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do Ven. Thich Nhat Hanh
As Seis Perfeições (Paramitas) - parte 2
As seis paramitas são ensinamentos do Budismo Mahayana. Paramita é uma palavra que pode ser traduzida como "perfeição" ou "realização perfeita". O ideograma chinês para este termo significa "atravessar para a outra margem", que é a margem da coragem, da paz e da libertação. As perfeições devem ser praticadas em nossa vida diária. Estamos atualmente na margem do sofrimento, da raiva e da depressão, e queremos atravessar para a margem do bem-estar. Para atravessar, é preciso fazer alguma coisa, e é a isso que chamamos de perfeição. Assim, voltamos para nós mesmos, praticamos a respiração consciente e olhando nosso sofrimento, nossa raiva, nossa depressão, e sorrimos. Ao fazer isso, superamos a dor e atravessamos. Devemos praticar as "perfeições" todos os dias. (...)
(1) Dana paramita - Doação, generosidade, oferta.
(2) Shila paramita - Os preceitos ou treinamentos da atenção plena.
(3) Kshanti paramita - Tolerância, a capacidade de acolher, suportar e transformar a dor infligida a você por seus inimigos e também pelas pessoas que o amam.
(4) Virya paramita - O esforço, energia, perseverança.
(5) Dhyana paramita - A meditação.
(6) Prajna paramita - A sabedoria, compreensão, insight.
Praticar as seis perfeições ajuda a atingir a outra margem - a margem da liberdade, da harmonia e dos bons relacionamentos.
A terceira pétala da flor é a tolerância, kshanti paramita. A tolerância é a capacidade de receber, aceitar e transformar as coisas. Kshanti às vezes é traduzida também por paciência ou resignação, mas acho que "tolerância" é uma palavra que denota melhor o ensinamento de Buda. Quando praticamos a tolerância, não precisamos sofrer nem nos resignarmos, mesmo quando precisamos aceitar o sofrimento ou a injustiça, quando alguém diz ou faz algo que nos deixa com raiva, ou quando talvez algum tipo de injustiça é cometido contra nós. Mas se o coração for grande o bastante, não sofreremos.
O Buda oferece uma linda imagem sobre isso. Se pegarmos um punhado de sal e colocarmos em uma tigela com água, a água ficará salgada demais para beber. Mas a mesma quantidade de sal colocada em um grande rio não afetará sua água, e as pessoas ainda poderão bebê-la (lembrem-se de que esse ensinamento foi dado há 2.600 anos, quando ainda era possível beber água dos rios!). Devido à sua imensidão, o rio tem a capacidade de receber e transformar. O rio não sofre por causa de um punhado de sal. Se o seu coração for pequeno, uma palavra ou ação injusta fará você sofrer, mas se o coração for grande, e se tiver compreensão e compaixão, a palavra ou ação injusta não terá o poder de lhe causar sofrimento, porque você terá a capacidade de receber, aceitar e transformar rapidamente. O que conta aqui é a sua capacidade. Para poder transformar o sofrimento, o coração precisa ser grande como um oceano. Outra pessoa talvez sofra, mas se um bodhisattva ouvir as mesmas palavras desagradáveis não sofrerá. Tudo depende da forma de receber, aceitar e transformar. Se você guardar uma dor por muito tempo, é porque ainda não aprendeu a prática da tolerância.
Quando Rahula, o filho de Buda, fez dezoito anos, o Buda fez uma linda palestra sobre o Darma, em que falava sobre como praticar a tolerância. Shariputra, o tutor de Rahula, estava presente e ouviu atentamente, absorvendo os ensinamentos. Doze anos mais tarde, Shariputra teve a oportunidade de repetir esse ensinamento para uma congregação de monges e monjas. Foi no dia seguinte ao término de um retiro de três meses, durante uma estação chuvosa, quando todos os monges estavam se aprontando para ir embora e seguir em diferentes direções pregando os ensinamentos. Naquele dia, um monge disse ao Buda: "Senhor, esta manhã, quando o Venerável Shariputra ia partir, eu perguntei a ele onde ia, e em vez de responder à minha pergunta, ele me jogou no chão e nem sequer pediu desculpas."
O Buda perguntou a Ananda: "Shariputra já está muito longe?" e Ananda disse: "Não, Senhor, ele partiu há apenas uma hora." Então Buda pediu a um noviço que alcançasse Shariputra, convidando-o a voltar. Quando o noviço voltou acompanhado de Shariputra, Ananda convocou todos os monges que ainda estavam por lá. A seguir, o Buda entrou e perguntou formalmente: "Shariputra, é verdade que esta manhã quando você ia sair do mosteiro um irmão lhe fez uma pergunta, e você não respondeu? É verdade que em vez de responder você jogou o irmão no chão e nem sequer pediu desculpas?" E Shariputra respondeu a Buda diante de todos os monges e monjas da congregação.
"Senhor, eu me lembro do discurso que o senhor fez há doze anos para o monge Rahula, quando ele fez dezoito anos. O senhor ensinou-o a contemplar a natureza da terra, da água, do fogo e do ar, para desenvolver as virtudes do amor, da compaixão, da alegria e da equanimidade. Apesar de seu ensinamento ser dirigido a Rahula, eu também aprendi com ele, e tenho tentado observar e praticar este ensinamento.”
