Sangha
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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Práticas de Paz
Queridos amigos, vamos desfrutar de nossa respiração.
Inspirando, eu me sinto vivo.
Expirando, eu sorrio para vida em mim e ao meu redor.
Queridos irmãos, irmãs e amigos, a prática da paz envolve corpo e mente. E paz pode começar com levar nossa atenção à nossa inspiração.
Inspirando, estou consciente que estou inspirando.
Expirando, estou consciente que esta é toda minha respiração.
Quando você respira assim, você traz a mente de volta ao corpo. Nossa inspiração se torna um tipo de veículo que transporta, que traz nossa mente de volta a nosso corpo. A mente tem que estar presente para o corpo para tomar conta do que estiver acontecendo no corpo. Na nossa vida diária, frequentemente nossa mente não está com nosso corpo. Nossa mente pode estar no passado, nos lamentos relativos ao passado, ou no medo das incertezas do futuro. Nossa mente pode ser capturada pelos nossos projetos, nossas preocupações, nossos medos. É por isso que nossa mente não está muito frequentemente com nosso corpo. E quando nossa mente não está com nosso corpo, não estamos verdadeiramente presentes, estamos em outro lugar no passado, no futuro, nos nossos projetos.
Portanto a respiração atenta ajuda a trazer a mente de volta ao corpo e de repente você fica totalmente presente no aqui e agora. De repente você fica totalmente vivo. Esta é a prática da respiração atenta. Entre o corpo e a mente há algo, nossa respiração. E quando trazemos nossa atenção a nossa respiração, inspiramos e expiramos em plena atenção, nosso corpo e mente se unem. E quando nosso corpo e mente se unem, estamos bem estabelecidos no momento presente, no aqui e agora.
O Buda nos lembra que a vida só está disponível no momento presente. O passado já foi, o futuro ainda não chegou, há apenas um momento para você viver que é o momento presente. E você tem um encontro com a vida no momento presente e se você perdê-lo, perde o encontro com a vida no presente. Portanto trazer a mente de volta ao corpo é não perder seu encontro com a vida. É a prática básica da meditação budista. É claro que podemos encontrar ensinamentos equivalentes nos evangelhos.
Não devemos tentar inspirar ou expirar. Inspiramos e expiramos todo o dia, mas não estamos conscientes de nossa respiração. A prática consiste em trazer nossa atenção a nossa inspiração e expiração. E quando a mente está com a respiração, a mente se torna a respiração porque enquanto respira você não pensa sobre mais nada. Você está consciente apenas de sua respiração, sua respiração se torna o objeto de sua mente. Inspirando, sigo a inspiração do início ao fim.
Suponha que minha inspiração comece aqui e termine aqui. Suponha que esta é minha mente. Inspirando, eu sigo minha inspiração por todo o caminho. Durante o tempo da inspiração, sua mente tem apenas a inspiração como objeto. Você para os pensamentos, você para de ir ao passado ou ao futuro, você é uno com sua inspiração. Parar de pensar é começar a estar vivo porque pensamos muito. Mas nosso pensamento não é muito produtivo. Começamos a ser. Primeiramente somos nossa inspiração, depois somos nossa expiração, e se continuarmos a prática da respiração atenta assim notamos que em poucos instantes nossa inspiração e expiração terão melhor qualidade. Nossa inspiração e expiração serão mais suaves, harmoniosas, profundas, lentas. A qualidade de nossa inspiração será melhorada, haverá mais paz na nossa inspiração e expiração.
Portanto inspirar e expirar atentamente é também prática de paz e todos que praticaram respiração atenta sabem que depois de alguns minutos nossa respiração fica mais calma, mais harmoniosa. E quando nossa inspiração e expiração ficam mais calmas, nosso corpo lucra e também nossos sentimentos e nossas emoções irão lucrar. Pela prática da meditação, unimos os três elementos: corpo, mente e respiração - nossa respiração é a ponte ligando corpo e mente. E a respiração mantém corpo e mente juntos. E quando a qualidade da respiração melhora, há mais paz na sua respiração. Você está agora respirando com mais paz mais profundamente, mas relaxadamente e seu corpo começa a lucrar com isto. Há tensão no seu corpo, há dor no seu corpo. A tensão e a dor tem se acumulado por um longo tempo. Você permitiu que tensões e dor se acumulassem no seu corpo. Portanto quando habitamos nosso corpo permitiremos a ele liberar a tensão.
No sutra da respiração atenta o Buda propôs um exercício sobre reconhecer a existência do corpo, voltar a habitar seu corpo. E um outro exercício para liberar a tensão e reduzir a dor no corpo. São o terceiro e o quarto exercícios de respiração atenta propostos pelo Buda.
Inspirando, eu estou consciente de todo o meu corpo.
Expirando, eu libero a tensão no meu corpo.
Inspirando, eu volto ao meu corpo, eu me reconecto com meu corpo.
