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Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Quatro métodos para gerar alegria e felicidade

 

No 5º exercício, passamos para a arena dos sentimentos. Podemos olhar para o nosso próprio corpo como um rio. Nesse rio, cada célula é uma gota d'água. Porque o corpo está num fluxo momentâneo de mudança. A cada momento, há células que acabaram de morrer e a cada momento há células que acabaram de nascer. Não é uma realidade inanimada. É a impermanência. É um rio.

 

Agora estamos sentados na margem do segundo rio também dentro do nosso corpo, que é o rio dos sentimentos. Há um rio de sentimentos fluindo noite e dia. Cada sentimento daquele rio é uma gota d'água no rio. Os sentimentos surgem, permanecem por algum tempo e desaparecem para dar lugar a sentimentos recém-surgidos, assim temos um rio de sentimentos.

 

O 5º exercício nos ajuda a aprender a trazer a nós mesmos o sentimento de alegria. Um praticante deve ser capaz de trazer um sentimento de alegria para si mesmo. Porque realmente precisamos de nutrição. "Trazendo para nós mesmos o sentimento de alegria." Ou podemos ser breves, “trazendo alegria para nós mesmos”. O 6º exercício é “trazer a nós mesmos a sensação de felicidade”. Isso significa que um praticante deve ser capaz de gerar sua própria alegria. Um praticante deve ser capaz de gerar sua própria felicidade.

 

Assim, podemos chamar o 5º exercício de “gerar a nossa própria alegria”, e o 6º exercício de “gerar a nossa própria felicidade”. Se você irmão ainda não conseguiu gerar alegria para si mesmo, você ainda não é um bom praticante.

 

Mas como geramos alegria e geramos felicidade? Precisamos muito de momentos de alegria e de momentos de felicidade para nos alimentarmos. Todos nós temos dores e sofrimentos que precisam ser abraçados e transformados, mas se não formos fortes o suficiente, não seremos capazes de abraçar e transformar os nossos próprios sofrimentos. Por essa razão, disse o Buda, para termos força suficiente para abraçar e transformar os nossos sofrimentos, temos que nos nutrir com as alegrias e felicidades que podemos gerar por nós mesmos.

 

Assim, o 5º exercício é criar alegria. O sexto exercício é criar felicidade. A alegria, no sutra, é chamada de "hỷ". "Chế tác hỷ" ou "gerando alegria". E a felicidade, no sutra, é chamada de “lạc”. "Chế tác lạc" ou "gerando felicidade". Você sabe, o Buda nos ensinou muitos, muitos métodos para trazer a nós mesmos o sentimento de alegria e para trazer a nós mesmos o sentimento de felicidade. Sempre que quisermos, sempre podemos ter alegria e sempre podemos ter felicidade. É maravilhoso.

 

O primeiro é o método de deixar ir. Deixar ir pode trazer alegria e felicidade. Isso, em vietnamita, é chamado de "ly sinh " "ly sinh hỷ" e "ly sinh lạc", que significa "a alegria nasce do desapego" e "a felicidade nasce do desapego".

 

Aqui está um exemplo: digamos que vivemos numa cidade grande, muito barulhenta, muito poluída. No fim de semana queremos fugir daquela paisagem urbana. Preparamos nosso carro ou moto. Trazemos um pouco de água e comida conosco e vamos propositadamente ao campo passar o fim de semana.

 

Uma hora depois, deixamos a cidade para trás e começamos a ver ao longe arrozais e terraços verdejantes, sentindo o vento soprando no rosto, ouvindo o canto dos pássaros e vendo coqueiros e palmeiras. Nós nos sentimos muito felizes. Esse tipo de felicidade que temos se deve à nossa capacidade de deixar para trás aquela cidade poluída e barulhenta.

 

Assim, desapegar é uma das práticas que pode trazer alegria e felicidade. Chama-se "deixar ir dá origem à alegria" e "deixar ir dá origem à felicidade". Há muitas coisas que podemos abandonar. Por exemplo, temos uma ideia do tipo “Se eu não tiver isso, nunca me sentirei feliz” ou "Se eu não me livrar disso, nunca me sentirei feliz." Temos muitas ideias como essa e essas ideias não nos deixam felizes. Porque talvez tenhamos essas ideias, e nunca consigamos implementá-las.

