Sangha
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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
A prática de descansar
No décimo sexto dia deste mês abri nosso retiro de verão com uma palestra de Dharma onde disse que é muito importante permitir que nosso corpo e nossas mentes descansem. Nosso corpo pode carregar muitas dores internas, e nossa consciência também pode possuir muitas feridas internas. Eles precisam de cura. A condição básica para toda a cura é poder descansar, mas nós não temos a capacidade de descansar. Temos o hábito de correr, de fazer coisas. Eis por que meditar é em primeiro lugar aprender a descansar, dar para a seu corpo e sua mente uma chance de descansar e se curar. Parece ser uma coisa muito simples, mas nós precisamos treinar para poder fazer isso.
Eu disse que quando um animal que vive na floresta está ferido, sempre tenta procurar um lugar quieto para ficar durante muitos dias e permitir à ferida se curar. Durante estes dias o animal não pensa em comer ou qualquer outra coisa. Esta é a prática de todos os animais na floresta quando são feridos por outro animal ou por outros tipos de coisas, inclusive doença. Esta sabedoria nós temos que aprender. Há feridas dentro de nosso corpo. Nós podemos ter doenças, podemos ter câncer ou outras dificuldades que pensamos ser até mesmo incuráveis. Nós podemos ter muito sofrimento em nossa consciência. Nós podemos ter desespero, medo, e confusão, mas sabemos que nosso corpo tem a capacidade de cura se permitimos uma chance de descansar. Isto não só é verdade para nosso corpo, mas também para nossa alma.
Nossa consciência sabe e tem a capacidade de curar a si mesma - mas apenas se dermos uma chance a ela, isso é, permitimos que ela descanse, autorizamos o seu descanso. Quando cortamos nosso dedo não temos nenhum medo, sabemos que nosso corpo pode se curar. Assim apenas limpamos a ferida, a protegemos de sujeiras, e a batalha acontece dentro de nós; em apenas vinte e quatro horas podemos curar o ferimento. Nosso corpo sabe criar anticorpos para se proteger. Temos que acreditar em nosso corpo. Temos que dar uma chance ao nosso corpo para descansar. Muitas doenças difíceis só podem ser curadas por nossa capacidade de descansar. Temos que aprender isto. Na prática do Budismo há muitas coisas como esta para aprender. O Sutra da respiração atenta, por exemplo, é mais que suficiente para vocês se curarem. Se vocês sabem praticar os exercícios preconizados pelo Buda, sabem como fazê-los, gostam de fazê-los, darão a seus corpos e também à sua consciência uma chance de cura.
Vocês tiveram uma experiência de extremo sofrimento - algo aconteceu e vocês não acreditaram que pudessem sobreviver a isso. Como poderiam sobreviver a tais notícias ruins, e à dor? E ainda assim, vocês sobreviveram. Passaram por aquele período e demonstraram poder sobreviver àquele tipo de sofrimento. Isto significa que sua consciência sabe o modo de sobreviver. Você diz, "O Tempo cura". Mas tempo não pode curar seu sofrimento sozinho. Não é porque vocês ficam familiarizados com o sofrimento que estão curados. Não. É devido ao fato de que sua consciência sabe o modo de se curar. Vocês têm que confiar nisto porque em sua consciência existe o Buda, há um centro de amor, de compreensão. Se vocês lhes permitem se manifestar, então sua consciência poderá se curar.
Permitam que estas energias saudáveis sejam tocadas, lhes dêem uma chance de ficar mais aparentes. Elas se encarregarão da cura. Às vezes nós falamos sobre uma "cura pela conversa", mas as conversas não podem curar. O ato de falar - o máximo que pode fazer - é permitir que vocês tenham confiança em sua própria habilidade de se curar. Assim é muito importante que durante aquele tempo que gastamos com uma Sangha, um professor de Dharma, temos que aprender as técnicas que permitem descansar nosso corpo e nossa alma. O coração da prática budista é parar - deixar de correr, deixar de impedir que nosso corpo e nossa alma descansem.
