Sangha Virtual

Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

Passado e Futuro

Pergunta: As pessoas que trabalham, estudam ou têm atividades normais, precisam pensar sobre o passado de forma que possam fazer certas coisas que são boas para o presente, mas você sempre fala que temos que nos liberar do passado. Elas também precisam olhar para o futuro, apenas para conhecer seus sonhos, como também para ser bem sucedido na sua carreira, mas você também fala sobre não pensar no futuro. Portanto, essas pessoas devem praticar meditação?

Thay: Podemos aprender muito do passado. Temos que reexaminar o passado e aprender com ele. Mas isso não significa que somos aprisionados pelo passado. Essas duas coisas não têm nada a ver uma com a outra.

Enquanto estivermos investigando o passado, podemos ainda estabelecer nosso corpo e mente estavelmente no momento presente. É porque estabelecemos nosso corpo no momento presente que temos a capacidade de aprender com o passado. De outra forma apenas sonhamos com o passado ou somos assombrados por ele. Com o futuro é a mesma coisa. Se sentarmos e nos preocuparmos sobre o futuro, apenas o estragaremos. Temos o direito de criar projetos, planejar o futuro. Mas isso não significa que você fica assustado ou preocupado com ele.  Estas são duas coisas completamente diferentes.

O futuro é feito de uma única substância, e esta é o presente. Se você sabe como tomar conta do presente com todo seu coração, estará fazendo tudo que pode pelo futuro. Pensar e sonhar sobre o futuro não leva muito tempo. Você não precisa de vinte e quatro horas para sonhar com ele! Você precisa de apenas um ou dois minutos e isto é ótimo.

O que é meditação? Meditação não é algo que você possa imaginar. Meditação inicialmente significa que você tem que estar aqui no momento presente. Mais cedo eu trouxe a imagem que o corpo está aqui, mas a mente está vagando em outro lugar. Neste momento você não está presente. Não está presente para você mesmo. Você não está presente para seu marido, sua esposa, seus filhos, seus irmãos e irmãs, sua nação, seu povo. Isto é o oposto de meditação.

No momento presente há necessidades; por exemplo, você tem certas dores e dificuldades. Seu amado tem certas dores e dificuldades. Se você não pode estar presente no momento presente, como pode ajudar a si mesmo e à outra pessoa? É por isso que meditação, primeiramente, é estar presente no momento presente. Isso significa que você não está aprisionado pelo passado e sua alma não é sugada pelo futuro. Meditação não é pensar, não é algo abstrato.

Meditação sentada, primeiramente, é estar presente, sentar parado. Uma vez que você tenha essa habilidade, será capaz de ver a verdade. Podemos então ter projetos e tomar ações que são verdadeiramente apropriadas, de forma a tomar conta da situação. É por isso que habitar pacificamente, de forma feliz no momento presente, é tão importante. Você pode voltar ao momento presente para ser nutrido, ser curado e também para gerenciar os problemas e questões do presente. Se pudermos tomar conta das questões no presente, então teremos um futuro.

Sonhar sobre o futuro e planejar o futuro são duas coisas diferentes. Uma é um modo científico e o outro é fuga. Por exemplo, talvez haja tristeza no presente e queremos fugir. Sonhar sobre o futuro é um tipo de remédio calmante, como barbitúricos, que podem te ajudar temporariamente a esquecer sobre o presente.

Temos que praticar. Dar passos em liberdade, com calma, é algo que você tem que praticar. Uma vez que você tenha alegria e felicidade no momento presente, sabe que esses momentos de felicidade são a fundação do futuro.

Por favor, lembre disso por mim: Se você não tem felicidade no momento presente, não há modo de ter felicidade no futuro.

Para os amigos que praticam a tradição da Terra Pura eu digo que a Terra Pura é uma terra de paz, de felicidade. Há aqueles entre nós que pensam que a Terra Pura fica no oeste e no futuro. Sobre oeste não estamos querendo dizer a Europa ou a América do Norte, a direção ocidental. Aqueles que praticam a Terra Pura, especialmente iniciantes, acreditam que a Terra Pura fica no futuro. Eles pensam que somente quando morrem vão para lá e então vamos para o oeste, a direção da felicidade extrema.