 

"Se não posso casar com essa pessoa, talvez não deva mais viver." “Se eu não tiver esse diploma, se não tiver esse status social, viver não significa nada para mim”. Colocamos em nossa mente ideias como essas e acabamos sofrendo o tempo todo, não há alegria nem felicidade. Mas se conseguirmos nos livrar dessas ideias, a felicidade irá inundar-nos naturalmente. A alegria e a felicidade irão subitamente inundar-nos.

 

Assim, as nossas ideias, as nossas percepções, também podem ser as próprias causas da nossa dor e sofrimento. Portanto, devemos examinar se temos quaisquer ideias, ou percepções, ou preconceitos, ou estereótipos, que precisam de ser abandonados. Quanto mais alguém consegue deixar ir, mais feliz se torna. É chamado de "ly sinh hỷ" e "ly sinh lạc". Felicidade e alegria existem graças ao desapego.

 

O segundo método que o Buda ensinou para criar alegria e felicidade para nós mesmos é a prática da atenção plena correta, chamada: “A atenção plena correta dá origem à alegria e à felicidade”. A atenção plena correta, como você já sabe, é a energia que nos permite estar verdadeiramente presentes no momento e estar conscientes, apenas reconhecer, o que está acontecendo naquele momento.

 

A atenção plena correta nos permite estar conscientes de que “isto é uma inspiração”. E quando inspiramos, sabemos que somos uma criatura, que somos uma pessoa que ainda está viva. A consciência de estarmos vivos é uma felicidade muito grande. Como aqueles que já estão mortos poderiam respirar?

 

Assim, quando inspiramos, de repente despertamos para a realidade de que ainda estamos vivos e estar vivo é um milagre. Podemos celebrar esse milagre inspirando e expirando. Basta inspirar e expirar para se sentir contente e feliz. Porque inspiramos conscientemente, a energia da atenção plena nos permite ter consciência de que somos uma realidade milagrosa. O nosso entorno está repleto de vida em toda a sua glória.

 

Assim, quando há atenção plena, significa que há alegria e felicidade. Podemos dizer que: “A atenção plena correta é uma fonte inesgotável de felicidade”. A atenção plena correta traz à tona muita alegria e felicidade.

 

Por exemplo, pratico: "Inspirando, estou consciente do meu coração". Meu coração é muito gentil comigo. Funciona noite e dia para bombear o sangue pelo corpo e nutrir as células. Eu mesmo consigo dormir 5 ou 6 horas por noite. Mas meu coração funciona sem parar. No entanto, nunca cuidei ou prestei atenção amorosa ao meu coração. Fumo cigarros, bebo álcool. Fico acordado até tarde. Fiz meu coração trabalhar demais. Coitadinho.

 

Então, aqui e agora, respiro fundo e trago a energia da atenção plena para reconhecer a existência do meu coração. “Inspirando, meu querido coração, eu sei que você está aí”. Abraçamos nosso coração com profundo apreço, com nossa consciência atenta. Sabemos que nosso coração nunca foi muito bem tratado porque fumamos, bebemos álcool e ficamos acordados até tarde. Assim, naturalmente, damos origem à compaixão e juramos: "De agora em diante, vou parar de beber álcool, de fumar e de ficar acordado até tarde, para que meu coração possa ter felicidade." Quando abraçamos nosso coração com atenção plena, percebemos algo milagroso: "Nosso coração está funcionando normalmente."

 

Algumas pessoas não têm um coração normal e sempre tiveram medo de sofrer um ataque cardíaco a qualquer momento. Eles estão vivendo com problemas cardiovasculares. O seu desejo mais profundo é ter um coração normal como todos os outros.

 

Quando respiramos, despertamos para a realidade de que temos um coração normal e podemos celebrar esta realidade de termos um coração normal. Tudo graças à atenção plena correta. “Inspirando, estou consciente do meu coração, estou consciente da existência do meu coração. Inspirando, sei que meu coração é normal e saudável.” E essa consciência traz alegria e felicidade. Chama-se: “A atenção plena correta dá origem à alegria e à felicidade”.

 

O coração não é tudo que existe no corpo. Meu fígado ainda pode funcionar relativamente bem. Meus rins ainda podem funcionar relativamente bem. Ambos os meus pés ainda estão fortes, ainda posso pular, caminhar em meditação e correr. Tantas condições de felicidade que estão disponíveis.