"Senhor, eu tenho tentado praticar como a terra. A terra é grande e aberta, e tem a capacidade de receber, aceitar e transformar. Quando as pessoas jogam sobre a terra substâncias puras e perfumadas, como por exemplo flores, perfumes ou leite fresco, ou mesmo quando jogam nela substâncias repugnantes como excremento, urina, sangue, catarro ou cuspe, a terra recebe tudo da mesma maneira, sem apego nem repulsa. Não importa o que jogamos na terra, ela sempre acolhe, aceita e transforma tudo aquilo que recebe. Eu faço o que posso para ser como a terra, a tudo recebendo sem resistir, sem me queixar, nem sofrer.”
"Senhor, eu pratico a atenção plena e a bondade amorosa. Um monge que não pratica a atenção plena ao corpo no corpo e às ações do corpo nas ações do corpo, poderia derrubar outro monge e deixa-lo lá deitado, sem pedir desculpas. Mas eu não costumo ser grosseiro com meus colegas, empurrando-os e indo embora sem pedir desculpas.”
"Senhor, eu aprendi a lição dada a Rahula, ou seja, que praticasse para me tornar como a água. Quando alguém derrama uma substância perfumada ou impura na água, ela recebe as duas coisas da mesma maneira, sem apego, sem aversão. A água é imensa, fluida, e tem a capacidade de receber, conter, transformar e purificar todas as coisas. Eu fiz o melhor que pude para me assemelhar à água. Um monge que não pratica a atenção plena, que não tenta se assemelhar à água, poderia ser grosseiro com seus colegas, empurrando-os e indo embora sem pedir desculpas, mas eu não sou assim.”
"Meu Senhor, eu tenho praticado me assemelhar ao fogo. O fogo queima tudo, tanto o que é puro como o que é impuro, o belo e o repugnante, sem apego nem aversão. Se jogarmos flores ou seda no fogo, elas queimarão. Se jogarmos roupas velhas ou substâncias mal cheirosas, o fogo aceitará tudo da mesma maneira e queimará da mesma forma. Ele não discrimina. Por quê? Porque o fogo é capaz de receber, consumir e queimar todas as coisas que lhe são oferecidas. Eu tenho tentado ser como o fogo. Consigo queimar as coisas negativas para transformá-las. Um monge que não pratica a atenção plena ao olhar, ouvir e contemplar, poderia ser grosseiro com seus colegas, empurrando-os e indo embora sem pedir desculpas, mas eu não sou assim.”
"Senhor, tenho tentado praticar para ser como o ar. O ar carrega todos os cheiros, bons e maus, sem apego nem aversão. O ar tem a capacidade de transformar, purificar e soltar todas as coisas. Senhor Buda, eu contemplei o corpo no corpo, o movimento do corpo no movimento do corpo, as posições do corpo nas posições no corpo, as sensações nas sensações e a mente na mente. Um monge que não pratica a atenção plena poderia jogar seu colega no chão, empurrando-o e ir embora sem pedir desculpas, mas eu não sou assim.”
"Meu Senhor, eu sou como uma criança da casta dos 'intocáveis', que não tem nada para vestir, nenhum título ou medalha para pendurar nos trapos rotos. Tenho tentado praticar a humildade, porque sei que a humildade tem o poder da transformação. Todos os dias eu tento aprender. Um monge que não pratica a atenção plena poderia ser grosseiro com seus colegas, empurrando-os e indo embora sem pedir desculpas, mas eu não sou assim."
Shariputra continuou com seu discurso, o "Rugido do Leão", mas o outro monge, arrependido, descobriu o ombro direito e se ajoelhou, pedindo perdão: "Senhor, eu violei a Vinaya (regras de disciplina monástica). Por raiva e por ciúmes, eu disse uma mentira para desacreditar meu irmão mais velho no Darma. Eu imploro à comunidade que me permita praticar o Começar de Novo." Diante do Buda e de toda a Sangha, ele se prostrou três vezes para Shariputra. Quando Shariputra viu seu irmão prostrado, inclinou-se e disse: "Eu não tenho sido hábil o bastante, e por isso criei o mal-entendido. Eu sou também responsável por isso, e peço a meu irmão que me perdoe." A seguir ele também se prostrou três vezes diante do outro monge, e os dois se reconciliaram. Ananda pediu a Shariputra para ficar para uma xícara de chá antes de partir novamente em sua jornada.
Reprimir nossa dor certamente não é o ensinamento da tolerância. Temos que recebê-la, aceitá-la e transformá-la. A única forma de fazer isso é tornando o nosso coração maior. Nós contemplamos em profundidade para compreender e perdoar, caso contrário ficaremos aprisionados pela raiva e pelo ódio, e acharemos que a única forma de nos sentirmos melhor é castigar a outra pessoa. A vingança é um alimento não-saudável. A intenção de ajudar os outros, ao contrário, é extremamente saudável.
Para praticar a kshanti paramita, precisamos das outras perfeições. Se a nossa prática da tolerância não abarcar a compreensão, a generosidade e a meditação, estaremos apenas tentando esconder nossa dor, empurrando-a para o fundo da consciência. Isto é perigoso. Este tipo de energia irrompe mais tarde, destruindo a nós e os outros. Se praticarmos a contemplação em profundidade, nosso coração crescerá sem limites e nós sofreremos menos.
(Do livro “A essência dos ensinamentos de Buda” – Thich Nhat Hanh)
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