Isto é muito importante. Talvez tenhamos trabalhado muito duramente com nosso corpo e posso ter feito meu corpo sofrer muito. É hora de voltar ao corpo e tomar conta dele. Isto já é uma prática de amor dirigida a seu próprio corpo. Então quando você inspirar, sua inspiração tem todas as boas qualidades. Sua inspiração pode ajudar o corpo a liberar as tensões.
Inspirando, estou consciente do meu corpo, meu corpo todo.
Expirando, eu libero as tensões no meu corpo.
Queridos amigos vamos experimentar juntos.
Inspirando, consciente do meu corpo.
Expirando, liberando as tensões no corpo.
Na meditação sentada, na postura sentada, seu corpo se sente relaxado. Não há mais tensão, não está tentando fazer algo. Você apenas permite a seu corpo relaxar, liberar a tensão. Na posição deitada também pode desfrutar a inspiração e expiração permitindo que a tensão vá. Portanto a prática do relaxamento profundo é recomendada pelo Buda, e esta é a prática de amor dirigida ao nosso corpo. Nossa mente está inteira com nosso corpo e tenta ajudar o corpo a ser mais pacífico.
O Buda no sutra da contemplação do corpo no corpo usa um exemplo há um fazendeiro que vai ao celeiro e traz uma cesta de sementes. Ele abre uma e permite que todos os tipos de semente derramem no chão. Com olhos ainda em boas condições ele pode distinguir, reconhecer cada tipo de semente. Esta é uma semente de feijão verde, esta é uma semente de feijão vermelho e assim por diante. Quando estamos sentados, deitados, podemos reconhecer cada parte do nosso corpo.
Inspirando, estou consciente do meu cérebro.
Expirando, eu sorrio para meu cérebro.
Você começa com seu cérebro e desce até os dedos dos pés. Esta é uma prática de varrer o corpo. Varrer o corpo não com o raio-X, mas com raios de plena consciência. Você começa no alto e então desce.
Inspirando, estou consciente de meus olhos.
Expirando, eu sorrio para meus olhos.
Inspirando, sorrio para meu coração.
Expirando, sorrio para meu coração.
E você vai lentamente descendo, você abraça, reconhece cada parte do seu corpo. Você presta atenção a cada parte de seu corpo. Você está interessado, está preocupado. Você está preocupado com seu corpo. Quando eu pratico, por exemplo:
Inspirando, estou consciente de meu coração.
Expirando, eu sorrio para o meu coração.
O objeto de minha plena atenção é meu coração. Eu abraço meu coração suavemente com energia de plena consciência, atenção. Pode ser a primeira vez que eu volto para casa do meu coração e abraço meu coração com minha atenção amorosa. Talvez no passado tenha feito meu coração trabalhar muito duro. Eu fumei, eu bebi álcool, fiquei acordado até tarde da noite e fiz a vida do meu coração miserável. Agora tenho a oportunidade de voltar para meu corpo, prestar atenção no meu coração. Enquanto inspiro, abraço meu coração suavemente, com compaixão e tomo conta do meu coração. Expirando, eu sorrio para meu coração com compaixão. Durante o tempo da inspiração e expiração posso obter muita sabedoria, como o que fazer ou o que não fazer para meu coração não sofrer.
Portanto plena consciência trará concentração e insight. Eu continuo desta forma, eu presto atenção, abraço meu fígado, suavemente, compassivamente com minha plena atenção. E se meu fígado não está em boas condições, se meu fígado tem algum problema, eu posso ficar com meu fígado um pouco mais. Vou inspirar e expirar muitas vezes e vou abraçar meu fígado com a energia da plena atenção. Este será o elemento de cura para meu fígado. É claro que eu continuo a tomar o remédio que meu médico me prescreveu. Mas eu não conto apenas com o remédio. Eu sei que meu corpo tem a capacidade de se curar sozinho. E se eu apenas permitir ao meu corpo descansar então meu corpo será capaz de se curar. Temos fé no nosso corpo.
Os animais na floresta sabem o que fazer quando estão seriamente feridos. Eles acham um lugar quieto e se deitam. Eles não se preocupam em comer ou perseguir outro animal. Eles têm a sabedoria A única maneira deles se curarem é ir a um lugar quieto e deitar por muitos dias. Porque eles sabem de algum modo que seu corpo tem a capacidade natural de se curar. Nós humanos costumávamos ter essa sabedoria, mas agora parece que perdemos o hábito de descansar. Não somos mais capazes de descansar. Trabalhamos muito duro. Acumulamos muita tensão e dor no nosso corpo. E daí temos outras doenças incluindo as doenças mentais. Temos que aprender como descansar novamente. Sabemos que no momento que o corpo começa a descansar, a soltar a tensão, o corpo começa a desenvolver a capacidade de se curar. E os cientistas de nossa época provaram isto. No momento que seu corpo tem a permissão de descansar, o momento quando tensão se foi, seu corpo tem a capacidade de se curar. Portanto deveríamos ter fé na capacidade de cura de nosso corpo. E não confiar apenas em remédios.