Pessoas que praticam a Terra Pura por muito tempo vão mais profundamente. A Terra Pura não está no oeste nem no leste, mas está bem na sua mente. Quando praticamos meditação, e praticamos apropriadamente, praticamos na Terra Pura. Cada respiração, cada passo, cada sorriso, cada olhar pode nos trazer felicidade no momento presente.

O Buda, onde quer que vá, nunca deixa a Terra Pura. Se agora pudermos viver na Terra Pura com cada passo, cada respiração, cada sorriso, tudo pode fazer surgir a Terra Pura. Com certeza a Terra Pura é algo à nossa mão. Mas se sofremos dia e noite e pensamos que quando morrermos iremos para a Terra Pura, isto não é algo que seja tão certo.

É por isso que eu quero lembrá-los uma vez mais: Se você não tem capacidade de viver de forma feliz no momento presente, não há modo que possa ter felicidade no futuro.

(Thich Nhat Hanh – Dharma Talk realizado em 10 de Abril de 2007 no Vietnã)

(Interpretado por Irmã Dang Nghien; transcrito por Greg Sever)

Lidando com o passado

Quando eu vim a Plum Village eu tinha muitos traumas e não sabia como lidar com eles. Eu perdi minha irmã gêmea, perdi meu pai, eu sofri muita violência quando era criança. Mas eu não sabia que tinha traumas. Pensava que minha vida era normal, mas eu não era feliz e não sabia por quê.

Eu sentia um profundo sentido de divisão e não sabia como juntar meus pedaços de novo. O que realmente me ajudou foi a Sangha e meu mestre – seu amor, seu abraço completo. Lentamente, fazendo a prática e estando cercado por um ambiente realmente protetor, eu podia olhar dentro de mim mesma no meu próprio ritmo, e usando a prática para me curar. Eu não vou te dizer que para curar traumas leva apenas um dia. Isto não aconteceu assim para mim. Eu tenho vivido nesta comunidade por sete anos. Não é que eu não quisesse curar do meu trauma a cada dia. Eu não forcei isto, apenas deixei acontecer. Algumas pessoas pensam, “Ok, vou manifestar isto, vou tentar fortemente, e isto vai funcionar.” Se não acontece no ritmo que você deseja, você fica desapontado.

Eu apenas deixei acontecer. E aprendi muito. Em alguns dias eu fui realmente muito bem e em outros dias não foi tão bem porque eu tinha que aprender. Para mim o ponto principal sobre curar um trauma foi o quanto de amor eu recebi de meus irmãos e irmãs, e quanto tempo eles me ensinaram a me amar. Para se amar é necessária muita coragem porque tive que encarar muitas coisas que não queria. É difícil sentar com si mesmo quando o sentimento quebra, quando sinto a tristeza vindo e me sinto oprimida. Contudo, o aprendizado que você obtém através da prática é imensurável. Eu nunca fiquei entediada de alguma forma com o aprendizado da prática.

Quando eu olho para trás, por um longo tempo eu não sabia que tinha traumas e não sabia quanta divisão eu tinha em meu coração, me sentia como vítima. Eu me comportava como vítima, pensava como vítima. Como eu não sabia como abraçar e reconhecer meus sentimentos e emoções, basicamente me tornei vítima de mim mesma. Com o apoio da Sangha e da prática, aprendi a me manter parada, me manter quieta e deixar que a cura acontecesse – devagar, profundamente. Depois de algum tempo, percebi que todos esses traumas eram na verdade bons professores.

