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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
O primeiro nutriente: alimento comestível
A primeira pergunta que o Buda fez ao jovem noviço Sopaka foi, "O que é o um?" Sopaka refletiu por um momento, e a resposta registrada no texto é que ele disse, "todas as coisas subsistem pela comida," ou seja, a única coisa que conecta tudo é que todas as coisas existem por causa dos nutrientes.
No ensinamento do Buda, há quatro tipos de nutrientes. Talvez seja mais claramente descrito no Discurso do Buda sobre os Quatro Tipos de Nutrientes. É uma contemplação muito profunda sobre os quatro tipos diferentes de alimento para o corpo e a mente.
O primeiro tipo de nutriente é o alimento comestível, ou seja, o que colocamos em nossas bocas. Pode-se argumentar que as coisas que colocamos em nossa boca podem não ser necessariamente alimentos comestíveis nos dias de hoje! Mas para a nossa discussão aqui, as coisas que comemos são consideradas alimentos comestíveis.
Quando eu encontrei pela primeira vez o discurso sobre os Quatro Tipos de Nutrientes, admito que fiquei surpreso pelas imagens fortes que o Buda utilizou em seu ensinamento. Acho que o Buda ofereceu tais exemplos muito fortes porque ele queria sublinhar a importância da nutrição na nossa vida diária. Ele queria nos chocar um pouco. O Buda nos conta a história de um casal indo através do deserto. Eles teriam ficado sem comida e sem água. Estão carregando o filho nas costas. Eles percebem que seria absolutamente impossível cruzar o deserto, se não tivessem nada para comer, nada para beber. Então, nesta história de partir o coração, descobrimos que o casal decide que a única maneira deles sobreviverem é matando e comendo a carne de seu único filho.
O Buda faz a pergunta, "Você acha que eles comeram a carne com muita alegria e felicidade, muita alegria?" E todo mundo diz, "Claro que não." O Buda nos convida a olhar para todos os alimentos comestíveis da mesma forma. Como as escolhas que faço afetam os outros?
Vamos nos perguntar, "através da escolha deste tipo específico de alimento, que recursos estou tomando? Que recursos estou usando?" Isto nos leva à conclusão, "Se eu consumir grandes quantidades de recursos ou comer de forma que danifique meu próprio corpo, então isto é como comer a carne do meu filho."
Uma tradição nativa americana tem o famoso convite: "Vamos refletir sobre os efeitos de nossas decisões por sete gerações no futuro." Podemos perguntar, "que tipo de efeitos esta escolha tem sobre o mundo ao meu redor e sobre o futuro?" Nós usamos um monte de recursos em nossas vidas diárias — especialmente através de nossas escolhas em torno dos alimentos comestíveis. Quanto esta comida viajou para chegar até mim? Realmente sei de onde vem? Quanta água há nessa comida? Quantos grãos há nessa comida? Isso é na verdade comida? Todas estas perguntas podem ser reflexões extremamente úteis para nós.
Pergunte a si mesmo, "como esta comida nutre meu corpo?" "Como ela nutre minha mente?" "Como essa comida me cura?" Esses tipos de reflexão desenvolvem uma relação de ajuda e cura para com os alimentos que colocamos em nossas bocas. Este alimento é o mais simples dos quatro nutrientes para praticarmos porque tem a ver com os nossos corpos físicos.
Na tradição de Plum Village, ressaltamos a prática de comer consciente: estar atento a comida, olhando profundamente para a fonte do alimento, olhando profundamente para todas as condições diferentes que se uniram para criar este alimento que agora estamos trazendo aos nossos corpos. Vamos parar e tomar conhecimento de todas as condições diferentes que se uniram para criar a refeição que vamos comer? Por exemplo, somos convidados a olhar para uma cenoura e nos conectarmos com o sol, a chuva, o fazendeiro que plantou — todas as condições diferentes que se uniram para que a cenoura pudesse aparecer no seu prato. Estamos realmente conscientes do gosto da comida? Mastigarmos completamente nossa comida? Sabe, às vezes as pessoas pensam na meditação da alimentação como uma prática muito simples e superficial. Mas na tradição de Plum Village é importante ter em mente que enquanto comemos apenas comemos, enquanto caminhamos apenas caminhamos, enquanto nos sentamos apenas sentamos, todas estas práticas têm elementos que transitam para o resto de nossas vidas.