É por isso que se meu fígado não funcionar direito ficarei mais tempo com meu fígado com respiração atenta. Eu irei abraçar meu fígado com amor, compaixão, e isso irá ajudar na cura. Os elementos de cura estão presentes, dentro de nós e ao nosso redor. Com plena atenção da respiração, trazemos nossa mente de volta ao nosso corpo, ao nosso ambiente. E reconhecemos elementos de cura que estão disponíveis dentro de nós e ao nosso redor. O sutra, a escritura da plena atenção na respiração, propõe 16 exercícios de plena atenção na respiração. Eles ajudam a trazer alívio a nosso corpo, trazem paz a nosso corpo. Trazem paz a nossos sentimentos e emoções.
Quando temos um sentimento doloroso, uma emoção forte, a prática da respiração consciente pode nos trazer a energia da plena atenção, ajudando-nos a abraçar muito suavemente o sentimento doloroso ou a emoção forte em nós.
Inspirando, estou consciente de minha raiva meu medo
Expirando, eu abraço meu medo, minha raiva suavemente.
Naquele momento existe o sofrimento, existe o medo ou a tristeza que é um tipo de energia. Não há prazer. Como um praticante, você não deixa essa energia ficar sozinha. A energia do medo ou raiva ou dor. Você pede para outra energia vir e tomar conta. É a energia da plena atenção. E plena atenção pode ser gerada pela prática da respiração atenta, caminhada atenta.
Inspirando, estou consciente da tristeza em mim, ou da raiva em mim.
Expirando, estou tomando conta da minha raiva, minha tristeza neste preciso momento.
Vamos visualizar uma mãe abraçando seu bebê. O bebê sofre. E a mãe pega o bebê e o abraça carinhosamente nos seus dois braços. Nossa dor, nossa tristeza, nosso medo são nossos bebês. Não devemos tentar lutar e suprimi-las. Não devemos fazer violência para nosso bebê. Devemos apenas usar os braços da plena atenção gerada pela prática da respiração atenta ou caminhada atenta de forma a reconhecer a dor, a tristeza e abraçá-la carinhosamente com muita compaixão. Naquele momento em nós há duas energias: A energia da dor e a energia de plena atenção. A energia da plena atenção faz o papel da mãe reconhecendo e abraçando a energia da dor. Não há luta. Há apenas o ato de tomar conta, de trazer alívio.
Na posição sentada ou andando, você pratica respiração atenta, caminhada atenta. Você continua a gerar a energia da plena atenção. E usa essa energia para reconhecera dor a tristeza e para abraçá-la em plena atenção. Depois de abraçar o bebê por alguns minutos, a mãe nota que o bebê sofre menos. Mesmo que a mãe não tenha descoberto o que está errado com o bebê, mas apenas por ter abraçado o bebê carinhosamente pode já trazer alívio, porque a mãe é feita da energia da suavidade Enquanto abraça o bebê, a energia da suavidade começa a penetrar no corpo do bebê. É como na manhã, a flor ainda não está aberta, e o brilho do sol começa a abraçar a flor. E os pequenos fótons, que constituem a luz, continuam a penetrar na flor. E quando a energia é suficiente a flor desabrochará.
A mesma coisa é verdadeira para nossas formações mentais. Formações mentais, samskaras, um termo técnico no budismo, significa nosso estado mental. Temos 51 tipos de formações mentais. Sentimentos são uma formação mental, percepções são formações mentais. Nosso medo, nossa raiva são formações mentais. Nossa compaixão, nosso amor, são também formações mentais. Todas as formações mentais são sensíveis à plena atenção assim como todos os vegetais são sensíveis ao sol, ao brilho do sol. Portanto se sabemos como reconhecer as formações mentais que estão presentes seja a alegria ou tristeza ou medo ou raiva ou tensão, se soubermos como abraçá-la com suavidade teremos um impacto nelas e poderemos trazer um alívio em alguns momentos de prática.
A imagem da mãe abraçando o bebê ajuda muito. Na próxima vez quando notarmos que nosso medo, nossa raiva estiverem surgindo, podemos convidar a plena atenção para surgir de forma a tomar conta do nosso medo, da nossa raiva. Uma formação mental tomando conta da outra. Plena atenção é o tipo de energia que nos permite saber o que está acontecendo no momento presente Quando respiro, e sei que estou respirando, é chamado respiração consciente. Quando ando e sei que estou andando, esta é a caminhada consciente. Quando bebo, se sei que estou bebendo, isto é beber conscientemente. Quando estou com raiva, e se eu souber que estou com raiva, isto é plena consciência da raiva. Quando a raiva está presente, você tem que praticar plena consciência da raiva. Você traz a energia da plena atenção de forma a abraçar a raiva. E a energia da plena atenção começa a penetrar na zona da raiva. Lembre-se a raiva é nosso bebê. Você não deveria tentar lutar para reprimir. Isto é um ato violento.
(Palestra pública na Universidade de San Diego em 02/10/07 – Thich Nhat Hanh – Traduzido por Leonardo Dobbin)
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