Muitas pessoas acreditam que precisam de férias. Elas lutam, elas fazem tudo para ter estas férias. Mas durante estes feriados descansam realmente? Elas ficam muito mais cansadas depois dos feriados. Assim todo o mundo tem que aprender a arte de descansar, de se restabelecer. Seus professores de Dharma, seus irmãos e irmãs de Dharma, sabem como praticar o descanso e a cura. Quando vocês praticam o jejum por exemplo, permitem a seu estômago, intestinos, fígado, rins, descansarem. Vocês não têm medo de jejum, porque sabem que há um reservatório, uma reserva, de nutrição em seus corpos. Vocês podem ficar em jejum por duas ou três semanas sem comer e serão capazes de não perder sua força. Aqueles entre nós que tentaram a prática de limpeza de nosso sistema digestivo, sabemos disso. Nós apenas bebemos água. Nós apenas descansamos.
Nós continuamos desfrutando de nossa meditação sentada, meditação caminhando. Nós não sentimos que perdemos nenhuma energia de todo. Nossos intestinos, dando-se tempo para ele descansar durante dez dias ou duas semanas, podem se curar. Nós temos que acreditar em tais coisas porque praticamos assim e outras pessoas praticaram assim - isto prova ser uma verdade. A Cura apenas será possível nos dias de descanso.
Agora o que dizer de nossa consciência, nossa mente? Que tipo de prática vocês deveriam fazer, ou que tipo de não-prática deveriam fazer para que sua alma e sua consciência possam descansar? Nós não deveríamos perder nosso tempo adquirindo idéias, mesmo idéias muito maravilhosas, sobre esclarecimento, Nirvana, natureza búdica, ou coisas como estas. Nós deveríamos atingir a coisa real, a essência da prática. Como começar? Com samatha. Samatha é apenas parar. Vocês estão na frente de uma árvore nova. Vocês olham a árvore jovem. Vocês estão na frente da árvore de forma que possam parar. Vocês inspiram e expiram de forma que possam deixar de correr completamente em sua mente e em seu corpo.
Ano passado quando nós visitamos a China, vimos em um cruzamento o sinal "pare". E o ideograma chinês "pare" é exatamente o que os chineses usam para traduzir a palavra samatha. Um dia estive em frente a um sinal assim e pratiquei o respirar e sorrir para ele. E eu parei completamente. Era como ficar à frente do Buda que fez o sinal para lhe dizer que pare. Você está respirando, mas parou completamente. É uma coisa maravilhosa poder parar. Parando assim, a calma se torna possível. A paz se torna possível e, é claro, curativa.
Enquanto você correr - correndo a procurar por algo ou correndo para escapar de algo - não tem nenhuma paz. Aprender a parar assim é extremamente importante. Porque parar, ficar tranqüilo, ficar calmo, é a pré-condição para a contemplação profunda, que é o vipasyana. Vipasyana é prática do insight, da contemplação, do olhar profundamente. Meditação é feita de parar, acalmar-se e olhar profundamente. Parar ajuda você a descansar, se acalmar, ter paz, prover a condição básica para a cura. Portanto olhar é algo que você pode fazer facilmente uma vez que pára.
Olhando a natureza de sua enfermidade, olhando a natureza de sua dor, você começa a ter o discernimento, começa a entender. Aquela compreensão o alivia completamente da dor. Isso é chamado salvação pelo conhecimento. Nós não falamos sobre salvação por graça [milagre] no Budismo. Nós falamos sobre salvação pelo conhecimento, entendimento, prajña. Prajñaparamita quer dizer o tipo de compreensão que o leva para a outra margem, a outra margem do não-sofrimento.
(Dharma Talk de Thich Nhat Hanh em Plum Village em13 de julho de 1996).
(Traduzido por Cláudio Miklos)
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