Sangha
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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Sujeito e objeto
Há um par de noções que são cruciais para o nosso estudo da Visão Correta: sujeito e objeto. Costumamos acreditar que a nossa consciência é o sujeito da percepção e que não é o mundo lá fora, que é o objeto de nossa percepção. E pensamos que estas duas coisas são completamente diferentes. Há consciência aqui dentro, o sujeito da consciência, e não é o mundo lá fora, o objeto da consciência. De acordo com o ensinamento do Buda, este é um erro básico. Quando você praticar a respiração consciente, "Inspirando, estou consciente da minha inspiração," você pratica, de tal forma que não é mais um observador. Você pratica de tal forma que se torna sua inspiração. Você se torna um participante, já não é um observador de fora.
No budismo, existem seis órgãos dos sentidos: olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente. Os cinco primeiros são fisiológicos e o último é mental. Mente, a nossa consciência mental, é também um órgão. O objeto dos olhos é a forma. O objeto dos ouvidos é o som. O objeto do nariz é cheiro, da língua é gosto, e do corpo é a sensibilidade ao toque. O objeto da mente são dharmas. Dharma é um objeto da mente, não uma realidade objetiva. Quando percebemos algo, esse algo é o objeto de nossa consciência. O mundo é apenas um objeto de nossa mente. Sujeito e objeto se manifestam em conjunto, ao mesmo tempo e dependem um do outro. Quando você vê uma montanha, a montanha é o objeto de sua percepção, o objeto de sua mente, não é algo separado de sua consciência. Ver sempre significa ver alguma coisa. Ouvir sempre significa ouvir alguma coisa, e assim por diante.
Se você acredita que há uma consciência subjetiva que existe separadamente do objeto de sua consciência, um mundo externo existindo separadamente de sua consciência, então você está preso em um erro chamado duplo apego. Você é capturado por este modo de ver o sujeito e o objeto como duas coisas diferentes. Visão Correta só é possível quando você superar a visão de que sujeito e objeto são duas entidades separadas.
Costumamos pensar que a esquerda é o oposto da direita. Acima é o oposto do abaixo. Ser é o oposto do não-ser. A vida é o oposto da morte. A felicidade é o oposto do sofrimento. Às vezes queremos apenas um, não queremos o outro. Nós só queremos a felicidade, não queremos sofrimento.
Para ver que o sujeito e o objeto não são separados, precisamos treinar a nós mesmos. Visão Correta requer prática. Temos de usar nosso tempo e viver nossas vidas diárias, de tal forma que possamos ver a natureza de interser em tudo. Isso exige ser mais conscientes em nossas ações diárias. Isso exige a prática da respiração consciente, do sentar consciente e do andar atento. Somente gastando um tempo para olhar profundamente poderemos ver que a felicidade e o sofrimento não são questões individuais. Nossos pontos de vista não são apenas algo pessoal. Como vemos o mundo afeta tudo dentro dele.
Quando causamos danos ao meio ambiente, fazemos mal a nós mesmos, quando fazemos mal a outra pessoa, fazemos mal a nós mesmos. Se virmos o mundo à luz do interser e visão correta, perceberemos isso rapidamente. O ecossistema e nós, humanos, não somos duas coisas diferentes. Quando matamos o ecossistema, estamos nos matando. Nós somos o ecossistema. O ecossistema somos nós. Nós somos o planeta. O planeta somos nós. Algo nocivo que fazemos ao meio ambiente, o fazemos para nós mesmos. Se os minerais, plantas e animais já não existirem mais, os seres humanos não existirão. Só poderemos estar aqui, se eles estiverem aqui.
Sabemos muito bem que temos antepassados. Mas os nossos antepassados não são apenas humanos. Temos ancestrais animais, temos ancestrais plantas e temos ancestrais minerais. Nossos ancestrais humanos ainda são muito jovens. Os seres humanos apareceram muito tarde na história da vida na Terra. Nossos ancestrais animais ainda estão lá dentro de nós. O réptil, o peixe e o macaco ainda estão no nosso sangue. Eles não eram só parte de nós no passado, mas continuam a existir dentro de nós. Basta olhar profundamente em nossas células. Vemos que somos toda a história da vida.
Se você pegar uma semente de milho e plantar, ela vai brotar. Quando o pé de milho tiver duas folhas, você pode perguntar se ele se lembra do tempo que era um grão de milho. Talvez o pé de milho vá se surpreender. "Eu? Uma semente de milho? Eu não acredito nisso." Se assim for, você poderia dizer: "Ouça, eu estava lá no início. Eu que te trouxe pra casa. Eu que te coloquei neste pote. Reguei todos os dias. E eu vi quando você brotou. E a partir de uma semente de milho você se tornou um pé de milho. Mesmo se você não quiser aceitar, essa é a verdade ".
Você poderia tentar convencer o pé de milho que ele foi uma vez uma semente de milho, ou poderia dizer: "Querido pé de milho, se você olhar para dentro de si com inteligência, ainda pode ver a semente de milho viva em você. Ela não tem mais o forma de uma semente, mas está sempre em você. Você é a semente de milho. " Pode ser difícil para o pé de milho aceitar. Mas essa é a realidade. O caule é a continuação da semente.