Eu compartilhei durante a discussão do Dharma que eu não gosto de falar sobre felicidade, gratidão porque eu não as tomo como coisas que posso compartilhar abertamente. Para mim eles são sentimentos muito íntimos e eu os compartilho muito raramente. Eu tendo a mantê-los só para mim. Eu não acho que apreciaria minha felicidade, gratidão e amor da mesma maneira se eu não tivesse nenhum trauma na minha infância. Há sempre algo a aprender das situações, mas no início foi difícil porque eu afundava nas emoções e sentimentos. Eles realmente pareciam uma onda de maré. Não há modo de fugir ou escapar. As coisas que aconteceram na minha infância, eu perdi meu pai que se suicidou, perdi minha irmã gêmea – é realmente duro. Eu tinha muita solidão e desespero, e muitas coisas indo em minha mente. Mas eu vejo o valor destas lições e desses eventos.

É necessária muita prática e muita coragem, mas não é inútil. É duro, não vou esconder isso, mas não é inútil. Há sempre algo a aprender. Uma vez que eu aprendi as lições, cresci em amor e me tornei mais responsável ficou mais fácil me relacionar com as pessoas.

Eu aprendi do desespero, por exemplo. Eu posso ter muito desespero, pensando que minha vida seja inútil, até que um dos meus amigos e outros irmãos e irmãs venham até mim e digam: ”Veja, veja o quanto você fez! Você pode ajudar as pessoas a mudar suas vidas por que você mudou a sua.” Eu aprendi da tristeza. Eu me sinto triste quando não sou capaz de deixar as coisas irem. Eu aprendi da raiva. A raiva me ensina que tenho limites, e algumas vezes não sou capaz de estabelecer meus limites, portanto sinto raiva. Eu aprendo da solidão, em como me conectar melhor comigo e com os outros. Mas eu sinto que todas essas coisas estão lá apenas para me aborrecer, aborrecer minha vida, digo para mim mesma: “esqueça isso”. Eu apenas irei ficar parada e aprender a lição. Portanto quando houver coisas surgindo assim, e eu olhar para minha vida, vejo que há sempre algo muito valioso a aprender, e as coisas não nos são dadas para nos ferir.

Sofrimento é duro. Mas agora eu posso dizer que não tenho lamentos. Eu não penso que é perda de tempo. Mas é necessário prática. É necessário ser comprometido com uma comunidade de prática, observar, abraçar, não desistir embora realmente você queira fazê-lo.

Meditação caminhando e Tocar a Terra podem ser práticas maravilhosas para voltar a si mesmo e para sua mente e isso nos nutre. Uma coisa que realmente me ajudou foi ler e escrever. Eu escrevo muito. Eu gosto de andar muito, posso me conectar muito com isso. Eu gosto de cantar. Tudo isso me mantém centrada, não importa a tempestade que esteja acontecendo. Eu tenho que ficar plenamente atenta e me manter centrada. Uma vez que a emoção passa é fácil de ver, a claridade está lá.

Eu achei que comer minhas refeições em plena consciência também me ajudou a curar os traumas, a nutrir meu corpo em plena atenção. Eu percebi que ter esses traumas fez meu coração e meu corpo muito sensíveis. Eu sento quietamente e desfruto a refeição, realmente gasto tempo mastigando minha comida, engolindo e realmente sintindo a comida entrar no meu estômago. Uma vez que está no estômago eu posso encher novamente a boca. Você vai devagar, com calma, vá gentilmente.

E o último ponto é que quando eu era uma adolescente me sentia dividida, quebrada e sensível e qualquer coisa parecia que estava sendo difícil demais em mim. Eu não sei como ser gentil comigo mesma. Isto é algo que aprendi com meus irmãos e irmãs, ser gentil comigo mesma. Quando tomo um banho, quando coloco minhas roupas, quando me alimento, quando bebo, o modo como penso sobre mim mesma. Há muitas coisas que tenho que mudar. Não podemos mudar o mundo, mas podemos mudar a nós mesmos. É difícil, mas é possível.

(Irmã Transcendência, Monja de Deer Park – publicado na revista Mindfulness Bell 47)

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