Sangha
Virtual
Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
O Primeiro Treinamento – Reverência a Vida
Os Cinco Treinamentos de Plena Atenção são a maneira mais concreta de praticar a plena atenção. Eles são frutos da nossa prática de plena atenção, não algo imposto a nós por alguém. Os Cinco Treinamentos de Plena Atenção nos ajudam a mudar, a nos transformar, e criar nossa comunidade. Quando estudamos os Cinco Treinamentos profundamente, vemos que cada treinamento é uma “cor da compaixão”. Cada um dos Cinco Treinamentos são compaixões, práticas de amor e proteção – protegendo a nós mesmos, nossos amados e nossa sociedade. Ao praticar um deles profundamente, veremos que estamos praticando todos os cinco.
Você não precisa ser perfeito na prática dos treinamentos. O importante é que temos um caminho para seguir, um caminho de amor, de irmandade. Como uma sangha, podemos ir juntos neste caminho e nos apoiar. Ninguém pode ser perfeito na prática dos treinamentos, eles são como a Estrela do Norte. Se você está perdido no meio da floresta de noite sem uma bússola, pode olhar para a Estrela do Norte, sabendo assim o caminho a seguir. Seu objetivo é sair da floresta, não chegar à Estrela do Norte. Ter uma direção a ir é o que precisamos. Nós não somos mais vítimas do medo e da incerteza quando sabemos que temos um lindo caminho a seguir. Os Cinco Treinamentos de Plena Atenção são universais; seus equivalentes podem ser achados em todas as tradições espirituais.
Primeiro treinamento - reverência à vida: Consciente do sofrimento causado pela destruição da vida, eu me comprometo a cultivar o insight do Interser e da compaixão, e a aprender maneiras de proteger a vida das pessoas, animais, plantas e minerais. Estou determinado a não matar, a não deixar que outros matem e a não apoiar nenhum ato de matança no mundo, seja na minha maneira de pensar ou no meu modo de vida. Ao ver que as ações que causam sofrimento surgem a partir da raiva, do medo, da avidez e da intolerância – que, por sua vez, baseiam-se no pensamento dualista e discriminativo - cultivarei a abertura, a não discriminação e o não apego a pontos de vista para transformar a violência, o fanatismo e o dogmatismo em mim mesmo e no mundo.
O primeiro treinamento existe para nutrir nossa compaixão. Sem compaixão não podemos nos relacionar com outros seres vivos. A compaixão também nos beneficia e nos faz uma pessoa feliz. Cultivar a compaixão é crucial. Ela traz bem-estar para nós e para o mundo. Precisamos nos treinar para que nossa compaixão cresça dia a dia.
No Vietnã durante a guerra, havia vezes que não víamos nenhum sinal que a guerra pudesse terminar. Estávamos muito perto do desespero. Dia e noite pessoas estavam morrendo; o país estava sendo destruído por bombas e produtos químicos. Lembro uma vez quando um grupo de jovens veio até mim e perguntou, “Thay, há alguma esperança que a guerra termine logo?” Naquele momento não víamos nenhum esperança. A guerra existia há muito tempo. Quando jovens te perguntam algo assim, você precisa inspirar e expirar várias vezes. É importante manter a esperança deles viva. Depois de inspirar e expirar eu disse, “O Buda nos disse que as coisas são impermanentes. A guerra é também impermanente. Ela vai acabar algum dia.”
O problema é: estamos fazendo algo para ajudar o fim da guerra, o fim da violência? Se permitirmos que sejamos devastados por sentimentos de raiva e desespero, não seremos capazes de ajudar. Poderemos até adicionar combustível à situação, aumentando sua intensidade, fazendo ela durar mais. Portanto a pergunta é se podemos ser algo pela paz, fazer algo pela paz, exatamente agora no momento presente. Quando você produz um pensamento de compaixão, bondade amorosa, entendimento – isto é paz. Quando você faz algo para ajudar as vítimas da guerra e violência a sofrerem menos, leva comida aos sem-teto ou refugiados, crianças, isto é um ato que pode aliviar o sofrimento e ajudar a terminar com a guerra e violência.