Você pode se aproximar de um jovem e dizer-lhe: "Você é a continuação de seu pai. Você é seu pai, porque seu pai está totalmente presente em cada célula do seu corpo." Essa é a verdade. Faça o que fizer, seu pai estará fazendo isso com você. Quando você está com raiva, seu pai fica irritado. Quando você ficar com raiva de si mesmo, ficará com raiva de seu pai. E quando você ficar bravo com seu pai, ficará com raiva de si mesmo. Especialmente se o jovem tem uma relação difícil com seu pai, ou se não conhecer seu pai, essas coisas podem ser difíceis de aceitar. Mas essa é a verdade. Com atenção e concentração, naturalmente você começará a ver as coisas mais profundamente.
Você pode dizer que seu corpo não é apenas seu. É também o corpo de seus pais, seus antepassados e todas as espécies de vida que vieram antes. Se você olhar profundamente desta forma, verá que as suas células também vão viver em todos os seus descendentes. Todos aqueles que vierem depois de você farão parte de sua continuação. Você pode ver que é a continuação de seus pais, com todas as suas qualidades positivas, talentos e beleza. Mas também pode ver todas as dificuldades e desafios deles que vivem dentro de você. Você pode transformar o sofrimento dos seus pais para benefício deles, bem como para o seu próprio.
Quando você tiver a Visão Correta, será capaz de ver seus ancestrais e descendentes em si mesmo, e então, poderá ter uma grande unidade com todos. Este corpo contém muitos elementos: os nossos antepassados e descendentes, o que nós consumimos, a terra, o sol, e todo o cosmos. Nossa prática é viver harmoniosamente com todos esses elementos, que estão dentro de nós e ao nosso redor. A visão de que temos um eu separado é como uma prisão. Quando você está preso em suas opiniões erradas, sofre ao se comparar com os outros, dentro e fora de sua família.
Podemos nos sentir magoados por outros, ou podemos nos sentir orgulhosos de que somos diferentes e separados deles. "Oh, eu não tenho nada a ver com aquela mulher, minha mãe, ela é tão difícil para mim, eu não tenho nada a ver com o meu pai, que sempre verbalmente abusou de mim e até me bateu,.. Eu não tenho nada a ver com aquele homem", mas as sementes de nossos ancestrais estão em nós. "Inspirando, vejo que meu pai ainda está em cada uma das minhas células, minha mãe está em cada célula". Quando você está ciente do não-eu, não há nenhuma questão de ser maior, menor ou igual a qualquer outra pessoa, porque você e essa outra pessoa não são separados.
Se não estivermos atentos, nós só perceberemos algumas partes de nós mesmos. Nós escolhemos com base em nossa experiência e decidimos que nós somos este ou aquele tipo de pessoa. Praticar meditação é reconhecer todo o seu ser, com todas essas partes que você recebeu de seus antepassados, os seus pontos fortes e fracos. Isso pode parecer intelectual. Mas se você praticar a consciência atenta e a meditação, vai começar a reconhecer. Praticar meditação é praticar a Visão Correta. Você verá profundamente que você é o filho, o irmão e o pai. Você é a pessoa que você odeia e a pessoa que você ama. Você precisa experimentar isso por si mesmo para acreditar.
Um dia eu olhei para a montanha, e eu percebi claramente que como eu a estava olhando, todos os meus antepassados - meu pai, minha mãe, meus avós, todas as linhagens de ancestrais humanos, estavam em mim e estavam olhando para a montanha junto comigo. Vimos o belo amanhecer juntos e gostamos do concerto de cores. Meus olhos pertencem a mim e também aos meus antepassados. Todos esses antepassados estavam admirando o nascer do sol maravilhoso comigo.
Durante muitas gerações, os meus antepassados trabalharam duro e tiveram muitas preocupações e muitos momentos de estresse, raiva e medo. Talvez eles nunca tenham tido a oportunidade de sentar-se calmamente, em paz, felizes de estar com essa grande unidade. Eles nunca tiveram a oportunidade de sentar-se calmamente, seguir a respiração, ficarem centrados e em contato com o ambiente maravilhoso. Então, quando paramos desse jeito, todos os nossos antepassados param ao mesmo tempo, bem sincronizado, porque eles estão em nosso corpo, em cada uma de nossas células.
Agora temos a chance de parar. Se formos capazes de parar, pararemos por todos eles, e todos eles estão parando junto com a gente. O momento em que podemos parar e podemos estar em contato com o majestoso amanhecer é um momento de despertar. Você não está iluminado como um ser individual. A iluminação é o momento em que você está em contato profundo com todos os seus ancestrais e descendentes e está compartilhando com eles a sua paz, sua alegria e sua felicidade. Isso não significa parar toda a noção de si mesmo. Mas você pode sorrir e saber que todos eles estão sorrindo o seu sorriso maravilhoso. Você anda em paz e todos eles estão andando pacificamente com você.
(Do livro de Thich Nhat Hanh - "Good Citzens” - Tradução Leonardo Dobbin)
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