 

Mas, como não tenho consciência e atenção plena, não tenho nenhuma felicidade. Então, voltando a nós mesmos com a energia da atenção plena, reconhecendo todas as condições de felicidade que estamos tendo, teremos abundância de alegria e uma abundância de felicidade.

 

Olhando pela janela, vemos o céu azul, as nuvens brancas, os pássaros cantando, os pinheiros balançando, as flores desabrochando, A vida tem tantos milagres. Nossos entes queridos ainda estão vivos e ainda podemos viver com eles sob o mesmo teto. Muitas condições de felicidade para contar e ficar feliz agora. Não precisamos correr procurando por mais.

 

Todos esses são benefícios da atenção plena correta. Por essa razão, desde que pratiquemos inspirar e expirar conscientemente, voltando a estar em contato com todas as condições de felicidade que estamos tendo, é claro que nasce a alegria e nasce a felicidade - uma depois da outra.

 

Esse é o método que o Buda nos ensinou para termos alegria e felicidade. Podemos resumir dizendo: “A energia da atenção plena correta é uma fonte inesgotável de felicidade” e a energia da atenção plena correta pode ser gerada por meio de inspirações e expirações conscientes. "O desapego e a atenção plena correta dão origem à alegria e à felicidade."

 

 “A concentração correta dá origem à alegria e à felicidade”. A concentração correta também é um tipo de energia. Quando temos a atenção plena correta, estamos tendo a concentração correta. Por exemplo, quando estamos conscientes da presença da flor, temos atenção plena na flor. Mas se mantivermos essa atenção plena por um longo período de tempo, começaremos a dar mais atenção à flor.

 

Assim, a concentração correta nasce da atenção plena correta. E quanto mais poderosa for a concentração, mais poderosa será a atenção plena e maior se tornará a nossa felicidade.

 

Por exemplo, quando bebemos uma xícara de chá perfumado, se tivermos atenção plena, estaremos verdadeiramente presentes no momento. Quando estamos verdadeiramente presentes, a xícara de chá também se torna algo real. Mas se não estivermos presentes, se a nossa mente estiver em outro lugar, obviamente, estamos bebendo chá, mas não sabemos que estamos bebendo chá. Somos uma figura fantasmagórica, não real. E a xícara de chá também é um item fantasmagórico, não real porque estamos sendo apanhados em preocupações, tristezas, expectativas. Não há ninguém sentado ali, tomando chá, e não há chá sendo bebido. Obviamente, bebemos chá no piloto automático.

 

Entretanto, quando estamos acompanhados pela respiração consciente, naturalmente estamos verdadeiramente presentes. Corpo e mente estão em perfeita unidade. Quando estamos verdadeiramente presentes, a xícara de chá também está verdadeiramente presente. Então o contato entre nós e a xícara de chá é a vida em sua verdadeira forma. Quando bebemos chá assim – com atenção plena e concentração, o chá tem um sabor muito melhor. Caso contrário, a xícara de chá será apenas um item fantasmagórico.

 

É o mesmo com nossos amados. Se não tivermos atenção plena, se não tivermos consciência de que nossos entes queridos estão presentes, eles serão apenas figuras fantasmagóricas. Estamos apenas vivendo com figuras fantasmagóricas.

 

Assim, com atenção plena e concentração, tudo se torna vividamente real. E isso traz muita alegria e muita felicidade – que chamamos de “atenção plena correta” e “concentração correta” “que dão origem à alegria e à felicidade”. Quanto mais focada for a nossa mente, maior se tornará a nossa felicidade. Quando temos a atenção plena e a concentração corretas, temos visões corretas. Visões corretas significam compreensão.

 

Se tivermos atenção plena e permanecermos solidamente concentrados, veremos muito clara e profundamente e chegaremos à compreensão correta. Esse entendimento correto nos traz muita felicidade. Chama-se: “Visões corretas dão origem à alegria e à felicidade”. Então, por essa razão, um praticante que é sábio, é capaz de criar, de gerar sua própria alegria e felicidade a qualquer momento, usando os métodos do desapego, atenção plena correta, concentração correta e visões corretas.

 

(Palestra de Dharma de Thich Nhat em 21 de julho de 2009- transcrito do vídeo do YouTube

https://youtu.be/ZvKlan9wAmE)

Traduzido por Leonardo Dobbin)

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