Sangha
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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Preocupando-se continuamente numa direção e noutra
(Carta de Thây aos monásticos em Prajña e a todos nós)
Nós estamos aprendendo muito com o que vem acontecendo no Mosteiro Prajña nos últimos meses. Nas últimas semanas, Thây recebeu muitas cartas daqueles que estão no Prajña. Vocês me contaram muitas histórias, mas não existe uma carta que não contenha a frase: “Querido Thây, por favor, não se preocupe conosco.” Esta sua afirmação significa: “Querido Thây, não estamos preocupados conosco, mas nos preocupamos que você se preocupe conosco! Se Thây se preocupar, adoecerá e estragará tudo. Portanto, Thây está escrevendo esta carta para vocês saberem que Thay não está preocupado com vocês, então não se preocupem com Thây. Não se preocupem continuamente numa direção e noutra. Cada lado precisa apenas agir com beleza, fazendo a sua parte, e isto é suficiente! Esta mensagem está clara, meus queridos filhos e filhas?
Thây não está preocupado com vocês, mas isto não significa que Thây não está prestando atenção a vocês. Thây presta atenção em vocês todo dia, toda hora, e todo minuto. Thây não está preocupado com vocês porque Thây confia em vocês. Thây confia que vocês podem agir em circunstâncias difíceis e desafiadoras sendo verdadeiros com o Darma. E vocês já demonstraram que são capazes disto. E por causa disto, a confiança de Thây em vocês vem aumentando rapidamente. Isto traz muita felicidade tanto para Thây como para vocês.
(...)Thây confia que vocês têm capacidade suficiente para compreender, amar e responder com não-violência. Se conseguirmos manter a nossa bondade amorosa e compaixão e responder a qualquer situação difícil com bondade amorosa e compaixão, estaremos assim protegidos por uma energia benfazeja. Esta é a energia das Três Jóias. Não há proteção que seja tão estável e segura quanto à energia das Três Jóias, da compreensão e compaixão. No dia em que Thây recebeu notícias de que pessoas invadiram a Fragrante Floresta de Palmeiras, a residência monástica de vocês, jogando fora seus pertences, empurrando quem quer que estivesse no caminho, e chegando ao terceiro andar encontraram todos vocês praticando a meditação sentada, invocando Avalokiteshvara, o Bodisatva da escuta profunda na postura inabalável, não tentando reagir ou revidar, Thây soube que vocês são capazes de por em prática o que ele tem esperança, e não há mais motivo para Thây ficar preocupado com vocês.
Thây não está preocupado com vocês, mas muitas pessoas têm se preocupado com vocês – gente dentro do país e ao redor do mundo; o povo vietnamita como também os amigos internacionais; budistas e não budistas. Não só os seus pais e familiares estão preocupados, mas as sangas também estão preocupadas com vocês. Os seus irmãos monásticos mais velhos e mais jovens em todas as partes do país e fora do país também estão preocupados com vocês. E como vocês, todos também estão preocupados com Thây. Eles estão preocupados que Thây esteja preocupado. E se Thây estiver preocupado, adoecerá. Bem, aqui em Plum Village os seus irmãos e irmãs monásticos todos pensavam que Thây estivesse muito preocupado com vocês, especialmente durante os dias mais quentes.
Durante àqueles dias, Thây praticou freqüentemente a meditação sentada ou meditação caminhando para enviar energia extra para vocês. Foi em um dos dias mais intensos que todos os monásticos das quatro aldeias vieram ao eremitério de Thây para participar do Dia Monástico. Vendo que Thây estava sentado próximo ao córrego Phuong Khe, com a aparência bem disposta sem preocupações, ficaram todos surpresos e orgulhosos. Todos estavam preocupados com vocês e com Thây. Pobrezinhos!
Thây soube naquela mesma noite que tinha uma grande tempestade no Prajña. Todos ficaram felizes. Com aquela chuva e tempestade, as pessoas não teriam chance de chegar para atormentar vocês. Com a chuva forte daquele jeito, pelo menos vocês poderiam coletar alguma água para que pudessem resistir durante o dia. Um amigo próximo disse a Thây que telefonou ao Prajña em um destes dias quentes, e pode escutar os risos dos jovens monges e monjas; isto o fez se sentir tranqüilo. Thây acredita que se não houvesse irmandade, se não soubéssemos qual a nossa direção e a forma de agir em situações difíceis; e se não tivéssemos fé no caminho do amor, não teríamos como manter aquele sorriso e aquela alegria de viver.
