Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Parar e olhar profundamente

 

Na semana passada aprendemos o gatha: "Cheguei, estou em casa. No aqui, no agora. Sou sólido, sou livre. No realidade última, eu habito". Este gatha pode ser usado para meditação sentada, pode ser usado para meditação andando. Ao se levantar, você também pode praticar: “Cheguei, estou em casa” E ao se deitar, também pode praticar: “Cheguei, estou em casa”. No final do dia você gostaria de descansar, ir para a cama. Você deita-se na sua cama e pode praticar: “Cheguei, estou em casa”.

 

Porque muitos de nós continuamos a correr, mesmo durante o sono, nos sonhos, porque correr se tornou um hábito. Não só corremos durante o dia, mas também corremos durante a noite, durante o sono, durante o sonho. Por isso é bom praticarmos: “Cheguei, estou em casa”. Eu não quero mais correr.

 

Nesse momento você se deita e desfruta de não fazer nada, apenas sentindo que você está em casa. Você está na sua cama e quer realmente descansar. Você gosta de ouvir a música da sua respiração, inspirando e expirando. Seu coração está tocando música. Seus pulmões estão tocando música. Você apenas sintoniza esse tipo de música. E sempre que surgem sentimentos e emoções, você permite que a música da respiração os envolva. E assim você poderá dormir tranquilo e com muito prazer.

 

Assim, o gatha, o poema “Cheguei, estou em casa” pode ser utilizado em 4 posições do corpo: sentado, em pé, andando e deitado. Essa é a prática de parar. A prática de parar é muito importante na tradição budista.

 

Há momentos em que não fazemos nada, apenas sentamos e deitamos, mas o nosso corpo não parou. Há tensão em nosso corpo. Existe um tipo de energia que empurra você, empurra seu corpo. Seu corpo quer fazer alguma coisa, estar ativo, correr, fazer alguma coisa. Seu corpo não tem capacidade de descansar, de parar.

 

É por isso que “parar” não significa apenas parar a mente, mas também parar o corpo. Porque o corpo também tem o hábito de correr, de estar em movimento. E há uma sensação de inquietação no corpo. O corpo e a mente, eles inter-são. O corpo contém a mente e a mente contém o corpo. Eles se intercontêm.

 

É por isso que ajudando o corpo a parar, você pode ajudar a mente a parar também. E ajudando a mente a parar, você ajuda o corpo a parar. Você pratica com corpo e mente ao mesmo tempo, não apenas com a mente. É por isso que a meditação inclui o corpo. Você não medita apenas com sua mente, você medita com seu corpo. O termo budista para “parar” é “samatha”.

 

O primeiro significado de ‘samatha’ é ‘parar’. Sem parar, você não pode fazer muito. Quando você vem aqui para Deer Park, você pode desfrutar de 'samatha' como uma prática de parar. Você para na hora que você senta, você para na hora que você anda, você pode até parar na hora que você corre. Temos "meditação de corrida". Enquanto você corre, você já parou. Porque você não está correndo atrás de alguma coisa, não. Você não está procurando absolutamente nada. Você está completamente à vontade no momento presente.

 

Esse é o significado de ‘samatha’. Parece fácil, mas precisamos de algum treinamento. Precisamos também de uma vontade forte, precisamos de uma grande vontade para podermos parar. Porque o hábito de correr está muito forte em nós, no nosso corpo e na nossa mente. O hábito de correr, essa energia do hábito pode ter sido transmitida pelos nossos pais. Nossos pais podem ter corrido a vida toda. Tornou-se um hábito forte e eles podem ter herdado dos pais deles, dos nossos avós, dos nossos antepassados.

 

A energia do hábito é muito forte. Mas agora que temos a oportunidade de encontrar o Dharma do Buda, o Buda disse: “Pare, meu filho”. E então temos uma chance para transformar essa energia do hábito. E se conseguirmos parar, ajudaremos todos os nossos ancestrais dentro de nós a parar ao mesmo tempo. “Cheguei, estou em casa." Significa: não sinto mais necessidade de correr. O que procuro está aqui e agora.

