Sangha Virtual

 Estudos Budistas

Tradição do Ven. Thich Nhat Hanh

 

Segundo Treinamento: Verdadeira Felicidade

 

Os Cinco Treinamentos de Plena Atenção são a maneira mais concreta de praticar a plena atenção. Eles são frutos da nossa prática de plena atenção, não algo imposto a nós por alguém. Os Cinco Treinamentos de Plena Atenção nos ajudam a mudar, a nos transformar, e criar nossa comunidade. Quando estudamos os Cinco Treinamentos profundamente, vemos que cada treinamento é uma “cor da compaixão”. Cada um dos Cinco Treinamentos são compaixões, práticas de amor e proteção – protegendo a nós mesmos, nossos amados e nossa sociedade. Ao praticar um deles profundamente, veremos que estamos praticando todos os cinco.

 

Você não precisa ser perfeito na prática dos treinamentos. O importante é que temos um caminho para seguir, um caminho de amor, de irmandade. Como uma sangha, podemos ir juntos neste caminho e nos apoiar. Ninguém pode ser perfeito na prática dos treinamentos, eles são como a Estrela do Norte. Se você está perdido no meio da floresta de noite sem uma bússola, pode olhar para a Estrela do Norte, sabendo assim o caminho a seguir. Seu objetivo é sair da floresta, não chegar à Estrela do Norte. Ter uma direção a ir é o que precisamos. Nós não somos mais vítimas do medo e da incerteza quando sabemos que temos um lindo caminho a seguir. Os Cinco Treinamentos de Plena Atenção são universais; seus equivalentes podem ser achados em todas as tradições espirituais.

 

Segundo treinamento – verdadeira felicidade: Consciente do sofrimento causado pela exploração, injustiça social, roubo e opressão, eu me comprometo a praticar a generosidade no meu modo de pensar, de falar e de agir. Estou determinado a não roubar e a não possuir nada que porventura pertença a outros, e a compartilhar meu tempo, energia e recursos materiais com aqueles que precisam. Praticarei a observação profunda para ver que a felicidade e o sofrimento dos outros não estão separados da minha própria felicidade e sofrimento. Praticarei para ver que a verdadeira felicidade não é possível sem compreensão e compaixão – e que buscar riqueza, fama, poder e prazeres sensoriais podem gerar muito sofrimento e desespero. Estou consciente de que a felicidade depende da minha mente e não de condições externas, e que posso ser feliz no momento presente, bastando me lembrar de que já possuo todas as condições para isso. Eu me comprometo a praticar o Meio de Vida Correto de forma a reduzir o sofrimento dos seres vivos na Terra e, especialmente, reverter o processo de aquecimento global.

 

O segundo Treinamento de Plena Atenção é sobre generosidade, não roubar e não explorar. Mesmo que outros tenham nos explorado não queremos retaliar e agir como eles, porque queremos seguir o caminho da compaixão. Compaixão é algo que cultivamos ao olhar profundamente de forma a entender o sofrimento no nosso interior a ao nosso redor.

 

Não precisamos ser ricos para ajudar as pessoas. Na verdade, muitas pessoas ricas gastam todo o seu tempo e energia ganhando dinheiro de forma a continuar ricos. Eles não têm tempo de tomar conta deles e da sua família; portanto como podem ajudar as outras pessoas? Ter riqueza não é necessariamente uma boa condição para a vida espiritual.

 

Eu não desejo riqueza. Posso ser muito feliz sem dinheiro ou poder. Às vezes pensamos que quando somos pobres não podemos fazer nada. Isto simplesmente não é verdade. Podemos ajudar muitas pessoas. Quando somos livres, podemos fazer muitas coisas para ajudar nosso povo, nossa comunidade. É possível viver de forma simples e feliz. Quando nos transformamos em um bodisatva, passamos a ter muito poder – não o poder da fama ou riqueza, mas o tipo de poder que nos ajuda a ser livres e trazer alívio a muitas pessoas.

 

Quando queríamos comprar as terras para o monastério Deer Park no sul da Califórnia, não tínhamos um dólar sequer. Portanto como conseguimos o dinheiro para comprar esta terra e estabelecer um centro de prática? No começo, organizamos retiros para jovens na área, muitos dos quais vítimas de violência. Muitos vieram de famílias infelizes, e não podiam se comunicar com seus pais. A cada ano, vínhamos e oferecíamos retiros para ajudá-los a transformar e reconciliar.

 

Então um dia, algumas pessoas perguntaram, “porque você não estabelece um centro de prática aqui de forma que os jovens possam lucrar ainda mais da prática?” Perguntamos como poderíamos fazer isto e eles disseram que iriam ajudar. Começamos absolutamente sem dinheiro. Mas tínhamos nossa liberdade, nossa capacidade de viver de forma simples e de comunicar com compaixão, portanto dinheiro não era uma questão.