As dificuldades acontecendo ao Prajña não só aumentam a confiança de Thây em vocês, como também abrem os olhos de muita gente. É graças a estas dificuldades que a verdade é lentamente revelada. As pessoas querem sempre dizer que o que acontece no Prajña é uma questão interna, pequena, não digna de ser reportada como notícia, não digna de atenção das pessoas de dentro e fora do país. Todos nós sabíamos desde o começo que isto não tinha a ver com luta interna sobre um templo, mas era o resultado de uma delusão: a de que a presença do Prajña poderia ser uma ameaça à segurança nacional, porque os monásticos no Prajña, ou seja vocês, são pessoas que querem fazer política. Não é verdade que um canal de televisão em Lam Dong sugeriu esta teoria duas vezes? Alguém telefonou para encontrar meios de ajudar Prajña e disseram àquela pessoa: “Esta é uma questão de segurança nacional, e você não deveria se envolver nisso.”
O que tem acontecido ao Prajña demonstra que aquelas fabricações são totalmente incorretas. Projetar deste modo, criar coisas deste modo se assemelha muito ao que está dito no sutra sobre desenhar um quadro no ar: sem tela, sem papel para esboçar, ele nunca poderá ser desenhado! Agora todos dentro do país e ao redor do mundo podem ver que os monges e monjas e os aspirantes do Prajña só fazem uma coisa: praticar e guiar os outros à prática. O objetivo dos praticantes é praticar por nós mesmos para transformar e recuperar os valores éticos e culturais que estiveram e estão sendo corroídos vagarosamente, para que nós possamos ajudar a parar a disseminação das aflições sociais, como a violência, o vício de drogas, a prostituição, o suicídio, separação familiar, corrupção e abuso de poder. Ao mesmo tempo, nós podemos ajudar a todos na sociedade a ter uma direção espiritual saudável.
Após estas tempestades, todos vêem que vocês são verdadeiros praticantes. Vocês são jovens, mas sua aspiração de ajudar aos outros é muito grande, e a sua confiança na sua ética nacional é inabalável. Vocês não vieram ao Prajña para correr atrás de fama, posição ou terra, mas vocês vieram em busca de um ideal – um ideal de praticar para ajudar a vida. Havia várias pessoas incitadas a virem ao Prajña para ameaçar vocês e afugentá-los, mas graças às suas respostas amorosas e não-violentas eles compreenderam que vocês são verdadeiros praticantes, que vocês são filhos deles, irmãos e irmãs deles, companheiros espirituais deles. Por isso eles choraram e foram embora.
Vocês se lembram daqueles tempos quando as pessoas foram instruídas a atacá-los? Quando eles ouviram as suas invocações do Bodisatva Avalokiteshvara, e muitos deles uniram as palmas e se direcionaram aos seus dormitórios: Nuvens na Montanha, Lareira Brilhante e Fragrante Floresta de Palmeiras? Depois daquilo, eles partiram sem se juntar a multidão. Foi por causa dos seus comportamentos compassivos e não-violentos que eles compreenderam que o que eles tinham ouvido dizer estava incorreto; e o que eles tinham testemunhado foram imagens de verdadeiros jovens praticantes. Thây confia que muitos policiais, depois de dias e meses interagindo com vocês, exigindo seus documentos e comprovantes de residências, e tendo testemunhado muitos grupos de pessoas organizadas para virem ao Prajña insultá-los e incitá-los – eles também compreenderam que vocês são verdadeiros praticantes, e que vocês não têm desejo algum de fazer política. Com certeza, existem policiais que voltam para casa e choram sozinhos no escuro, sem compreender porque eles têm que fazer as coisas que eles mesmos não querem realmente fazer, e se perguntando por que a prática pacífica de monges e monjas como esses é perigosa à segurança nacional, como os outros os tinham dito?