 

E é por isso que precisamos de insight para realmente parar e o insight é obtido pela outra asa do pássaro. Isso é 'vipasyana'. 'vipasyana' é a prática de olhar profundamente para obter um insight. 'Samatha' e 'vipasyana' são as duas asas de um pássaro. E eles nos transportam no caminho do insight e da parada.

 

Acabamos de dizer que quando obtivermos o insight, tudo já estará lá. Você já é o que deseja se tornar, ou seja, um Buda. Então você sente que não há mais necessidade de correr. É por isso que o insight permite que você realmente pare. Sem o insight, não importa o quanto você se esforce, você não consegue parar. É por isso que 'samatha' não é possível sem 'vipasyana'. E ‘vipasyana’ não é possível sem ‘samatha’.

 

Imagine um pássaro voando apenas com uma asa. É muito difícil. Assim, o primeiro significado de ‘samatha’ é ‘parar de correr’. Parar completamente a corrida. Quando estamos num retiro como este, é uma boa oportunidade para aprendermos a parar. Podemos ter alguma ferida em nosso corpo. Você pode ter um câncer. Temos algo assim em nosso corpo. Podemos ter ferida na alma, na consciência, podemos ter algum desespero, muita injustiça, muita raiva.

 

Você se sente profundamente ferido. E viemos com todas essas feridas no nosso corpo e na nossa consciência. Queremos curar. E a cura é possível com a prática de parar. Se você não souber como parar de correr, a cura não poderá ocorrer. É por isso que o propósito de ‘samatha’ é ajudá-lo a curar.

 

Quando você inspira, você inspira de uma maneira que torna possível a cura. Porque a sua inspiração não é uma luta, não é um ato de luta. Sua inspiração é uma expressão de chegada. "Eu cheguei." Eu não preciso correr. E se a sua inspiração for assim, ela tem o poder de curar. Essa inspiração libera toda a tensão, essa inspiração permite que seu corpo e suas sensações relaxem. Como disse Buda: “Inspirando, eu relaxo meu corpo”.

 

Em outro exercício, o Buda disse: Inspirando, relaxo meus sentimentos, minhas emoções. "Inspirando, eu relaxo meu corpo." Você só consegue relaxar seu corpo quando para. Então, sua inspiração tem a capacidade de parar. Quando a sua inspiração tem a capacidade de parar, torna-se muito agradável. Sua inspiração não é mais um ato de luta. É profundamente agradável.

 

É por isso que você está aqui, inspire de tal maneira que cada inspiração tenha o poder de curar. Cada inspiração permite que seu corpo se cure. Se você se sentir relaxado, a luta não existe mais, a luta não existe, você sabe que sua inspiração tem capacidade de cura. Você tem fé nisso. Você tem fé em sua inspiração. Você não precisa ter fé no Buda ou em Deus. Você precisa ter apenas fé em sua inspiração. Porque você conhece bem a sua inspiração.

 

É você quem sabe se a sua inspiração é relaxante, se está ajudando você a parar completamente, se a sua inspiração permite que seu corpo fique livre da tensão. Se você consegue inspirar assim, consegue tocar sua inspiração profundamente, e sabe que sua inspiração tem o poder de curar. Quando você dá esse passo com atenção plena, esse passo pode levá-lo de volta ao aqui e ao agora.

 

Uma etapa que pode ajudá-lo a interromper completamente a corrida. Um passo que pode permitir que seu corpo relaxe completamente. Você sabe disso, esse passo tem o poder de curar. Você pode se dar ao luxo de dar um passo assim, dois passos assim. Caminhando do Upper Hamlet a Lower Hamlet, você pode dar vários passos como esse. 50, 100, 200 passos, e cada passo traz cura. Por que você não faz isso? Cada passo é curador.

 

Quando você dá um passo assim, você não precisa lutar, porque dar um passo não é um ato de luta, nem um ato de briga. É uma entrega total. Você se entrega ao momento presente. Você se entrega ao poder de cura que é inerente ao seu corpo e à sua consciência. Porque você precisa acreditar no poder de cura do seu corpo e da sua consciência. A natureza tem o poder de curar.

 

(Palestra de Darma de Thich Nhat Hanh realizada em 14 de janeiro de 2004.– transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/TfJVOdRuDaQ)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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