 

A questão é: você pode se transformar em um bodisatva, um grande ser, um ser iluminado? Se você praticar, se viver de acordo com os cinco treinamentos, já estará no caminho de um bodisatva. Cada vez que eu vejo alguém recebendo os cinco treinamentos, e fazendo os votos de viver de acordo com eles, fico muito feliz pela pessoa e por mim. Porque esta pessoa será protegida e terá muita energia para transformar a si, sua família e a sociedade. Os Cinco Treinamentos de Plena Atenção não são algo imposto por outros para nós, eles não são mandamentos, eles são pura plena consciência.

 

Compartilhamento sobre o Segundo Treinamento (por Taj James): Eu cresci no sul da Califórnia, mas agora vivo em Oakland. Meu pai é afro-americano, minha mãe é italiana e norueguesa. Ao crescer, experimentei muita discriminação porque não havia muitas outras pessoas que se parecessem comigo nos lugares que vivi. Eu sentia as percepções erradas e os medos das pessoas, e elas tinham grande influência em mim. Sofri muito porque eu não entendia porque eles eram assim, e eu não sabia como lidar com meus sentimentos. Foi o crescimento desta experiência dolorosa que me levou ao trabalho pela justiça social.

 

Quando criança eu fui intimidado e tinha que decidir como iria responder. Decidi que não queria me deixar ser maltratado, mas ainda não estava certo do que fazer com os sentimentos que surgiam. Não sabia como processar minha dor e sofrimento quando os outros não eram gentis ou até mesmo cruéis. Do alto dessa experiência eu decidi que iria tentar mudar as pessoas, mudar o mundo e torná-lo um lugar mais seguro. Portanto ainda jovem me tornei um ativista e me envolvi em movimentos para tentar resolver o racismo nas escolas que frequentei, famílias e crianças. Passei muitos anos fazendo isto.

 

Sentia que eu poderia tomar conta do meu sofrimento ao tomar conta do sofrimento das outras pessoas e as protegendo de serem feridas pela opressão. Depois de muitos anos fazendo isso, olhei ao meu redor e percebi que havia ainda grande sofrimento no mundo e também no meu coração, na minha vida. Decidi que tentaria um caminho novo, uma abordagem nova.

 

Eu trabalho com jovens, e o que eu gosto é que eles são muito honestos. Se suas roupas parecem engraçadas, eles irão te dizer. Se eles têm uma opinião diferente da sua, irão te dizer e se você não está presente para eles, também te dirão. Depois de tentar curar meu sofrimento ajudando os outros, em certo momento meu sofrimento se tornou tão grande que eu não era mais capaz de estar presente para os jovens com quem eu trabalhava. Percebi também que como eu não estava presente, estava causando grande dor e sofrimento para as pessoas que eu amava e cuidava profundamente. Percebi que ao invés de reduzir a quantidade de sofrimento no mundo, pela minha desatenção ao meu sofrimento, estava levando mais sofrimento ao mundo. Esta percepção era profundamente dolorosa e libertadora porque eu passei a ter a permissão de cuidar de mim mesmo de um modo que eu não sabia como fazer antes.

 

Deixei o trabalho que estava fazendo e decidi procurar remédios para em ajudar com o sofrimento que estava no meu coração. Descobri alguns livros de Thay e passei três meses em Plum Village, o monastério de Thay na França. Antes eu tinha a idéia que se eu tomasse conta de mim mesmo teria que abandonar minhas preocupações com justiça social e abandonar meu compromisso em aliviar o sofrimento dos outros. Era uma idéia que não me deixava tomar conta de mim mesmo.

 

Portanto quando descobri os Cinco Treinamentos de Plena Atenção e os Quatorze Treinamentos de Plena Atenção, fiquei muito feliz porque tinha achado uma prática que era ao mesmo tempo curadora de meu próprio sofrimento e curadora do sofrimento do mundo. Uma prática que percebe que estas duas coisas são interconectadas e não podem ser separadas. Quando eu li os treinamentos, sabia que tinha encontrado um caminho que podia me ajudar a primeiramente, cuidar do meu próprio sofrimento e assim ter a capacidade de prover apoio aos outros; e em segundo lugar, garantir que não estou causando mais sofrimento para o mundo através da minha ignorância e através do sofrimento que me foi transmitido pelos meus ancestrais.

 

Os treinamentos são poderosos porque nos ajudam a nos tornar mais conscientes das sementes que temos dentro de nós, e a regar aquelas sementes que trazem mais alegria e felicidade ao mundo. A dificuldade da prática para mim é lembrar primeiramente tomar conta de meu próprio sofrimento. Se eu for capaz de fazer isto, então sou mais capaz de apoiar os outros. Portanto os treinamentos me ajudam a lidar com meu próprio sofrimento, ao mesmo tempo em que tenho o forte compromisso de testemunhar o sofrimento do mundo.

 

 

(Do livro “Together we are one”– Thich Nhat Hanh)

(Traduzido por Leonardo Dobbin)

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