Com certeza, o Venerável Duc Nghi também sabe claramente que vocês são verdadeiros monásticos praticantes, conduzindo fielmente os preceitos e condutas da plena consciência. O Mestre Duc Nghi também tem os seus próprios sofrimentos. Por um lado, ele quer realizar as próprias ambições dele. Por outro lado, ele está se sentindo culpado e apreensivo porque tem que se comportar indelicadamente com os seus irmãos e irmãs no caminho. (...) Nossa prática básica é não permitir que nossa irmandade seja destruída. Temos que estar preparados para que quando o dia chegar nós possamos facilmente restaurar o nosso relacionamento.
A verdadeira prática não é somente praticar os preceitos e conduta da consciência plena externamente, na forma. Se não soubermos como olhar profundamente, se não praticarmos efetivamente, não podemos cuidar das energias da violência, medo, covardia e ódio dentro de nós. Quando estas energias controlam nossos corpos e mentes, não podemos fingir que estamos calmos e não-violentos. Thây ouviu a estória de um dos nossos jovens noviços, que foi ordenado há menos de um ano, e que tinha sido treinado nas artes marciais. Quando vários rapazes foram ao dormitório de vocês - “Mente de Principiante” - e jogaram deliberadamente suas camas e pertences do lado de fora, aquele jovem irmão não pode suportar a provocação violenta. Ele pediu permissão ao mentor dele para lidar com aqueles homens. O jovem noviço disse: “Por favor, permita-me deixar de ser um monge. Eu não agüento mais isto. Eu só preciso de quinze minutos para vencer todos estes bandidos. Depois disso, se for preciso, eu vou para a prisão por seis meses, um ano. Quando eu tiver cumprido minha pena, retornarei para ser um monge de novo.”
O mentor dele era um jovem Professor do Darma, com 30 anos incompletos, mas ele disse isso a ele: “Querido irmão, não chame estes jovens de bandidos. Eles também são jovens como você, mas eles estão mal informados, por isso se comportam deste jeito. Eles estão pensando que nós somos bandidos que vieram aqui para nos apropriar do prédio e da terra. Eles são vítimas de informação errada, e eles precisam ser ajudados mais do que punidos. Eles não são seus inimigos. O seu inimigo é a raiva que está lhe controlando. Sente-se aqui e comece a respirar profundamente e longamente. Abrace a raiva dentro de si e olhe profundamente para sua natureza. Se conseguir dominar a raiva dentro de si, você poderá fazer surgir compreensão e amor e se tornará revigorado. No futuro, você será capaz de ajudar aquelas pessoas a compreender que a informação que eles se alimentaram está errada; eles não se comportarão como estão se comportando neste exato momento. Buda fez isto, Thây fez isto e agora você também tem que fazer isto. Sente-se. Sente-se bem aqui e pratique meu querido irmão!”
O jovem noviço se sentou para praticar. As primeiras respirações foram audíveis como rumores de um rinoceronte, pesadas e trabalhosas, mas lentamente ele se acalmou e no final, foi capaz de controlar a mente dele. Alguns dias depois ele disse: “Ufa! Se eu não tivesse praticado naquele dia, se eu tivesse usado violência para responder a violência, eu teria destruído o grande exemplo estabelecido por Buda e por Thây, porque Buda e Thây jamais se comportariam daquele jeito.”
Amor, compreensão e não-violência não são tópicos para se falar a respeito. Eles são exercícios para nós olharmos profundamente e praticar. Existem aqueles que têm sido praticantes por 20 ou 30 anos, mas quando se encontram em situações irritantes e provocadoras, eles não resistem a suas raivas e medos, e respondem com um comportamento violento. Entre vocês existem aqueles que estiveram praticando por somente três ou quatro anos, e existem aqueles que têm praticado por apenas seis meses, no entanto vocês são capazes de se comportar calmamente porque vocês têm práticas concretas de Darma de reconhecer, abraçar e transformar formações mentais prejudiciais. Como resultado, as pessoas podem ver que vocês são verdadeiros praticantes, e as suas práticas de Darma não são apenas para “iniciantes num nível rudimentar” ou somente “meditação sobre a pele” – como algumas pessoas estiveram criticando.