Quando praticamos meditação da alimentação profundamente, podemos descobrir muitas coisas. Vamos dar um exemplo muito simples. Imaginemos que damos uma colherada na comida, e a colocamos em nossa boca e mastigamos. Enquanto mastigamos a comida, percebemos que estamos já preparando outra colherada; muitos de nós fazem isso. Já temos um bocado de nutrientes, já nos nutrimos e ainda estamos preparando mais uma! O que isso diz sobre a forma como interagimos com os alimentos que consumimos em nossas vidas diárias? Esta é uma pergunta que podemos nos perguntar. A prática de Plum Village realmente nos ajuda, através da sua simplicidade e sua profundidade, a descobrir a maneira habitual que fazemos as coisas.
Prática sugerida: Meditação da Alimentação
Cada dia esta semana, escolha uma refeição onde você se dará tempo e espaço para apreciar o processo de nutrir seu corpo e a mente. Você só precisa ser capaz de encontrar dez minutos, mas esses dez minutos são muito preciosos. Desligue a TV, silencie seus dispositivos móveis e permita seu comer ser uma meditação. Sente-se confortavelmente e observe como você está se sentindo em seu corpo: como é a sensação da fome? Alguma emoção surge? Observe a comida que está à sua frente: sua cor, sua fragrância. Por que você escolheu esses alimentos em particular? Morda e mastigue a comida devagar, pelo menos trinta vezes, prestando atenção ao seu sabor, sua textura e suas reações internas. Considere as origens do alimento. Note quando tiver vontade de engolir e dar outra mordida. Enquanto você continua sua refeição, observe como você está se sentindo no seu corpo e observe o momento em que você se sente satisfeito. Muitas vezes, se você estiver sintonizado com suas sensações físicas, se sentirá satisfeito antes de terminar de comer toda a comida no seu prato.
Temos tanta certeza que sabemos o que é comer, o que é andar. Achamos que já sabemos o que é sentar e ainda assim uma das primeiras coisas que vamos descobrir quando começamos a praticar é o quão inconscientemente fazemos tantas destas coisas. Quando abordamos estes quase esquecidos momentos das nossas vidas com alguma consciência, começamos a reaprender e a redescobrir o que é comer, o que é andar, o que é sentar-se e nos tornamos cada vez mais vivos. Cada momento torna-se um momento onde temos a oportunidade de encontrar o Dharma. Essas atividades de nossa vida diária não são momentos perdidos ou desperdiçados. Eles são a própria vida — eles são a nossa prática em si. Eles podem ser o momento de abrir o nosso coração, de acordar, se optarmos por permitir que isso aconteça. Depende de nós; cabe a nós escolher estar presentes para permitir que este momento seja um momento de despertar ou um momento sem sentido. Ninguém mais pode fazer esse trabalho por nós.
Marcel Proust nos lembra, "a verdadeira viagem de descoberta consiste não em procurar novas paisagens, mas em ter novos olhos." Em nossos dias é um luxo ser capaz de sentar e gastar 10 ou 15 minutos para comer conscientemente. Talvez nós não tenhamos esse tempo disponível em nossos dias, mas nós podemos fazer escolhas como a desligar os telefones, a TV, o rádio, e assim por diante por alguns minutos para que nós possamos estar totalmente presentes para a nutrição que nos oferecemos. Este é um ato de amor próprio e um ato de amor para a nossa sociedade.
(Do livro “Nothing To It: Ten Ways to Be at Home with Yourself”)
Phap Hai é professor de Dharma e o monge sênior da tradição de Plum Village)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)
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