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 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

O quarto nutriente: consciência

 

A primeira pergunta que o Buda fez ao jovem noviço Sopaka foi, "O que é o um?" Sopaka refletiu por um momento, e a resposta registrada no texto é que ele disse, "todas as coisas subsistem pela comida," ou seja, a única coisa que conecta tudo é que todas as coisas existem por causa dos nutrientes.

 

No ensinamento do Buda, há quatro tipos de nutrientes. Talvez seja mais claramente descrito no Discurso do Buda sobre os Quatro Tipos de Nutrientes. É uma contemplação muito profunda sobre os quatro tipos diferentes de alimento para o corpo e a mente.

 

O quarto tipo de nutriente é a consciência em si ou, mais especificamente, as sementes em nossa consciência. A psicologia da escola de budismo Vijnanavada descreve cinquenta e uma dessas sementes: sementes de felicidade, sementes de alegria, as sementes da paz, da compreensão, da atenção plena, bem como sementes de raiva, ciúme, ódio. Estas também são formas de nutrição. A imagem que o Buda nos oferece no sutra é a de um criminoso repetidamente perfurado dia e noite por trezentas lanças.

 

Entender como funciona a nutrição é uma das coisas mais importantes em nossa vida prática. Tudo existe a partir dos nutrientes; nossa felicidade não vem do nada e nossa paz não veio do nada; da mesma forma, a nossa raiva não cai do céu. Ao desenvolvermos nossa plena atenção, se tornam cada vez mais conscientes as escolhas que fazemos em relação às coisas que podemos entrar em contato. Também passamos a reconhecer as fontes de alimentos que nutrem a nossa alegria, nossa paz, nossa felicidade, nossa bodhicitta e as fontes de alimento que nutrem a nossa raiva, nossa tristeza, nosso isolamento.

 

Descobrir as fontes de alimento dentro e em torno de nós em cada momento começa a capacitar-nos a fazer escolhas sábias. Thay chama isto de "rega seletiva", regar as sementes benéficas e optar por não fornecer alimento para as coisas que neste momento trazem sofrimento para nós e para aqueles que nos rodeiam.

 

Rega seletiva é uma prática desafiadora, porque na maioria das vezes, como o mel na borda de uma lâmina de barbear, as coisas que nos trazem sofrimento podem parecer muito doces, na verdade.

 

Como praticantes, em determinado momento percebemos em nossos ossos que já vivenciamos essa história tantas vezes, várias e várias vezes. Este é o significado do samsara, que é um termo budista que significa "dar voltas sem fim".

 

Quando eu estava em Nova York, vi um desenho animado que resume isso perfeitamente. A legenda dizia "Samsara: a mesma maldita coisa outra e outra vez." Somos como a pessoa insana na definição de insanidade de Einstein — fazendo a mesma coisa repetidamente e esperando resultados diferentes. Quando finalmente percebemos nossa insanidade, geralmente é um estímulo para experimentar diferentes abordagens. Começamos a experimentar, porque estamos cansados de representar a mesma velha história: lamber o mel na borda da lâmina de barbear outra vez. Nesse ponto, uma bela qualidade se manifesta em nossas vidas: renúncia ou desapego. Isto é sair naturalmente da sintonia das coisas que não estão alinhadas com nossa aspiração mais profunda — não há absolutamente nenhuma luta aqui.

 

As pessoas muitas vezes pensam que a vida monástica deve ser muito difícil e dura, porque temos que "desistir" de todo o divertimento das coisas da vida. Eu sou uma pessoa atrevida, então quando alguém me diz isso, eu lhes peço para me dizer quais as coisas divertidas em que elas estão pensando. Consegui todos os tipos de respostas ao longo dos anos — tudo desde "cruzeiros com tudo incluído" até "bacon". A verdade desta questão é que a certa altura na nossa vida, certas coisas como cruzeiros e bacon apenas não nos interessam mais. Ao invés de nos fecharmos para a vida, a renúncia tem relação com abrir-se para as muitas possibilidades que a vida nos apresenta — não sendo pego em uma visão limitada de quem ou o que nós podemos nos tornar.

 

Quando eu estava na escola primária, estava apaixonado por salada de repolho. Eu queria almoçar isso todos os dias. Implorei para minha mãe me deixar ter salada para o almoço. Ela me deu um pouco, mas quando entramos no verão, um dia ela me disse que eu não teria mais porque a maionese iria ficar ruim no calor. Eu implorei, até chorei um pouco e ela finalmente cedeu. Eu tive minha salada todos os dias para almoço e era bom! Mas um dia, com certeza, a maionese azedou, e depois de comê-la, a salada de repolho fez uma reaparição muito rápida.

 

Eu fiquei tão doente! Daquele dia em diante tornou-se difícil para mim desfrutar de salada de repolho. Em um ponto em minha vida, acho que seria justo dizer que a salada de repolho me tirava da cama de manhã, mas depois do que eu gosto de chamar de "o incidente", nunca fui capaz de sentir a mesma coisa novamente por algo que uma vez foi meu tipo favorito de comida.

 

Todos nós temos a nossa versão de salada de repolho, se formos honestos. Em um certo ponto, nós estamos tão fartos de um determinado comportamento ou uma certa ideia que se torna a coisa mais natural do mundo deixá-la ir e expandir nossos horizontes. Cada um de nós tem coisas que escondemos e podemos nos beneficiar ao sair de nossos esconderijos e confiar nos nossos corações ao universo. Há uma grande alegria e liberdade nisto.

 

(Do livro “Nothing To It: Ten Ways to Be at Home with Yourself”)

Phap Hai é professor de Dharma e o monge sênior da tradição de Plum Village)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

 

 

 

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