Estas são práticas de Darma que devemos acreditar cem por cento. Elas são nossas verdades últimas, transmitidas diretamente por Buda no “Sutra sobre a Consciência da Respiração.” Thây vê que muitos veneráveis, com ou sem posições na Igreja Budista, também reconheceram que vocês verdadeiramente amam aprender e praticar, e que vocês abriram mão de fama mundana e de ambição para seguir o caminho de verdadeiros praticantes monásticos. Eles sabem que vocês praticam diligentemente os preceitos e a conduta da consciência plena. Portanto, eles têm tentado lhes proteger o máximo que podem, embora suas capacidades sejam limitadas. Thây relembra que eles escreveram explicitamente em um documento oficial: “O Mosteiro Prajña é um estabelecimento que pertence à Igreja Budista. Qualquer pessoa que pratique devidamente pode continuar morando lá. Qualquer pessoa que se comporte mal e exiba violência, deve ir embora.”
Às vezes, em seus escritos oficiais, estes veneráveis lhes patrocinaram de forma que vocês puderam habitar pacificamente sob a proteção deles. E recentemente eles deram ordens para que a conduta violenta parasse e a eletricidade e água fossem re-conectadas para vocês. Sabia que isto já é muito para estes veneráveis fazer? Se a situação não é como eles esperavam que fosse, é porque o poder deles é limitado. Além disso, deve haver outras condições. Uma vez que a verdade seja revelada, condições favoráveis, benéficas se reunirão. Em poucos anos, quando estiver claro que a presença do Mosteiro Prajña não é perigosa de forma alguma à segurança nacional; mas pelo contrário, quando muitos virem que ela ajuda a retificar e recuperar os valores culturais, morais e éticos em prol do nosso país, então aquela noção, aquele medo, aquela suspeição se dissiparão, e nos deixarão em paz para praticar e ajudar os outros.
Vocês sabiam que neste exato momento, em nosso país e ao redor do mundo, todo mundo ficou sabendo sobre o Prajña, e todos estão cientes do que está acontecendo? Todo mundo é capaz de ver suas práticas calmas e não-violentas, e todo mundo está orgulhoso de vocês. A fotografia de vocês sentados em meditação em meio à violência e provocação foi enviada para muita gente, e milhões de pessoas já a viram. Não é diferente de forma alguma da fotografia do Venerável Quang Duc se sacrificando para clamar pela paz em 1963. Nós estamos sendo abraçados e protegidos por muitos amigos espirituais. Thây sabe que os seus filhos e filhas não estão preocupados, porque vocês sabem que Thây não está preocupado. Vocês ai só precisam se sentar muito quietos, tal como Thây e os seus irmãos e irmãs daqui. Somente precisam se sentar bem quietos, assim com certeza, os trovões se acalmarão e as nuvens se dissiparão.
Nossa energia de silêncio é a energia da compreensão e amor. Este é um Nobre Silêncio, e também é um Silêncio Trovejante. Embora, na aparência externa, amanhã, nós, professores e discípulos, poderemos estar em locais separados; nós sempre teremos um ao outro. A semente do diamante está no coração de cada um de vocês, e, no futuro, cada um de vocês se tornará uma Fragrante Folha de Palmeira; cada um de vocês se tornará um Mosteiro Prajña. Haverá centenas de milhares de Mosteiros Prajña em nossa terra natal e no mundo. Está gradualmente se tornando uma realidade, não está; meus filhos e minhas filhas? Nós somos uma Sanga, não somos um estabelecimento. Permita a Thây escrever um poema do Mestre Zen Tinh Quang, que viveu em meados do século 12. Este poema reflete a liberdade e o destemor do Mestre Zen. Quando o lemos, nós também sentimos que o Mestre Zen está falando da nossa própria situação:
Acima, não há telhado para cobrir
Abaixo, não há terra para colocar um poste
A pessoa com uma chibata chega
A pessoa em vestes estranhas retorna
Quando as ações se tocam
É como um dragão lançando-se para alcançar à presa
Vocês devem se lembrar que “a presa” neste caso é a bola que os dragões – no teto do templo – estão jogando magicamente.
Com amor e confiança,
Thây,
Nhat Hanh
(Plum Village, 20 de julho de 2009)
(Traduzido por Maria Goretti)
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