Quando você está numa situação difícil, é crucial achar um modo de ser paz, um modo de fazer paz. Mesmo se você apenas puder fazer isto de forma muito limitada, te ajudará a sobreviver e nutrir a esperança. É muito importante que não nos permitamos ser carregados pelo desespero. Precisamos aprender como trazer paz ao nosso corpo e mente e dar surgimento a pensamentos, palavras e atos de compaixão em nossa vida diária.
Isto pode inspirar muitas pessoas, os ajudando a não afundarem no oceano do desespero. Isto mostrará para eles que a prática dos Cinco Treinamentos de Plena Atenção é possível. E devagar ganharemos sustentação. Se tivermos alguma paz interior, no nosso modo de pensar, falar e agir, seremos capazes de influenciar pessoas, inspirá-las a ir na mesma direção e lentamente melhoraremos a situação. O principal é não permitir que sejamos massacrados pelo sentimento de desespero. Se formos suficientemente lúcidos e pacíficos, acharemos maneiras de ser e coisas a fazer que cultivem mais compaixão e ajudem a violência acabar pouco a pouco.
Compartilhamento sobre o Primeiro Treinamento (por Ava Avalos): Eu recebi os Treinamentos em 1999 e por muitos anos lia o Primeiro Treinamento e pensava, “...pelo menos pratico integralmente um deles!” Afinal, fui vegetariana a maior parte da minha vida, me tornei médica, acreditava que estava lutando “o bom combate” socialmente, e até mesmo me sentia mal quando matava um mosquito. Olhando para trás agora, percebo o quanto estava errada. Eu achava que “Reverência a Vida” acontecia em algum lugar – em todo lugar – mas fora de mim mesma. Meu mal entendimento me levou a muita confusão e dor.
Eu nasci na primeira geração de uma família de trabalhadores mexico-americanos. Mas meus pais eram alcoólatras. Apesar disso, eram pessoas amáveis na maioria do tempo e fizeram tudo que podiam para prover a minha irmã e a mim com uma boa educação. Meu pai costumava nos dizer para aprendermos inglês de negócios de forma a conseguirmos bons empregos e nos tornarmos secretárias. Na minha formatura como médica ele chorava copiosamente. Minha irmã se tornou professora de comunicação intercultural.
Para muitas pessoas não brancas nos Estados Unidos, a dor profunda do deslocamento, da alienação e discriminação cria o palco para o abuso e a auto-repugnância. Embora eu não beba ou use drogas, a semente da raiva e do auto-ódio foram passadas para mim e foram nutridas pela sociedade. Foi apenas com o passar dos anos e anos de prática que finalmente fui capaz de ver que minha própria vida verdadeiramente importava. Minha prática agora está centrada no auto-amor, dissolver as sementes de auto-violência e cultivar sementes de alegria e paz.
Os ensinamentos de Thay e minha prática salvaram minha vida. Nos últimos oito anos, trabalhei como médica cuidando de pacientes com AIDS em Botswana. Muitos médicos trabalham “ajudando outros” de forma bem intencionada mas com expedientes muito longos até a exaustão. Somos frequentemente o pior exemplo de saúde e bem-estar. Eu aprendi que o Primeiro Treinamento é primeiramente sobre proteger a própria vida.
Agora boa parte do meu trabalho se foca em ajudar outros médicos a aprender como ter mais cuidado com eles mesmos. Em Gaborone, a capital de Botswana, junto com outros médicos, fundamos o Instituto Tshedisa para encaminhar as necessidades médicas e emocionais dos trabalhadores da área de saúde. Damos aconselhamento, treinamento em plena atenção e terapia usando artes criativas para aqueles exaustos pelo cansativo trabalho com a epidemia de HIV/AIDS no país.
Com a prática, voltei e abracei meus ancestrais, com toda a sua coragem, jeito picante e celebração da vida. Os mexicanos são algumas vezes vistos como pessoas da terra. Agora eu entendo que podemos achar grande cura na terra e na sua lama, para transformar nosso sofrimento em bonitos lótus, perfumados com auto-aceitação e com a proteção da plena atenção.
(Do livro “Together we are one”– Thich Nhat Hanh)
(Traduzido por Leonardo Dobbin)
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