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Estudos Budistas
Tradição
do Ven. Thich Nhat Hanh
Tocando o silêncio
Acho que se há uma saída para nós, para a nossa sociedade e para o mundo, e acho que ela vem do silêncio, não do pensamento. Porque temos pensado muito. Realmente tentamos sair das dificuldades pensando, pensando em uma saída.
Escrevemos muitos livros, muita filosofia. Fizemos muitas estruturas de palavras e ideias. Nós realmente tentamos descobrir. Mas não acho que realmente funcionou. Posso estar errado, mas minha sensação é que isso realmente não funcionou.
Nós tentamos muito. Então, acho que temos que tentar de outra forma. Acho que podemos ver se podemos confiar no silêncio. Confie no que emerge do silêncio. Acho que qualquer criatividade verdadeira, qualquer insight real surge desse tipo de silêncio interior. Se quisermos fazer um avanço, se quisermos descobrir algo realmente novo, se quisermos mudar o nosso modo de vida, se quisermos parar de causar danos a nós mesmos e aos nossos entes queridos, acho que precisamos tentar experimentar o silêncio.
Podemos tentar confiar na vida e no silêncio podemos ouvir algo novo. Podemos ouvir nosso corpo. Nosso corpo está lá e está constantemente falando conosco. Tem uma espécie de voz. Mas não usa palavras. Na maior parte do tempo tendemos a ignorá-lo. Temos a tendência de ouvir “Blá, blá, blá, blá”. Já ouvimos isso antes, mas talvez não tenhamos ouvido realmente o corpo.
Então, quando focamos nossa atenção na respiração e mantemos nossa atenção na respiração, temos a chance de realmente ouvir nosso corpo, para sentir como é ter um corpo. Sentimos nosso contato com o solo. Não é algo estático, imutável. Podemos realmente começar a habitar nessa sensação de contato com o solo, permitir que ela se expanda em nossa consciência. Precisamos descobrir isso, abrir-nos para isso.
Com a atitude de abertura, podemos tocar em algo realmente novo. À medida que permanecemos com esta consciência expandida do nosso corpo, do seu peso, da forma como se liga à terra, podemos então tomar consciência de outras coisas, da posição dos nossos membros no espaço. Sabemos onde estão nossos braços. Podemos senti-los lá. Talvez possamos até sentir a posição de nossa coluna vertebral enquanto ela faz sua bela e elegante curva no espaço.
Podemos estar conscientes da nossa pele. A sensação das roupas na nossa pele. O ar em nosso rosto e mãos. Podemos ter consciência dos nossos músculos, dos nossos tendões, dos nossos nervos, do nosso sangue, dos nossos ossos. Isso está lá o tempo todo. É uma fonte constante de admiração, de novidade.
Quando nos tornamos conscientes de todas as sensações, também podemos tomar consciência de alguma tensão. Talvez alguma dor ou desconforto e com a respiração podemos acalmar nossos corpos. Podemos inspirar, conscientes de qualquer tensão em nosso corpo. Expire e deixe a tensão derreter.
Inspirando, consciente de todo o corpo e de qualquer tensão nele. Expirando, permita que a tensão se desfaça. Sempre podemos mergulhar mais fundo no momento presente. Não há fim para o milagre do momento presente, a novidade do momento presente.
Se temos tendência a perder o momento presente é porque temos o hábito de correr. Aprendemos o hábito de correr, nós nos treinamos para correr. Correr para o futuro. Correr atrás dos nossos planos, dos nossos projetos, da nossa ansiedade, dos nossos medos. Nós nos treinamos para correr para o passado. Para perseguir nossos arrependimentos sobre o passado. Temos a tendência de pensar em muitas coisas e na verdade, isso nos impede de estar em contato com o momento presente, com a vida.
Então, quando voltamos coletivamente ao momento presente, quando coletivamente trazemos nossa atenção para a respiração e juntos trazemos nossa atenção para nossos corpos, e relaxamos nossos corpos e paramos de pensar, temos uma chance real de curar e descansar porque também precisamos descansar.
Às vezes, estamos tão cansados, queremos descansar. Então ligamos a TV ou ouvimos um podcast ou assistimos um filme. Achamos que isso pode nos permitir descansar, mas depois nos sentimos mais cansados. Talvez a gente vá de férias e mesmo estando de férias, temos tendência a correr de um lado para o outro. Nós realmente não nos permitimos descansar.
Chegamos ao final de um longo dia e pensamos: Agora precisamos mesmo descansar. Mas não podemos, então, pegamos um livro ou uma tela. Qualquer tipo de tela. Olhamos para a tela e pensamos: talvez eu consiga descansar com minha tela. Mas não tenho certeza, já tentei e acho que não funciona. Então precisamos descansar. Precisamos encontrar uma maneira de descansar.
Esse retiro pode ser isso, pode ser uma espécie de descanso profundo. Mas, temos que ajudar uns aos outros. Temos que guardar nossas telas. Desligue-as. Tranque-as. Não toque nelas. Quando estamos na fila esperando por uma refeição ou para lavar o prato, podemos ajudar uns aos outros também a descansar não conversando. Porque gostamos de conversar e conversar é bom, mas não é realmente descansar. E precisamos descansar.
Então, há um momento para conversar e isso é maravilhoso, mas também há muitos momentos ao longo do dia em que podemos ficar juntos em silêncio. Descansando, curando juntos. Se ficarmos calados e alguém vier até nós e quiser conversar, basta sorrir, juntar as palmas das mãos e eles entenderão. “Ah, entendi! Você está descansando. OK”. Talvez eles se sintam inspirados a se juntar a você. Porque juntos somos mais fortes. Acho que só podemos fazer isso juntos.
Só podemos realmente nos curar juntos. À medida que nos permitimos parar, parar a busca constante, a busca pela felicidade, a busca pelo sucesso, a busca por algo, qualquer coisa. À medida que nos permitimos parar, descansar e curar, podemos descobrir que nos sentimos mais despertos.
Podemos descobrir que de repente acordamos juntos. Acordamos para a vida. Acordamos com alegria. Acordamos para a possibilidade de paz. Ao mesmo tempo, acordamos para o sofrimento, para a dor, para os gritos do mundo. Sabemos que queremos ouvir, queremos ouvir o sofrimento. Queremos ouvi-lo com todo o nosso amor, com toda a nossa ternura. Queremos ouvir a Terra. Acordar para a Mãe Terra, para o nosso amor pela Mãe Terra. Porque ela tem voz e está falando conosco, mas não com palavras. Só podemos ouvi-la no silêncio.
(Palestra de Darma de Phap Linh realizada em 6 de agosto de 2016– transcrito do vídeo do YouTube
https://youtu.be/H00d1xeRU7c)
Traduzido por Leonardo Dobbin)
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