pessoas que escreveram a Bíblia e que escreveram os sutras Mahayana eram artistas. Eles usaram imagens para expressar seus insights.

 

Mestre Linji disse: “Se nesse momento presente você não é capaz de encontrar o Buda pessoalmente, então por incontáveis vidas que virão você terá que renascer nos três reinos do samsara, sempre procurando por algo para se agarrar que te fará se sentir mais confortável, e continuamente renascendo no útero de um boi ou asno.”

 

Bem nesse momento estamos escutando ao Dharma, e o Buda está sentado conosco, sentado dentro de nós. Neste momento, se não pudermos tocar o Buda, então não deveríamos falar sobre o futuro. Apenas o momento presente é real. Se perdermos esse momento, então não poderemos estar em contato com o Buda, e por milhares de vidas continuaremos no ciclo do samsara: sendo concebido, nascendo, e morrendo como humanos ou outros seres.

 

Todos os mundos dos Budas estão contidos neste momento presente, e podemos ficar em contato com eles facilmente, e este é o poder milagroso. Para acessar este poder milagroso, precisamos ouvir o sino com plena atenção e deixá-lo nos trazer totalmente ao momento presente. Quando ouvimos o sino, deixamos todos os pensamentos, retornamos a respiração, e ficamos em contato com tempo e espaço ilimitados, em contato com o passado, o presente e todos os mundos. Não há Budas que não possamos entrar em contato neste momento.

 

Mestre Linji perguntou: “Hoje, em cada atividade ordinária que você fez, você sentiu que faltava algo? Houve algum momento em que os seis raios milagrosos de luz não brilharam?” As seis luzes milagrosas são nossas consciências dos sentidos: visão, audição, olfato, toque, paladar e pensamento. Na nossa consciência, a mente brilhante se manifesta. Se usarmos estas seis luzes milagrosas de modo habilidoso, então nós somos Budas. Significa que em cada momento da nossa vida diária, precisamos fazer brilhar a luz da plena consciência. Vemos algo e sabemos que estamos vendo, ouvimos alguma coisa e sabemos que estamos ouvindo. Quando olhamos, olhamos como Buda. Quando cheiramos, cheiramos como Buda. Quando tocamos, tocamos como Buda. Quando pensamos, pensamos como Buda. Se em cada momento nossos seis poderes milagrosos estão radiando, então não temos nada a fazer. Nos tornaremos o que o Mestre Linji chamava de “pessoa sem negócios”. Este é o espírito do ensinamento budista da falta de objetivo, uma das três portas da libertação.

 

Mestre Linji ensinou: “Os três reinos não são seguros. Estes reinos são como uma casa pegando fogo. Eles não são lugares para fazer uma casa duradoura. Em cada momento a impermanência, como um demônio, está lá para colocar suas mãos e levar sua vida, não fazendo distinção entre jovem e velho, nobre ou plebeu.”

 

Os três mundos do desejo, forma e não-forma não têm paz. Eles são como uma casa em chamas, não um lugar que deveríamos ficar muito confortáveis ou ficar por muito tempo. A casa em chamas é uma imagem do Sutra do Lótus. O demônio da impermanência é a morte. Sua mão segura uma foice, e a cada momento destrói sem distinguir jovem ou velho. Como escapamos da casa em chamas?

 

Mestre Linji ensinou: “Se não você quer ser diferente do Buda, nosso professor, não corra atrás das coisas que estão fora de você. Cada instante sua mente é capaz de brilhar a luz da pureza, é o corpo de Dharma do Buda que está bem lá na sua casa. A luz da não-discriminação que surge de cada momento de lembrança é o corpo de transformação do Buda que está bem na sua casa. Estes corpos não são diferentes de quem você é, sentado em frente de mim, ouvindo o Dharma. Esta função maravilhosa pode ser apenas possível quando você não direcionar sua energia a procura de algo fora de você mesmo.”

 

Se não queremos ser diferentes do Buda, então deixe cada um de nossos pensamentos fazer levantar a pura luz que é o corpo de Dharma do Buda bem na sua casa. A luz da não discriminação surgindo com cada pensamento da nossa mente é o corpo de transformação do Buda. O corpo de Dharma é o dharmakaya, a manifestação do Buda em diferentes formas. Cada uma dessas manifestações é um corpo de transformação do Buda, o nirmanakaya. O corpo de retribuição, sambhogakaya é o lindo corpo do Buda que ocorre devido ao modo como ele viveu a vida.

 

Cada um desses corpos, cada um de nós, é bonito. Quando a árvore acaba de brotar é bonita. E quando ela cresce e se espalha é bonita. Quando está verde é bonita. Quando o outono chega e fica amarela também é bonita. Cada dia nosso corpo de retribuição revela sua beleza, e podemos desfrutar dela. O corpo de retribuição é também chamado de corpo do desfrutar. Outros podem desfrutar e se beneficiar também. A folha é bonita, e como é bonita, temos prazer em olhá-la.

 

Os três corpos são bonitos, saudáveis e perfeitos. Procuramos esses padrões absolutos para nós porque nos sentimos imperfeitos como somos. No poema, “Olhando para o Tathagata” eu escrevi:

 

...como eu estava tão faminto, tão sedento,

Porque eu queria achar a sua imagem

Que é para sempre perfeito.

 

A distância entre nós não é maior que o da velocidade do pensamento. E quando nos acharmos, acharemos a imagem perfeita.

 

(Traduzido do livro “Nothing to do Nowhere to go” – Thich Nhat Hanh)

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